Crónicas da Galiza (28)
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Manuel A. Fernández Montecelo
3 de Novembro de 2003
É comum pensar na Galiza e norte de Portugal como regiões periféricas, ambas estão longe das rotas comerciais europeias e geograficamente afastadas dos territórios mais dinâmicos e poderosos economicamente. Reparemos: utilizam-se as expressões "longe das rotas" e "geograficamente", que implicam que estão a maior distância/tempo da zona ou zonas consideradas centrais.
Ainda há uma outra forma de ver a periferia, como a "distância tecnológica", nas telecomunicações e o que com eles se relaciona. Já hoje uma escola secundária não é privilegiada por estar perto duma boa biblioteca, se existir material electrónico disponível de qualidade comparável na rede; nem seria necessário morar perto de zonas onde realizar tarefas administrativas se houvesse uma administração electrónica que funcionasse bem. Se sou matemático ou tradutor de livros, que importa onde moro se posso enviar o meu trabalho aonde quiser em poucos segundos?
Mas mais do que as vantagens concretas que se obtêm, podíamos reparar no contrário: que se passa com as pessoas leigas nos novos métodos de comunicação e de obtenção de informação? É difícil fazer comparações com problemas modernos parecidos, porque ainda não sabemos bem de todo o impacto que pode ter isto na sociedade, mas quiçá não erramos muito se pensarmos na situação dos camponeses que trabalhavam com métodos tradicionais, com a chegada de maquinaria especializada, ou uma pessoa na área administrativa duma empresa que não soubesse utilizar telefone, fax e aparelhos do género. Quem é que pode estar num posto administrativo hoje sem saber utilizar um computador? Quantas áreas mais podemos acrescentar? É possível a sobrevivência laboral à margem
destas tecnologias por uns anos, e muitas pessoas agora activas nos seus trabalhos continuarão a tê-los (ainda que perdendo competitividade) sabendo pouco ou nada, mas isto já não é possível para quem começa agora.
Ainda falta o mais grave, porque não é apenas algo profissional: é algo integral na formação das pessoas. Se ainda restam dúvidas, então pensemos no futuro sócio-económico das áreas onde hoje há serviço de telefone ou electricidade deficientes e comparemos com o que se pode passar com estas tecnologias ainda mais recentes. Não só faltam empresas onde trabalhar, como também não se tem acesso (ou é muito mais restrito) a eventos culturais e serviços.
Na Galiza existe muita menor percentagem de gente com acesso a computadores e à Internet que em outras zonas, sempre esteve marginalizada no campo das comunicações (de transporte, telefone e de todo o género) e também agora da tecnologia, com o cabo que só existe em algumas zonas urbanas, rede de telefone básica que não permite ligar-se mediante banda larga e a telefone rural, que não permite ligar-se a Internet de nenhuma maneira. São semelhantes os problemas com a rede eléctrica em muitas zonas. E o principal é que no ensino também não se está a fazer nada, em parte pela própria obsolescência de quem dirige e de quem tem de ministrar as aulas. Suspeito que o
mesmo problema acontece no norte de Portugal (salvo Porto, e talvez nos últimos tempos no resto das cidades), pela distribuição demográfica e outras características comuns desta nossa euro-região.
É importante portanto não esquecermos que a formação (por outra parte nada simples, pôr diante dos alunos um computador sem mais não serve) nestas novas tecnologias é peça fulcral, pelo que podemos intuir, nas novas gerações das nossas sociedades ocidentais. Pode ser muito mais importante para uma zona periférica uma adequada actualização
tecnológica que uma estradinha mais ou menos rápida com ligação à cidade mais próxima.
Não deixemos que, já estando na periferia no passado e presente, isto faça com que fiquemos também na periferia do futuro.
Ângelo Cristóvão
Secretário da Associação de Amizade Galiza-Portugal
Janeiro de 2004
Recentemente publicou-se na internet a página web das Irmandades da Fala da Galiza e Portugal (IFGP) no endereço www.lusografia.org/ifgp, página onde está também a web da Associação de Amizade Galiza-Portugal. A IFGP está registada e legalizada no Reino da Espanha (1981) e na República Portuguesa (1991).
