DIFICULDADES DO PRESENTE E TAREFAS PARA O FUTURO
(Publicado em: Atas do Congresso Internacional de Língua, Cultura e Literaturas Lusófonas (Homenagem ao Professor Ernesto Guerra da Cal): Santiago, 15-17 de Setembro de 1994, Pontevedra - Braga: Irmandades da Fala da Galiza e Portugal, 1994, 452 pp. («Temas de O Ensino de Linguística, Sociolinguística e Literatura», volume VII-IX, núms. 27-38 (1991-1994)), pp. 137-149)
Prof. Dr. José-Martinho Montero Santalha, da A.A.G-P.
Ferrol, Setembro de 1994
Em lembrança de Ernesto Guerra da Cal (Ferrol 1911 - Lisboa 1994),
porta-estandarte da lusofonia da Galiza.
Sumário:
0. A modo de preâmbulo: gozo e mágoa dos galegos ante o «Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990)»
1. Dificuldades do presente
1.1. O desapego dos demais lusófonos pelos lusófonos da Galiza
1.2. Raízes históricas da situação presente
1.3. O predomínio linguístico e político espanhol
a) No terreno linguístico
b) No terreno político
1.4. A tentativa de isolar a língua portuguesa da Galiza
1.5. A Galiza, «filho pródigo» da lusofonia
1.6. Uma situação inconfortável
2. Algumas tarefas urgentes
2.1. O nome: «língua portuguesa (da Galiza)», não «língua galega»
a) Nome enganoso para os galegos
b) Nome enganoso para os demais lusófonos
2.2. Uma Gramática galega da língua portuguesa
2.3. Um Dicionário galego da língua portuguesa
2.4. Uma «Colecção dos clássicos galegos da língua portuguesa»
2.5. Uma «Academia Galega da Língua Portuguesa»
2.6. Concluindo
Ernesto Guerra da Cal é na história da cultura galega um dos principais defensores da unidade linguística da Galiza, a sua pátria –juntamente com todo o mundo lusófono, essa outra pátria criada pela língua comum. Deu exemplo com os seus escritos, especialmente com os livros de poemas, onde, sem deixar de ser profundamente galego (ou melhor: justamente por ser profundamente galego), foi também linguisticamente português.
A sua posição em favor da unidade lusófona do seu país concretizou-se, nos derradeiros anos da vida, no seu compromisso, como representante da cultura galega, com os acordos ortográficos de 1986 e 1990. Deste facto tomam ensejo as reflexões que a seguir se tecem, sobre dificuldades e tarefas da lusofonia na Galiza.
0. A modo de preâmbulo: gozo e mágoa dos galegos ante o «Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990)»
Naqueles galegos que temos como língua materna o português –que somos, hoje por hoje, maioria entre os habitantes do nosso país– o facto de que no «Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990)» se inclua dalgum modo também a Galiza suscita uma duplicidade de sentimentos contrapostos.
Por um lado, sentimo-nos gozosos de que isso suceda por primeira vez (sem contarmos o precedente do frustrado Acordo de Rio de 1986[1]): por razões diversas, quase sempre de ordem política, nos acordos ortográficos anteriores da língua portuguesa (realizados fundamentalmente, como se sabe, em 1911, 1931 e 1945), a voz da Galiza estivera totalmente ausente[2].
Mas, por outro lado, sentimos também uma certa mágoa pelo facto de que a presença da Galiza tivera que limitar-se ainda desta vez a uma modesta «delegação de observadores», constituída por organizações não governamentais e não por uma delegação oficial que se achasse em pé de igualdade com as dos restantes sete países que compartem a nossa língua[3].
Claro está que a culpa desta «discriminação» para com os falantes galegos do português não deve assacar-se a nenhum dos outros sete países irmãos mas à nossa própria situação sócio-política. E sobretudo de nós galegos depende que essa atitude mude no futuro.
O que pretendo nestas páginas é expor brevemente algumas causas dessa situação presente e sugerir para o futuro algumas tarefas que de nós galegos dependem e que, a meu ver, cumpre realizarmos nos anos próximos: elas contribuiriam, segundo creio, a conseguir que, em eventuais acordos ou trabalhos linguísticos futuros entre todos os países de língua portuguesa, a Galiza ocupe um lugar não já de «observadora» mas de membro de pleno direito, em pé de igualdade com os restantes países, como em justiça lhe corresponde.
1. Dificuldades do presente
1.1. O desapego dos demais lusófonos pelos lusófonos da Galiza
Por muito que aos galegos nos doa, não podemos negar que os demais falantes da nossa língua nos consideram como “um mundo à parte”.
Estou seguro de que a causa desta atitude não se acha em motivos de índole linguística, ainda que algo possa influir a castelhanização que amostra o português falado e escrito pelos galegos.
Nem sequer creio que tenha tampouco influência sobre a situação essa vaga atmosfera colectiva de desdém mútuo que se respira socialmente: é sabido que muitos portugueses têm como imagem dos galegos a ideia tópica de que, pelo menos na sua maioria, um galego é um “indivíduo grosseiro, incivil”, por citar uma das definições que se dão à palavra galego em muitos dicionários portugueses[4]. Mas a inversa não é melhor: mais ou menos a mesma é a imagem tópica que muitos galegos têm dos portugueses (sujos, incivis, miseráveis...).