Das suas atividades salientamos a organização de congressos de língua, literatura e culturas lusófonas; a publicação de revistas (Nós, Cadernos do Povo, Temas de O Ensino e O Ensino) e livros de diversos temas (ensaio, poesia, teatro...).
Uma das suas atividades é a edição de livros e revistas. Durante os últimos 20 anos foi capaz de produzir mais de 60 títulos que acreditam a sua constância, dão fé da sua aportaçao à república das letras em português e demonstra a vontade da Galiza de fazer parte dessa comunidade que chamamos lusofonia. Presentemente esta associação está integrada por personalidades de diversos países, não sendo estritamente galega mas lusófona.
Foram também as Irmandades da Fala uma das primeiras entidades a empregar coerentemente o conceito de lusofonia, hoje de uso corrente. Foi no Encontro de 1988 em Madrid, com presença de intervenientes de todos os países lusófonos, na sa do Brasil e com presença do embaixador deste país.
Outro aspeto relevante a comentar é o facto de ter sido a principal associação promotora da participação galega nos Acordos Ortográficos de 1986 (Rio de Janeiro) e 1990 (Lisboa) através da Comissão Galega do Acordo Ortográfico. Sabemos que esta participaçao foi contestada por inteletuais como Vasco Graça Moura (In: Novo Acordo Ortográfico: afinal, o que vai mudar?). Mas negar a língua portuguesa à Galiza é negá-la a uma parte substancial da velha Gallaecia, onde nasceu a língua.
Uma forma de defender a língua é promover a unidade da escrita. E esta é uma caraterística dos lusófonos galegos: a defesa da unidade ortográfica faz parte do discurso da necessidade, enquanto se admitem os regionalismos léxicos, que enriquecem o conjunto do léxico português.
O Acordo Ortográfico de 1990 ficou in suspenso, não foi vigorado. Infelizmente há uma tradição portuguesa de intervenção política nos assuntos da norma linguística, o que tem vindo a prejudicar a autoridade das Academias. Tenho para mim que esta intervenção tem sido prejudicial e, no futuro, deveria situar-se no plano estritamente académico, como acontede no caso do espanhol. Melhor seria aos linguistas fazer o seu trabalho e manter os políticos longe destas questões. Um acordo ortográfico, por mínimo que seja, só pode ter consequências beneficiosas para todos. Esta foi e será a linha defendida pelas Irmandades da Fala e outras associações lusófonas da Galiza.
Poucas entidades públicas e/ou privadas podem apresentar este currículo tão valioso. Por todos os motivos expostos parece conveniente conhecer o que têm feito e atender ao que podem fazer no futuro. O endereço para contactos é: Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar.
Ângelo Cristóvão
Secretário da Associação de Amizade Galiza-Portugal
Estão os catalães e, em geral, muitas personalidades e instituições da língua catalã, seriamente preocupados com os projetos de secessão linguística do valenciano. O tema tem interesse pelos paralelismos evidentes com a política que, na Galiza, partidos políticos espanhóis (P.P. e P.S.O.E.) e instituições folclórico-linguísticas como o Instituto da Lingua Galega e a Real Academia Galega têm praticado para promover o “galego”, quer dizer, para afastá-lo do português.
Já logo no início da transição política da ditadura de Franco à actual democracia, se tinha acrescentado o debate –desigual, desleal e até imoral- respeito da unidade do galego e o português, do valenciano e o catalão, e a pertinência do euskara batua (basco unificado). Nestes debates sempre os nacionalistas espanhóis defenderam a cultura local procurando a desagregação das “outras línguas”.
O caso do Estado Espanhol contra o catalão resume-se na seguinte estratégia:
1.- Criam instituições folclóricas com aparência académica (como a “Acadèmia Valenciana de la Llengua”) controladas pelo poder político (a presidente é Ascensió Figueres, (ex)vice-presidente do Partido Popular regional), à que outorgam a autoridade linguística oficial. Estas instituições recebem grandes quantidades de dinheiro que é utilizado para fomentar na população atitudes contrárias ao catalão. São beneficiadas também com toda a publicidade institucional possível, o que faz com que a população suponha que, na verdade, esse governo está a defender a cultura local.
2.- Inventam nas universidades a “filologia valenciana” e começam a negar o reconhecimento administrativo aos licenciados em filologia catalã para leccionar essa língua na Comunidade Valenciana. Destarte reduzem o espaço económico e laboral desta língua. Na Galiza separaram em dois o curso de filologia galego-portuguesa. Os licenciados em português já não podem ministrar aulas de galego.
3.- Probições: Promovem a utilização exclusiva de uma listagem de 200 termos “autenticamente valencianos”, obrigatórios na televisão valenciana e nos livros de uso escolar. Os termos catalães equivalentes são proibidos. Também na literatura escolar ficam excluídos os autores não nascidos no território da Comunidade Autónoma Valenciana, com alguma excepção como Ramon Lull e Maragall. O governo do P.P. só aprova os textos adatados a estes critérios. Na Galiza isto acontecia já a começos da década de 80, aprovando só os textos escolares que excluirem autores tão importantes como Camões
4.- No nível mais prático há outros exemplos: a Biblioteca Nacional espanhola separa os livros valenciano/catalão, e galego/português. Quanto às escolas oficiais de idiomas, a ministra de cultura do governo de Madrid, Pilar del Castillo confirmou que, no próximo curso, poderá estudar-se “valenciano” e “também catalão”. Reparemos em que os poderes do Estado Espanhol têm boa disposição para gastar milhares de contos na divisão das outras línguas, enquanto reforçam a unidade do espanhol. No caso da Galiza o governo do P. P. nunca dá dinheiro para as publicações das associações lusófonas, enquanto o seu presidente, Manuel Fraga, publica livros em português, cheios de gralhas, com dinheiro público.
5.- Uma parte dos intelectuais que anteriormente defendiam a unidade da língua catalã já não se importam com dizer só “valenciano”, e justificam a exclusão de léxico catalão a favor de expressões locais. Algum partido político da esquerda colabora na legitimação da secessão linguística com a escusa de, assim, “se aproximar mais do povo” e facilitar a sua difusão. Também na Galiza muitos supostos inteletuais se recusam a chamar português à nossa língua, com parecidos argumentos falaciosos.
No fundo o que estão a fazer com o catalão na região de Valência é aplicar a ‘solução final’ que já levam duas décadas a aplicar contra o português na Galiza.
Data de Publicação: 07/03/2004
Ângelo Cristóvão
Secretário da Associação de Amizade Galiza-Portugal
Um problema tradicional na agricultura galega foi –e continua a ser- o minifundismo, originado no sistema de heranças e nas circunstâncias económicas dos concelhos mais próximos do mar. Tratava-se de um sistema de transmissão do património que produzia a subdivisão sucessiva dos terrenos até ficarem na mínima expressão numérica. Só a administração pública podia pôr remédio a este problema, e começou a corrigi-lo através dos planos de “concentração parcelar” iniciados na década de 70 e acelerados desde a posta em andamento da autonomia política da Galiza (1980). Em certos concelhos ainda não se tem iniciado pela oposição dos proprietátios mas, onde se tem levado a termo, os resultados têm sido bons. O minifundismo está associado a uma agricultura de subsistência e é incompatível com a rentabilidade. Para garantir o futuro das explorações agrícolas é precisa uma superfície mínima.
Outro dos instrumentos de uma política agrícola é a inspecção dos alimentos, de modo a garantir a saúde dos consumidores e a estabilidade dos mercados. Na situação atual do governo autónomo galego observo dois problemas: primeiramente é preciso reunir num só departamento as funções de inspecção que até ao momento são exercidas pelas Conselharias de Sanidade e Agricultura -por vezes nem se sabe a quem corresponde a jurisdição sobre a saúde dos produtos agrícolas- em segundo lugar é preciso acrescentar o número de funcionários dedicados a esta tarefa.