Injustas como são, estas atitudes de desdém entre povos irmãos não têm grande importância: são comuns em todas as comunidades vizinhas, sejam de um mesmo estado ou de estados colindantes, e costumam ser resultado da falta de conhecimento mútuo, limitado a um contacto superficial, sobretudo naqueles pontos em que colidem interesses contrapostos: já se sabe que é mais fácil levar-se bem com um forâneo, que mora longe, do que com um vizinho, com quem há que conviver todos os dias.
Esses fenómenos que acabo de citar não são as causas mas os sintomas da doença, que tem uma etiologia mais complexa, ainda que afinal, como costuma suceder, também os sintomas acabam formando parte da síndroma e contribuem a agravar o seu quadro clínico.
Mas, centrando-nos agora no terreno linguístico, o facto aí está: dentro do conjunto de países lusófonos a Galiza é, no melhor dos casos –pois outras vezes nem sequer é tida em conta–, considerada como um membro não já de segunda categoria (como podem ser os países africanos que têm o português como língua oficial) mas de terceira classe.
Esta atitude das instâncias oficiais é um reflexo do que sucede ao nível mais amplo da gente comum desses países. A maioria de portugueses e brasileiros nem sequer sabem que a Galiza é um país lusófono. Os meios de comunicação não costumam considerar os galegos como irmãos de língua, mas, simplesmente como “espanhois”. Muitos portugueses que visitam a Galiza, vêm aqui como se fossem a qualquer outra região da Espanha, e para entenderem-se com os galegos esforçam-se por falar castelhano. Por essa falta de informação, o interesse e o sentimento de solidariedade que os demais falantes de português mostram para com a Galiza, se exceptuamos uma minoria de estudiosos, é muito menor do que é o que sentem, por exemplo, –para citar outra área lusófona necessitada de apoio exterior– pelo território de Timor Leste[5].
1.2. Raízes históricas da situação presente
As causas que determinam a situação presente compendiam-se numa: a nossa história plurissecular de dependência com respeito à Espanha, que teve uma consequência no terreno linguístico: o espanhol, apesar de ser uma língua estrangeira, foi a única língua oficial da Galiza até há poucos anos; agora é cooficial juntamente com o português da Galiza, mas continua a desfrutar de facto de muitas vantagens sobre a língua nativa.
Para os demais falantes do português é quiçá difícil fazer-se uma ideia do que esta situação significa. Ajudar-lhes-á talvez a compreender o nosso caso imaginarem o que teria sucedido em Portugal se não conseguisse independizar-se da Espanha em 1640: a situação actual não seria muito diferente à da Galiza (ou se se quer melhor, à de Catalunha, cuja tentativa de independizar-se da Espanha pela mesma época fracassou). O espanhol teria sido seguramente a única língua oficial de Portugal durante estes séculos passados, como o foi na Galiza e na Catalunha, e conseguintemente a única língua de cultura; e o português, carente assim do apoio e do prestígio literário que lhe confere o uso público e oficial, ficaria relegado à fala informal da gente mais humilde e ao cultivo de uma minoria mais consciente, pois os círculos da administração, da política, da economia e da cultura oficial tenderiam na sua maioria a situar-se mais comodamente na órbita do poder, como quase sempre sucede.
Se em 1640 tivesse ocorrido aquela contingência histórica, Portugal encontrar-se-ia hoje num estado muito similar ao da Galiza (no aspecto que aqui nos ocupa: o linguístico). Ora, na Galiza, em realidade, essa situação vinha já de mais de um século antes.
Uma história tão longa explica a complexa situação linguística da Galiza, que para muitos portugueses ou brasileiros se torna um puzzle pouco menos que incompreensível, tal como alguns têm manifestado com franqueza. Os factores de desorientação são fundamentalmente dois: por um lado, o predomínio linguístico e político espanhol, e, por outro, nos últimos anos a tentativa, por parte dalguns galegos, de “independizar” do português a língua da Galiza. Ocupemo-nos uns momentos de cada um destes dois factores.
1.3. O predomínio linguístico e político espanhol
O predomínio espanhol manifesta-se, para observadores lusófonos, principalmente em dois campos: no linguístico e no político.
a) No terreno linguístico
Muitos galegos falam habitualmente castelhano, e de muitos essa é ademais a sua língua materna: nela –mais ou menos correcta, que isto depois de tudo importa menos para o caso– aprenderam a falar e nela têm instalada a sua faculdade de comunicação linguística.
Esse sector castelhano-falante é minoritário na Galiza, mas é o mais visível para o visitante estrangeiro, por situar-se no mundo urbano[6].
b) No terreno político
A situação política presente também resulta chocante. Desde o passado século vinha havendo na Galiza duas tendências políticas fundamentais: por uma parte, os que queriam recuperar a entidade política da Galiza, e, por outra, os que queriam conservar o status secular de submissão ao poder de Madrid. Os primeiros –que foram passando pelas sucessivas autodenominações de regionalistas, federalistas, nacionalistas–, dado que a sua postura exigia um alto grau de consciencialização sócio-cultural e de compromisso ético com o seu país subjugado, foram sempre menos que os segundos.
Depois dalgum precedente em épocas passadas, a Constituição espanhola aprovada depois da desaparição do franquismo deu a razão aos primeiros, estabelecendo um regime autonómico que, sem chegar a reconhecer a total soberania da Galiza em campos como a defesa militar ou as relações com outros estados, cedia-lhe grandes áreas de poder, como o ensino ou a sanidade. Devemos reconhecer que o papel da Galiza nessa decisão foi muito menos determinante do que o de Catalunha e do País Basco. Estabeleceu-se pois a autonomia na Galiza. Mas, dada a falta de formação e de consciência cultural da grande massa de galegos, sucedeu um paradoxo: que à hora de eleger as instâncias de governo autonómico (parlamento e daí governo, chamado «Junta») resultaram vencedoras aquelas forças tradicionalmente contrárias a qualquer ideia de autonomia. De modo que na Galiza –diferentemente ao que sucedeu na Catalunha e no País Basco– a responsabilidade do governo galego veio a ficar precisamente nas mãos das forças de dependência espanhola. O paradoxo reside, pois, em que o poder autonómico veio a recair em mãos daqueles que se tinham mostrado contrários à ideia mesma de uma autonomia política da Galiza. Sucedeu portanto algo assim como se em Portugal, imediatamente depois da independência em 1640, se celebrassem umas eleições nas quais resultasse vencedor um partido contrário à independência.
Cumpre porém reconhecer que na dúzia de anos que levamos de regime autonómico, a atitude dessas forças mudou para melhor: insertos na praxe política autonómica acabaram assumindo muitos dos postulados da tendência nacionalista galega. Poderia pensar-se que o fizeram por terem tomado gosto ao poder, mas também pode ser que um contacto mais directo com a realidade lhes fizesse despreender-se de preconceitos herdados da secular colonização espanhola e lhes limparam assim os olhos permitindo-lhes ver melhor o que antes mal viam.
A história dá muitas voltas e não sabemos onde nos levará, mas a verdade é que, passados uma dúzia de anos, não faltam motivos para a esperança. Neste sentido, dez ou doze anos de autonomia deram muito mais do que se poderia esperar nos seus inícios.
1.4. A tentativa de isolar a língua portuguesa da Galiza
Por outro lado, alguns dos galegos que falam português não reconhecem que se trate efectivamente dessa língua, mas afirmam que o que falam é um idioma distinto do espanhol e do português: a «língua galega», que seria a quarta língua românica da península (ao lado de catalão, castelhano e português).
Ainda que a tradição cultural autóctone tinha entre os seus postulados fundamentais a conservação da unidade linguística com Portugal, o poder político resultante da autonomia, cuja falta de consciência cultural galega já ficou apontada, decidiu-se, depois dalgumas hesitações, pela alternativa isolacionista, que propunha uma normativa linguística mais próxima do castelhano, a única língua que todos os galegos –incluídos os novos governantes– tinham estudado.
1.5. A Galiza, «filho pródigo» da lusofonia
E assim estão as cousas. Por um lado, a Galiza é hoje, dos países de língua portuguesa, o único que não goza de soberania política (exceptuando antigos territórios coloniais portugueses como Timor e Goa, que são caso muito diferente), e aquele em que, qualquer que for o futuro status oficial da língua portuguesa nos países africanos, a língua portuguesa está mais ameaçada (exceptuando mais uma vez os territórios asiáticos dantes citados).
Mas ao mesmo tempo, a Galiza encerra ainda uma parte do mais autêntico tesouro do idioma, vivo na fala de muitos galegos e derivado do facto de que somente na Galiza e em Portugal a língua é «nativa»: nos demais países, incluído o grande Brasil, é língua importada pela colonização, e em quase todos esses países –nuns mais, noutros menos– tem que conviver com outras línguas autenticamente nativas: socialmente o português não é aí língua nativa, embora para muitos indivíduos sim o seja.
É uma situação paradoxal: o português é língua nativa na Galiza, porque aqui (e na parte setentrional de Portugal) nasceu, mas não é língua nativa de muitos galegos; e à inversa, apesar de não ser língua nativa do Brasil e dos outros países africanos, é língua nativa de muitos dos seus cidadãos. A dialéctica entre o individual e o colectivo alcança aqui, para nós galegos, caracteres de drama histórico.
1.6. Uma situação inconfortável
Todos os galegos que não assumimos o castelhano como língua própria temos que viver em tensão permanente: vivemos conscientes da injustiça da situação em que nos encontramos e da ameaça que paira sobre esse núcleo da identidade colectiva que é a língua.
Ora, a situação daqueles que queremos conservar o carácter lusófono da Galiza é ainda mais dura: pelo menos os partidários da «língua galega independente do português» gozam neste momento do apoio do poder autonómico galego.
Poucos dos nossos irmãos de língua compreendem em que difíceis circunstâncias nos tocou viver: para os galegos que defendemos a conservação da unidade linguística, a situação secular de opressão da nossa língua tornou-se agora mais subtilmente agressiva, já que age não desde a descarada defesa da língua estrangeira mas desde uma atitude que aparece como defesa dos valores “galegos”. A situação tem algo de traumático, pois verificamos impotentes que tantos esforços e sacrifícios por conseguir uma Galiza autenticamente galega –isto é, linguisticamente portuguesa– vieram a desembocar nesta inesperada reviravolta.