Assumimos ser imprescindível uma ação de controle preventivo nos vários processos de produção, manipulação e comercialização dos alimentos. Este controle está a ser muito irregular: bom no relativo aos produtos cárnicos e nos ovos mas fraca nas produtos hortícolas. Esta carência não é devida a uma legislação insuficiente mas a uma incapacidade política. No caso dos inspectores de produtos fitossanitários o seu número está reduzido ao mínimo. Além do mais, sabemos que a sua função permanece inibida por ordens dos seus superiores. Temos visto como alguma associação de consumidores tem realizado análises de alimentos, dando como resultado a publicação de notícias relativas a resíduos de produtos químicos que nunca deveriam ter-se produzido. Mas as associações de consumidores não podem substituir os funcionários no seu dever.
Mais um instrumento político infrautilizado na Galiza é a promoção das marcas originárias, as “denominações de origem”. Se bem que o nosso alvarinho (Rias Baixas) tem sido apoiado com relativo sucesso, o sector com maiores possibilidades e de mais fácil acesso para a população, a horticultura, fica sempre desatendido. Um exemplo desta falta zelo é a ausência, na feira agrícola mais importante (Semana Verde de Silheda), de produtos muito conhecidos como os Pimentos Padrão e de Arnoia. No primeiro caso as associações de produtores estão à espera, há 15 anos, do registo e regulamento da denominação de origem.
Um outro caso evidente de desatenção à horticultura é o crescimento da superfície dedicada ao feijão verde nas províncias da Corunha e Ponte Vedra. A Conselharia de Agricultura da Junta da Galiza parece ignorar totalmente que esta cultura aporta, de maio a agosto, milhares de euros a muitas famílias e explorações profissionais tendo garantida a venda de toda a produção, pois é nesses meses que o clima da Galiza e Norte de Portugal permite competir com vantagem frente aos agricultures do Sul peninsular. Os comercializadores costumam dizer que qualquer quantidade produzida será automaticamente vendida nos mercados de Barcelona, Valência e Madrid, que preferem o nosso feijão sobre qualquer outro. O dever dos políticos é aproveitar estas vantagens competitivas através do fomento do cooperativismo, das “denominações de origem” e da promoção comercial nos mercados exteriores. Quando chegará o dia que possamos orgulhar-nos das nossas autoridades agrícolas?
Data de Publicação: 07/03/2004
Ângelo Cristóvão
Secretário da Associação de Amizade Galiza-Portugal
25 de Outubro de 2003
Salientava o Transmontano na edição do 12 de setembro: “A agricultura portuguesa está em decadência”. O titular, em geral, pode ser aplicado igualmente à Galiza. Ao pensarmos nas causas desta situação, são mais importantes as perguntas do que as respostas. Estas derivam diretamente das primeiras, quer dizer, da forma em que compreendemos o problema.
Oferecemos hoje a primeira descrição e análise dos problemas da agricultura galega. O tema tem interesse suficiente para lhe dedicar mais de um comentário, porque tem sido a atividade mais tradicional, a profissão a que se dedicou a maior parte da população até há poucas décadas, e porque continuará a ser sector estratégico no desenvolvimento económico da Galiza e do Norte de Portugal.
A afirmação genérica “A agricultura está em crise” é discutível quando descemos a sectores concretos como a horticultura, em que a experiência demonstra as possibilidades reais de crescimento e rentabilidade na produção em estufas, além da comercialização. Não podemos afirmar que a crise é total nem geral; devemos estabelecer, primeiramente, uma diferença entre a agricultura de subsistência, de reduzida superfície, gerida por pessoas idosas e ligadas a umas técnicas tradicionais, e aquela perspetivada como atividade empresarial, empregando menos pessoas mas obtendo um maior rendimento. É esta a que realmente merece um esforço formativo e informativo, quer do ponto de vista dos média, quer da administração pública, que intervêm em diversos graus de responsabilidade no sucesso deste sector económico.