2. Algumas tarefas urgentes
A seguir enumero e comento brevemente algumas tarefas, necessárias, a meu ver, para os galegos conseguirmos que os demais lusófonos nos sintam mais facilmente como irmãos de pleno direito em assunto de língua.
2.1. O nome: «língua portuguesa (da Galiza)», não «língua galega»
Na Galiza vem sendo comum referirmo-nos à nossa língua nativa com a denominação de «língua galega» ou «idioma galego»[7]: usamos estas denominações ambos, tanto os partidários de mantermos a unidade como os que pretendem fazer do português da Galiza uma língua independente. Baste citar como exemplo o título que o professor Carvalho Calero, um dos grandes lutadores pela conservação da unidade linguística galego-portuguesa, deu a um livro seu publicado em Portugal: Problemas da língua galega[8].
Ora, penso que, sem necessidade de banir totalmente essas denominações, deveríamos preferir o nome universalmente aceito de «língua portuguesa». Andar falando de «língua galega» é prejudicial tanto para os galegos como para os falantes dos outros países lusófonos.
a) Nome enganoso para os galegos
Em primeiro lugar, porque mesmo nos galegos denominações como «língua galega», «idioma galego» ou simplesmente «galego» podem induzir a impressão de uma realidade distinta e própria exclusivamente de tais nomes. Especialmente em espíritos acríticos um nome tende a fazer surgir a impressão de uma realidade diferenciada.
Permita-se-me aduzir aqui –por via de apropósito humorístico se se quer– um texto de Álvaro Cunqueiro, justificado não só pelo seu valor literário mas também pelo facto de ter sido Cunqueiro um decidido partidário da plena unidade linguística galego-portuguesa. Trata-se das palavras que, no seu formoso livro Se o velho Simbad volvesse às ilhas, põe Cunqueiro em boca de Simbad a propósito da fantástica ilha de Gutor:
Gutor nunca se viu, e não se sabe quem a batizou, pero a oitenta léguas de Cambetum há que dar uma virada a SE para passá-la, e os que riem de nós os senhores pilotos de Arábia por fazer esta reverência, não se precatam de que não haverá ilha, pero há o nome, e o erre em que remata é rasgueado, e poderá não chocar um com a ilha, pero pode perder-se contra o nome, que esse ninguém o nega[9].
A meu ver, o nascimento da tendência isolacionista nos últimos anos deve-se em boa medida ao facto mesmo de usar-se o nome de «língua galega».
É bem sabido que isso foi o que sucedeu –ou ainda sucede– também noutras áreas linguísticas cuja situação política é similar à Galiza. A língua do País Valenciano (formado pelas três províncias de Alicante, Valença e Castelhom, na beira do Mediterrâneo, frente às ilhas Baleares) é o catalão; mas muitos valencianos resistem-se a falar de «língua catalã» e preferem usar a denominação de «língua valenciana». Não deve surpreender-nos que também ali, como na Galiza, tenha surgido em anos recentes uma tendência que pretende fazer do catalão de Valença uma língua independente, a «língua valenciana». E, sem sairmos da nossa própria área linguística, é conhecida a relutância que, em anos passados, alguns brasileiros mostravam a denominar «portuguesa» a sua língua, lançando mão de curiosas denominações perifrásticas de intenção “eufemística” como «língua nacional» ou até «língua vernácula».
b) Nome enganoso para os demais lusófonos
Não só para os galegos é enganoso. Para os demais falantes do português resulta especialmente iludente ouvir falar de «língua galega»: habituados a que todos, próprios e alheios, denominem espontaneamente a nossa língua como «língua portuguesa», quando ouvem falar de «língua galega» pensam logicamente que nos estamos a referir a uma cousa diferente: a uma língua que nada tem a ver com eles.
Citei antes o título de uma obra de Carvalho Calero, mestre de todos nós. E é agora o momento de completar a informação relativa a esse título aduzindo o que o sábio professor uma vez me comentou sobre o caso. O seu livro, editado em Lisboa por uma editora portuguesa, estava destinado primordialmente a leitores portugueses; mas o facto foi que não se vendeu muito em Portugal. Conversando sobre o assunto algum tempo depois, declarou-me estar convencido de que a causa, mais que no sistema ortográfico ali adoptado –que, apesar de substancialmente unitário, se afastava da normativa luso-brasileira nalguns pontos–, estava no título: para a imensa maioria de leitores portugueses o título Problemas da língua galega não deixava claro que os problemas que ali se discutiam eram problemas da sua própria língua no território galego; para eles pouco mais significava esse título do que poderia significar, por exemplo, Problemas da língua catalã ou Problemas da língua basca. Para ser imediatamente entendido, o título deveria ser Problemas da língua portuguesa da Galiza, ou algo parecido.
Carvalho Calero era sensível à “receptividade social”, como ele gostava de dizer, e, por isso, estava algo indeciso sobre o uso dessa denominação («língua portuguesa») a nível popular na Galiza no momento presente, temeroso de que pudesse ser mal interpretada; mas concordava em que cumpria ir dando passos também neste ponto. Ele entretanto costumava falar de “romance hispânico ocidental”, mas bem sabia que essa denominação só podia servir para explicar o nosso caso numa perspectiva histórico-linguística e não resultava transparente para o uso habitual.
A este respeito posso contar outra anedota. Terminava ele de proferir uma lição num congresso em Barcelona, e ao concluir, no colóquio que seguiu, um ouvinte galego, residente em Catalunha, perguntou-lhe, sinceramente interessado: “Mas não crê você que a língua da Galiza e a de Portugal é uma mesma?” Tanto ele como eu e outros presentes ficamos algo surpreendidos, pois esse fora precisamente o tema desenvolvido. Com a sua finura, mas sem dizer-lhe expressamente que isso era o que estivera explicando ao longo da conferência, o mestre expôs de novo o assunto abreviadamente. Mas ao sair, referindo-se ao caso, comentou-me algo desiludido se não deveríamos falar explícitamente de «língua portuguesa da Galiza», para que a gente compreendesse sem dificuldades a nossa mensagem.
Melhor que «língua galega» é a denominação «língua galego-portuguesa», que foi a que adoptamos por exemplo para os congressos linguísticos organizados pela AGAL («Congresso Internacional da Língua Galego-Portuguesa na Galiza»). Essa denominação pode ainda ser adequada em certas circunstâncias dentro da Galiza. Mas claro está que não pode pretender converter-se em nome universal, primeiro por ser desnecessariamente longo, e segundo porque outros territórios lusófonos –especialmente o Brasil– estariam igualmente legitimados para introduzir o seu gentílico. Em conclusão: também na Galiza, depois do caminho andado parece já preparado o terreno para dar preferência ao nome universalmente aceite: «língua portuguesa (da Galiza)».
2.2. Uma Gramática galega da língua portuguesa
Sendo a língua da Galiza uma modalidade de português, já se vê que qualquer gramática portuguesa serve também para a Galiza, pois no substancial reflecte satisfatoriamente o sistema linguístico dos galegos.
No entanto, a peculiar situação da Galiza exige que elaboremos uma Gramática galega da língua portuguesa; isto é, uma gramática que, apresentando a língua portuguesa culta, o faça desde uma perspectiva galega, quer dizer, prestando mais atenção aos fenómenos linguísticos próprios da Galiza.
No português da Galiza há, por uma parte, fenómenos plenamente legítimos –especialmente no campo fonético–, que devem assumir-se como constituindo a «norma» do português da Galiza. Por outra parte, há castelhanismos arreigados no uso popular (como os sufixos -ble e -ción, em vez dos correctos -vel e -ção): embora não por serem «populares» deixem de ser castelhanos nem portanto possam aceitar-se, talvez convirá citá-los a fim de serem melhor evitados, o que careceria de sentido numa gramática destinada aos falantes dos restantes países lusófonos.
Deste modo, essa gramática, sem deixar de ser uma gramática da língua portuguesa, estará pensada para a situação específica da Galiza. De resto, é o que sucede em quase todas as áreas linguísticas: por exemplo, a gramática castelhana que se usa na Espanha não serve para a América de fala espanhola, e viceversa; e é sabido que a Nova Gramática do Português Contemporâneo de Celso Cunha e Lindley Cintra, apesar do seu carácter intencionadamente unitário, teve que ser editada em versões diferentes para Portugal e o Brasil[10].
Claro está que isto não exclui a possibilidade –e até mesmo a necessidade– de que se elabore também uma gramática que intente ser reflexo de todo o âmbito lusófono. Noutro lugar[11] falei do projecto que Celso Cunha e Lindley Cintra tinham de incorporar Carvalho Calero para uma futura edição da sua já citada Nova Gramática do Português Contemporâneo, na qual estaria assim também representada a Galiza. A doença, e o falecimento logo, de Celso Cunha, e depois também de Lindley Cintra, desbaratou a empresa, que está esperando para ser realizada algum dia.
Para aqueloutro projecto de Gramática galega da língua portuguesa há já muito caminho andado. Na realidade, todas as gramáticas galegas publicadas até agora ou que se publiquem no futuro são já gramáticas galegas da língua portuguesa, incluídas as daqueles autores que pretendem que a língua da Galiza é independente do português: por muito que se escrevam com ortografia diferente e ainda que se dê acolhida a elementos castelhanizantes, vulgarizantes ou dialectalizantes, a maioria dos elementos do sistema (fonemas, unidades mórficas e morfemas, estruturas sintácticas, léxico) serão necessariamente comuns. Palavras como máis, millor, hoxe, onte, mañá não serão nunca filologicamente diferentes de mais, melhor, hoje, ontem, (a)manhã, apesar de que a grafia separatista pretenda diferenciá-las.
Qualquer gramática galega, pois, será sempre um bom ponto de partida. No entanto, aquelas gramáticas que foram redigidas com plena consciência de que a língua da Galiza é uma forma de português têm mais caminho andado. Podemos citar três das mais importantes e mais recentes desta tendência:
1979 Ricardo Carballo Calero, Gramática elemental del gallego común, Editorial Galaxia, Vigo 1979 (7ª edição), 348 pp.[12]
1980 Xoán Carlos Rábade, Xosé Ramón Pena, M. C. Vázquez, Lingua: gramática metódica da lingua galega, La Voz de Galicia, A Corunha 1980.
1988 Xoán Xosé Costa Casas, Mª dos Anxos González Refoxo, César Carlos Morán Fraga, Xoán Carlos Rábade Castiñeira, Nova gramática para a aprendizaxe da língua, Vía Láctea, A Corunha 1988, 400 pp.