Quanto aos poderes públicos, na Galiza, o governo autónomo tem amplas competências para desenvolver políticas favorecedoras deste sector. Um dos instrumentos de que dispõe são os gabinetes de orientação agrária mas, infelizmente, não estão a servir para o fim previsto. Infrautilizados e dedicados, quase exclusivamente, à “papelada” burocrática, muitos destes funcionários com formação universitária e vocação de ajuda ao desenvolvimento agrário, ficam desiludidos pela redução da sua atividade ao exercício dactilográfico e carimbador.
Outros instrumentos são as feiras agrícolas. Se bem que foram criadas como fundações de gestão privada, continuam a ser controladas pelo poder político, a começar pela indigitação dos presidentes. A mais importante da Galiza é a “Semana Verde de Silheda”, está em baixa de expositores e público. Esta situação, semelhante às feiras agrícolas de Braga e Santarém, não pode explicar-se apenas pela tendência geral dos últimos anos, mas à intervenção e controle político da Junta da Galiza. Que podemos esperar de pessoas alheias a este sector e sem o mínimo interesse pela questão? A realidade é que os responsáveis pela feira agrícola de Silheda têm tanta relação e interesse pela agricultura como pela cosmologia.
A miopia e o desinteresse do Partido Popular relativamente à horticultura galega é resultado, quer da sua ideologia política, quer da sua concepção do poder, cujo valor supremo é a subserviência permanente aos interesses espanhóis. Destarte, os fracassos na gestão são apresentados como resultado, quer da dinâmica interna do próprio sector, quer das políticas europeias, muitas vezes contraditórias com os interesses nacionais galegos. Os políticos do Partido Popular espanhol contemplam a agricultura como fonte de recursos, de impostos, multas e taxas de toda a espécie. As iniciativas e a resolução dos problemas costumam vir do próprio sector, que recebe apenas dos governantes regras e ordens coercitivas, talvez imprescindíveis numa política de ordenação, mas insuficientes, pela carência de uma política de promoção de novas alternativas, novas culturas, novas formas de exploração agrária.
A horticultura oferece boas perspetivas de crescimento e rentabilidade, mas o meu conselho para os produtores é não esperar nada da administração pública, além de impostos, enquanto não mudar o partido governante.
Ângelo Cristóvão
Secretário da Associação de Amizade Galiza-Portugal
17 de Outubro de 2003
Em 1988, durante a celebração de um seminário de sociolinguística em Ourense, explicava-nos o sociólogo catalão Lluís V. Aracil a parvoíce de explicar as causas do analfabetismo e dedicar grandes esforços a realizar estatísticas sobre a matéria.
Concisamente, ele dizia que a causa do analfabetismo era, simplesmente, a natalidade. O esforço deveria dedicar-se, então, a fomentar o que em inglês de chama “literacy” (saber de letra). O que faz sentido é pensar e construir um sistema eficaz de alfabetização, que é o aspeto positivo do problema. Isto implica falar em organização dos sistemas de ensino, pedagogia, etc. Pensar no analfabetismo é sintoma de uma inversão de valores culturais conduzente ao insucesso.
Durante este ano começou-se a vender na Galiza a “Gran Enciclopedia Galega Silverio Cañada”, redigida no portunhol (mistura de português e espanhol) que constumam utilizar e promover instituições como a Junta da Galiza e a Universidade de Santiago. Em coerência com essa concepção da língua da Galiza, as matérias figuram ordenadas pelas letras do alfabeto castelhano, consequência de uma lógica política evidente. Reparámos num item relevante do segundo volume:
“ANALFABETISMO, s.m.: 1. Estado ou condição de analfabeto. 2. Fenómeno social caracterizado pela existência de persoas analfabetas” (pág. 248), da autoria de Gonzalo Anaya Santos et al.
A definição destes autores é circular e inútil porque nada explica. Além do mais esta enciclopédia não inclui ALFABETIZAÇÃO nem ALFABETO, que poderiam ajudar a compreender alguma coisa relativa a esse fenómeno citado. Estes conceitos, de valor universal, precisariam algum esforço no sentido de salientar a sua importância capital para a língua e a cultura, em geral, não restritamente galegos mas, antes, concebidos e difundidos como elementos comuns para toda a civilização. Porém, esta enciclopédia, que recebeu grande apoio económico da Junta da Galiza, não foi pensada para compreender o mundo. Foi redigida, principalmente, para transmitir uma percepção da Galiza como Galicia, região espanhola, com uma língua e cultura promovidas pelas instituições oficiais apenas no caso de se apresentarem como radicalmente diferentes da portuguesa e submetidas conceptual e legalmente à castelhana.
Os dois primeiros volumes desta obra antecipam a concepção do conjunto, segundo a qual o caraterístico dos galegos não é aquilo que temos em comum com os outros povos, ou a interpretação que os galegos damos aos elementos comuns da civilização europeia. Não, o salientável, aquilo que merece ser publicado nesta obra é o peculiar, o específico, a “identidade”, o que no âmbito político espanhol chamam agora “facto diferencial”, definido em relação como o âmbito político e cultural espanhol, em que se insere explicitamente a “Enciclopedia Galega Silverio Cañada”.
A definição do conceito de analfabetismo, a incluir em duas páginas várias estatísticas do castelhano na Galiza, reproduz e mascara a dominação política da Galiza que é apresentada, nesta como noutras obras, como a “realidade” social sem explicação alguma, sem fornecer as chaves para compreendermos a relação hierárquica e subsidiária, secularmente estabelecida, entre a língua e cultura da Galiza e a espanhola. Apesar de a Espanha ser um estado formalmente democrático, onde na Constituição se declara existir uma igualdade de direitos entre os cidadãos, apesar do denominado estado autonómico, de facto, mantém-se invariável o submetimento das comunidades linguísticas de origem não castelhana.
Em contraposição com o representado por esta perniciosa enciclopédia regional espanhola, os lusófonos galegos assumimos o caminho da universalidade através da promoção do português como língua nacional da Galiza, o que não impede que o castelhano seja utilizado também, mas apenas como segunda língua instrumental, como também o inglês e o francês, que devem fazer parte do ensino logo nos primeiros anos da escolarização.
(Artigo publicado na edição impressa de 17 de Outubro, pág.18).
Carlos Durão
Londres
25 de Outubro de 2003
A maior parte da comunidade galega na Inglaterra concentra-se em Londres, nos bairros mais centrais (Victoria, Hammersmith, Portobello...). Tem-se calculado entre 10.000 (nos anos 70 do século passado) e 20.000 emigrantes, mas é impossível dar um número preciso, pois para o consulado espanhol só existem as cifras dos cidadãos espanhóis residentes num país da União Europeia, e nada sabe da chamada “Lei de galeguidade”. (Além disso, como considerar os filhos de galegos nados aqui? Para o Estado Espanhol são espanhóis se o pai é espanhol, mas não se só a mãe é espanhola.)
Começou a chegar sobretudo a partir dos anos 1950, quando o mercado laboral britânico do após-guerra precisava absorver mão de obra barata para trabalhos que tendia a rejeitar o operário inglês mas aceitava o galego (ou o antilhano): hostelaria, hospitais, serviço doméstico, etc.; e em condições cívicas mínimas ou inexistentes: sem segurança social, sem permisso de trabalho ou até totalmente ilegais. Hoje está bem integrada e estabilizada no país, com um certo envelhecimento, isso sim, e desfruta de certa soada de solidez e responsabilidade social diante das autoridades britânicas (p.ex. a polícia), que nunca têm tido queixa dos “galegos de Londres”.