2.3. Um Dicionário galego da língua portuguesa
Qualquer dicionário da língua portuguesa reflecte com exactidão a língua da Galiza, melhor mesmo que muitos dicionários galegos, até o ponto de que –se exceptuamos o dicionário de Alonso Estravis, a que logo me referirei– corresponde bastante à verdade aquela conhecida frase de que «O melhor dicionário galego é qualquer dicionário português».
No entanto, também se pode justificar a elaboração de um Dicionário galego da língua portuguesa, em função das circunstâncias específicas da Galiza. Um utente galego do dicionário necessita muitas informações que qualquer outro lusófono dispensaria para um uso correcto da sua língua.
O dicionário de Isaac Alonso Estravis é já um primeiro passo –e magnífico– nessa direcção; e podemos esperar que futuras edições desta magna obra irão progressivamente configurando a plena reintegração da Galiza no mundo lusófono também no campo da lexicografia[13].
2.4. Uma «Colecção dos clássicos galegos da língua portuguesa»
Seria preciso lançar ao mercado uma colecção das obras literárias escritas em língua portuguesa da Galiza durante os oito séculos que tem de vida a nossa literatura: uma colecção elaborada sob a perspectiva da língua comum, pensada não só para estudiosos da língua mas para a grande massa de leitores cultos de todo o âmbito linguístico português.
Uma empresa desta índole defronta de entrada diversos obstáculos. Em primeiro lugar, estará a dificuldade económica. Mas possivelmente esta não seja real. Muitos livros galegos que agora se editam na normativa castelhanista resultam rendíveis –moderadamente, aliás– para os editores mercê às subvenções oficiais com fundos públicos. (Caso à parte é o grande negócio dos livros de texto para o ensino oficial: os editores dóceis ao poder político-cultural do momento “fazem a América” nestes anos. É significativo, a este respeito, que esse imenso negócio se ache dominado por editoras não galegas mas espanholas). De começo, dada a política cultural, verdadeiramente sectária e injusta, que vem prevalecendo, uma colecção dos nossos clássicos editada com perspectiva lusófona não contará com este tipo de apoio. Ainda que eu estou convencido de que esta situação é transitória, e pode mudar da noite para a manhã do modo mais inesperado, há que planificar a iniciativa supondo que deverá autofinanciar-se. Não deveria resultar difícil: o êxito da empresa dependerá muito da planificação publicitária e da eficácia do sistema de distribuição. Nisto está ainda tudo por construir, praticamente.
De resto, talvez não seria impossível conseguir apoio económico de organismos culturais portugueses e brasileiros, públicos e privados, pelo menos em forma de aquisição de um determinado número de exemplares.
No que diz respeito à elaboração interna das edições, nenhuma iniciativa neste sentido terá nunca êxito se a normativa linguística que se adoptar não for a do português padrão, assim no aspecto ortográfico como no morfológico. O aspecto léxico, pelo contrário, suscita menos problemas e carece de importância[14].
2.5. Uma «Academia Galega da Língua Portuguesa»
Existe na Galiza, como é sabido, uma «Real Academia Galega» e outras Academias mais. A «Real Academia Galega» tinha entre os objectivos fundacionais a atenção à língua portuguesa da Galiza. Ainda que a instituição, sempre mediatizada pelas circunstâncias políticas, nunca foi muito activa, manteve durante anos a ideia guia da unidade linguística galego-portuguesa, como fica patente pelas normativas linguísticas que promulgou. Nos últimos anos, no entanto, coincidindo com a mudança na presidência, essa direcção mudou no sentido isolacionista. Em princípio, dada a existência de duas ideologias contrapostas sobre a identidade da nossa língua, a Academia podia ser um foro de encontro e debate científico e sereno. Mas alguns factos recentes parecem indicar que o caminho que se quer impor à instituição não se guia por esses critérios: os membros de tendência reintegracionista foram marginalizados, os que faleceram não foram compensados, e só se elegem novos membros que professem a concepção isolacionista. De facto, com as incorporações do último vinténio, o controle de qualquer actividade da instituição veio a ficar em mãos do Instituto da Língua Galega, o organismo que inventou a «língua galega independente do português» e que, por isso mesmo, outrora era feramente rebelde e opositor às directrizes linguísticas da Academia. Por uma espécie de «síndroma de Estocolmo», a Academia foi ficando submetida ao poder do seu maior inimigo.
Vista essa situação, as perspectivas de que a «Real Academia Galega» se torne uma instituição cientificamente imparcial no assunto da língua da Galiza parecem escassas a curto prazo, e, tratando-se de uma instituição com grande dependência política, a sua evolução dependerá muito de factores políticos e, em geral, da situação política da Galiza, que, como já sugerimos, resulta difícil prever.
De todos os modos, qualquer que seja o futuro da «Real Academia Galega», a Galiza deve contar com uma «Academia Galega da Língua Portuguesa», de modo semelhante a como os diversos países de língua espanhola possuem as suas próprias Academias da língua.