Abunda o nome “Galicia” em estabelecimentos comerciais galegos: Galicia Motor Services, Galicia Wines, Galicia Restaurant, Galicia Delicatessen, etc.; ou outros topónimos afins: Meson Coruña, Carniceria Coruña, Vigo Galleries, Vigo Press Ltd., restaurante Rias Baixas, Breogan Removals, etc. (Também existem desde há muito tempo topónimos galegos nas ruas londrinas: Corunna Road, Corunna Terrace, Vigo Street. O nome de Santiago está refletido doutro jeito: sob o apelativo de “The Court of Saint James’s”, que é o nome oficial da Corte Real britânica, e em St. James’s Palace, residência do herdeiro da Coroa; também em St. James’s St. e mais nos numerosos topónimos ingleses que o incorporaram na época em que tinha importância para os peregrinos ingleses o chamado “Caminho Inglês” a Santiago, por mar desde um porto inglês do sul e por terra desde o norte da Galiza; assim: Berwick St. James e outros, desde que o popularizara no século XII a Rainha Matilda, filha de Henrique I.)
Tem um Centro Galego, fundado no 1967, que é o decano dos centros de emigrantes do EE na Inglaterra, e que chegou a ter 800 sócios nos seus melhores tempos, com o seu local próprio, embora modesto, e com atividades culturais diversas: o Dia da Pátria, o Dia das Letras Galegas, uma Comissão Cultural que tem participado nos preparativos do Ano Jacobeu; inclusive chegou a fazer edições próprias de livros e revistas. Tem o seu Grupo de Gaitas e Danças e o seu Clube Desportivo de futebol.
Também existiram em tempos o Grupo de Trabalho Galego de Londres e mailo Seminário de Estudos Galegos de Londres, e funcionam hoje Centros de Estudos Galegos nas universidades de Oxford e de Birmingham. A emissora da BBC tinha depois da guerra uma emissão galega, na que colaboravam muitos “galeguistas históricos” do interior, como Otero Pedrayo, Florentino Cuevillas ou Plácido Castro; na seção espanhola colaboravam outros, como Salvador de Madariaga ou V. Paz Andrade. Anos depois veio morar a Londres o ilustre poeta e professor galego Ernesto Guerra da Cal, exilado desde a guerra civil espanhola, em cujo lar tínhamos uma cálida acolhida os mais novos, e que foi o derradeiro duma brilhante presença galega na Inglaterra que inclui nos nossos tempos os escritores Rafael Dieste e Ricardo Palmás, e outrora o famoso Conde de Gondomar, D. Diogo Sarmento da Cunha, que fora embaixador na “Corte de Santiago” e que desde ali escrevia em galego às suas amizades na terra natal.
Carlos Durão
Londres
17 de Outubro de 2003
Acostuma dizer-se que, a norte da raia, “fala-se galego”. De facto, “o galego” (“el gallego”) é hoje reconhecido pelas autoridades espanholas, que o consideram língua “própria” da Galiza (para elas “Galicia”), ao mesmo tempo que “lengua también española”, como p.ex. na Constituição espanhola ou no Estatuto de Autonomia da Galiza. E as “autoridades” linguísticas espanholas têm feito os máximos esforços por “provar” que essa língua falada a N da raia, que é cooficial com o castelhano, não tem nada a ver com a que se fala a S da raia, que é oficial no Estado português.
Ora, a realidade é que a verdadeira língua oficial da Galiza é a espanhola, que é a língua que abrange todo o Reino de Espanha. E “o galego” são de facto “os galegos”, os falares, falas ou dialetos galegos da Galiza oficial (as quatro províncias da Corunha, Lugo, Ourense e Ponte Vedra) e mais da Galiza chamada “exterior” (Návia, Berzo e Seabra, comarcas ocidentais das Astúrias e de Leão), ou seja os dialetos portugueses do N da raia, em geral tanto mais castelhanizados quanto mais distantes dela. Para esses dialetos, as autoridades espanholas inventaram uma “ortografia” espanhola, que reflite uma “ortofonia” também quase espanhola (quer dizer adatada à fonética dos hispanófonos galegos), e tornaram-na obrigatória nos centros de ensino e nas edições subsidiadas, banindo a ortografia e ortofonia realmente próprias da língua, ou seja portuguesas: esta é a posição dita isolacionista, obediente às diretrizes dum partido político de âmbito estatal.