Com este projecto, não se trataria de erigir uma instituição contra a actual «Academia Galega», mas de uma instituição alternativa, diferente, guiada por claros princípios de unidade lusófona e de cooperação com as correspondentes instituições dos demais países de língua portuguesa, e inspirada pelo amor à verdade e por um sincero respeito a qualquer outra opinião, em leal concorrência. Nem sequer deveria excluir a colaboração, ocasional ou habitual, com a «Real Academia Galega», e a possível existência de membros comuns. Mas os seus estatutos, os seus princípios reitores e os seus membros deverão estar clara e expressamente posicionados a favor do carácter lusófono da Galiza, excluindo de modo explícito e firme qualquer ideia de desmembração ou isolamento do território galego a respeito do restante âmbito linguístico português.
Evidentemente, esta instituição não interferiria de nenhum modo com os organismos de inspiração reintegracionista já existentes na Galiza, os quais devem continuar a existindo com a maior vitalidade possível: as características e os objectivos de uma «Academia Galega da Língua Portuguesa» são distintos aos de organismos de tão decisiva importância, tanto para o presente como para o futuro, como são a AGAL («Associaçom Galega da Língua»), as «Irmandades da Fala da Galiza e Portugal», a «Associação de Amizade Galiza-Portugal» e outros, com os quais naturalmente a nova instituição deverá colaborar estreitamente.
Uma «Academia Galega da Língua Portuguesa» é necessária para que os organismos reitores dos critérios normativos da nossa língua nos restantes países lusófonos tenham na Galiza uma instituição congénere, que ostente com pleno direito a representação da Galiza nas decisões técnicas sobre a língua comum, prescindindo –dada a particular situação da Galiza– de se o poder político do momento as ratifica ou não.
Sou bem consciente de que a posta em andamento de um tal organismo tropeçará com grandes obstáculos. Antes de mais, poderão aparecer travas de tipo jurídico, e devemos esperar que os defensores da tendência isolacionista moverão todos os seus poderosos instrumentos políticos para impedir que chegue a estabelecer-se. Logo, haverá dificuldades de tipo económico: será precisa uma sede estável numa cidade importante da Galiza –preferivelmente em Santiago– e a publicação dalgum órgão oficial. E finalmente não deixará de haver, como sempre sucede nestes casos, os problemas de índole pessoal: por muito grande que seja o número de membros que se estabeleçam, não todas as pessoas que o merecem poderão ter cabida, o qual pode provocar em alguns ressentimento e até aversão.
Mas com todas estas dificuldades há que contar para qualquer cousa que se faça, e não creio que nenhuma delas seja insuperável se a comissão promotora souber agir com tino e com espírito aberto, alheio a todo género de sectarismo.
2.6. Concluindo
Estas são algumas das tarefas que, a meu ver, deveremos realizar nos próximos anos quantos na Galiza nos sentimos membros da grande comunidade lusófona.
E quero terminar lançando um convite a todos aqueles que, partilhando destas ideias no substancial, ou pelo menos de alguma delas, se sintam capacitados para algum desses trabalhos: a nossa língua necessita –e merece– o esforço de todos.
[1] Sobre a participação da Galiza no Acordo de Rio de 1986 vid. José Luís Fontenla, Isaac Estraviz, Adela Figueroa, Comentários ao novo acordo ortográfico, Cadernos do Povo de Literatura e Ensaio, Pontevedra - Braga 1986, 56 pp.; entre outros documentos de interesse, reproduz-se aí o escrito em que “As delegações de Angola, Cabo Verde, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, e Brasil ao Encontro de Unificação Ortográfica da Língua Portuguesa, realizado no Rio de Janeiro, na Academia Brasileira de Letras, de 6 a 12 de maio de 1986, agradecem o assíduo comparecimento às suas sessões dos observadores da Galiza, escritor José Luís Fontenla, professora Adela Figueroa e professor Isaac Alonso Estravis, em representação do professor Ernesto Guerra da Cal” (pág. 23).
[2] No entanto, houve escritores galegos que formularam o desejo de que também a Galiza fizesse parte dos trabalhos em favor da língua que era comum a galegos, portugueses e brasileiros. Assim, António Vilar Ponte (1881-1936), fundador das «Irmandades da Fala» em 1916 e figura sobranceira do movimento cultural galeguista, solicitou publicamente nos seus escritos a participação da Galiza num acordo ortográfico que abrangesse todo o âmbito da língua portuguesa, tal como fora feito por flamengos e holandeses. Era uma chamada que ele dirigia às instituições galegas preocupadas pelo idioma, nomeadamente –naquela altura– a «Academia Galega» e o «Seminário de Estudos Galegos», das quais ele mesmo fazia parte. No entanto, quando em 1945 se apresentou o ensejo de fazer realidade esse anseio ao celebrar-se a primeira convenção com tal fim, Vilar Ponte já morrera, e a Galiza achava-se politicamente anulada nos seus direitos linguísticos, como consequência da vitória do bando franquista na guerra civil espanhola de 1936-39 e do imperialismo idiomático castelhano que os vencedores implantaram, de modo que nem sequer se pôde suscitar a possibilidade de uma participação galega nessa convenção ortográfica de portugueses e brasileiros.
[3] O comunicado, datado a 12 de outubro de 1990, em que se tornava público o facto do «Acordo», iniciava-se assim: “As delegações de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, S. Tomé e Príncipe e Portugal com a participação de uma delegação de observadores da Galiza, reunidas em Lisboa de 8 a 12 de Outubro corrente, após terem discutido minuciosamente [...], comunicam que [...] chegaram a uma concordância unânime quanto à estrutura e especificidade de uma conveção ortográfica comum” (veja-se a reprodução facsimilar do documento, juntamente com outras informações relativas à partipação da delegação da Galiza nos trabalhos, em Nós: Revista da lusofonia (Pontevedra - Braga), núms. 19-28 (1990-91), pp. 471ss). O documento de assinatura oficial do «Acordo», datado em Lisboa em 16 de dezembro de 1990, inicia-se com um considerando em que se diz que “o projecto de texto de ortografia unificada da língua portuguesa aprovado em Lisboa, em 12 de Outubro de 1990, pela Academia das Ciências de Lisboa, Academia Brasileira de Letras e delegações de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, com a adesão da delegação de observadores da Galiza, constitui um passo importante para a defesa da unidade essencial da língua portuguesa e para o seu prestígio internacional” (vid. Diário da República (Lisboa), I Série-A, nº 193, Sexta-feira, 23 de Agosto de 1991, pág. 4370; reproduzido facsimilarmente no número dantes citado da revista Nós).
[4] Essa atitude de desprezo aos galegos partiu, ao parecer, dos castelhanos e estendeu-se depois não só a Portugal mas também à América latina; vem da época de trânsito da Idade Média à Moderna (séculos XV-XVI), ainda que pode ter a sua origem nos tempos de dominação árabe (os árabes peninsulares chamavam «galegos» a todos os cristãos dos reinos setentrionais).
[5] Pode ser boa mostra o facto de que para com a Galiza não houve nunca por parte do restante mundo lusófono uma acção simbólica de solidiariedade como foi a recente viagem do «Lusitânia Expresso» a Timor Leste, apesar de que a Galiza está nas mesmas portas de Portugal e de que as características do caso galego, no aspecto cultural, não são menos sangrantes que as da antiga colónia asiática.
[6] O mais grave do caso, no entanto, é que esse sector está a ampliar-se a base sobretudo das gerações mais novas: grande parte dos jovens e meninos de idade inferior aos 15-20 anos têm como língua de instalação o castelhano, apesar de que, em grande número de casos, seus pais têm como língua de instalação o português. Houve, pois, uma substituição linguística, que se deu no passo de uma geração a outra. Este facto, como é fácil de compreender, coloca a língua nativa dos galegos (isto é, o português na Galiza) em situação dramática no que diz respeito à sua supervivência, e exige um socorro urgente por parte de todos os lusófonos, a começar naturalmente pelos próprios falantes galegos.
[7] Nos primeiros escritores galegos modernos (meados do século XIX) a denominação mais comum era «dialecto gallego». Mas dialecto de que língua? Alguns deles, pelo menos num primeiro momento, parecem ter pensado que o «galego» era um dialecto da língua castelhana. Essa foi de resto a opinião mais geral entre a grande massa desinformada de galegos durante muito tempo, e talvez segue a ser ainda para muitos.
[8] Ricardo Carvalho Calero, Problemas da língua galega, Sá da Costa Editora, Lisboa 1981, 148 pp. (volume segundo da colecção «Noroeste»).
[9] Sobre a atitude de Cunqueiro acerca da língua pode ver-se o meu trabalho «Cunqueiro: da fala popular à língua literária», em: [Vários], Associaçom Galega da Língua [AGAL], Congresso A. Cunqueiro: Actas (Mondonhedo, 19, 20 e 21 de Abril de 1991); Coordenadores da ediçom: Aracéli Herrero Figueroa, Bernardo Penabade Rei, Xavier Cordal Fustes, Ramom Reimunde Norenha, Servicio de Publicaciones [de la] Diputación Provincial, Lugo 1993, 233 pp., pp. 99-113.
[10] Celso Cunha / Luís F. Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Edições João Sá da Costa, Lisboa 1984, 734 pp.
[11] «Carvalho Calero e a língua portuguesa da Galiza», em: [Vários], Ricardo Carvalho Calero: A razón da esperanza, Promocións Culturais Galegas, Vigo 1991 (Colecção «A nosa cultura», núm. 13), pp. 32-40.
[12] A primeira edição publicou-se em 1966, com 268 pp.; a segunda, em 1968, com 288 pp.; a terceira, em 1970, com 340 pp.; a quarta, em 1974, com 332 pp.; as edições quinta e sexta reproduzem literalmente a quarta. A sétima foi a derradeira.
[13] Isaac Alonso Estravis, Dicionário da língua galega, Alhena Ediciones, Madrid 1986, 3 volumes com um total de 2750 páginas (tomo I, A - DUXE, pp. 1-950; tomo II, E - ÑÚNDI, pp. 951-1872; tomo III, O - ZUTRA, pp. 1873-2750, mais um apêndice de XLIII pp.).
[14] Sobre este assunto dos critérios que creio cumpre adoptar na edição dos textos literários galegos modernos, permitimo-me remeter o leitor interessado para o meu trabalho «A recuperaçom da literatura galega para a língua portuguesa: critérios para a ediçom de textos literários galegos», em: [Vários], II Congresso Internacional da Língua Galego-Portuguesa na Galiza, 1987: Actas (Santiago de Compostela, 23 de Setembro - Ourense, 27 de Setembro), Associaçom Galega da Língua [AGAL], A Corunha 1989, 928 pp., pp. 158-178.