Existem, claro, dissidências, grupos minoritários e independentes do oficialismo, que não estão dispostos a aceitar este “facto consumado” e que procuram falar e escrever bem o português, considerando que une e dá coesão a todos esses falares, e nos relaciona cabalmente com o resto da Lusofonia, quer dizer que é a norma culta da nossa língua. Naturalmente esses grupos são sanhudamente perseguidos e banidos do ensino e dos subsídios oficiais (como, aliás, nos melhores tempos da ditadura franquista). Mesmo assim, conseguem manter uma presença social muito superior ao seu número, publicando livros e revistas, celebrando congressos, seminários, etc., que nos derradeiros vinte anos têm alertado a sociedade galega para o perigo da espanholização e exercido certa pressão nas opções filológicas até dos próprios isolacionistas.
Há ainda uma posição intermédia, digamos quase lusógrafa mas não lusófona, ainda muito dependente do espanhol na grafia, na fonética e na morfologia e sintaxe, que parece ter certas esperanças de ser aceite ou pelo menos tolerada pelo oficialismo. Os seus utentes, embora digam que a sua posição é temporária e que está a caminho do alvo final português, de facto cada vez mais ficam estacados num imobilismo cómodo ou docilmente submetidos à política linguística dum partido, e ainda pretendem “exportar” os seus produtos ao mundo lusófono, sem reparar que estão a criar confusão entre as pessoas lusófonas de boa vontade que realmente querem ajudar a Galiza na recuperação da sua língua.
O que fazer? Certamente nós, a N da raia, temos muito que fazer para ampliar essas minorias críticas e continuar consciencializando as pessoas. Mas a S da raia também os nossos irmãos transmontanos e minhotos muito poderiam fazer para alentar a língua portuguesa na Galiza e recusar tanto o isolacionismo oficial como essas meias-tintas gráficas e fonéticas, que afinal são mau português, e insistir num padrão correto para a nossa língua, seja ele o que se continua a empregar em Portugal ou o do ainda não ratificado Acordo da Ortografia Unificada de 1990, no que está explicitamente reconhecida a participação da Galiza.
(Artigo publicado na edição impressa de 17 de Outubro, pág.18).
Celso Álvarez Cáccamo 3 de Novembro de 2003
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É notícia que o príncipe de Espanha, Felipe de Borbón, acaba de anunciar o seu próximo casamento com a jornalista Letizia Ortiz. Entrado o século XXI, o povo continua a ver-se sujeito a cerimónias medievais, adereçadas mediaticamente com o bombardeamento humanitário dos telejornais, magazines, e outros subprodutos. Entre os absurdos desta situação política e social está a necessária aprovação deste futuro casamento polas Cortes espanholas (as câmaras do Congresso e o Senado). O epígrafe 4 do artigo 57 do Título II da Constitución Española diz (intraduzo, porque as leis espanholas, espanholas devem ficar, não distorcidas polo falacioso exercício de pretender fazê-las galegas, bascas ou catalãs a traduzi-las): "4. Aquellas personas que teniendo derecho a la sucesión en el trono contrajeren matrimonio contra la expresa prohibición del Rey y de las Cortes Generales, quedarán excluídas en la sucesión a la Corona por si y sus descendientes". Quer dizer, se as Cortes espanholas não aprovarem este casamento, Felipe de Borbón não poderia ser rei de Espanha quando Juan Carlos morrer. Mas a hipótese é impensável. E, contudo, outro rei ou reina sofreríamos. Celso Álvarez Cáccamo (Artigo publicado na edição impressa de 7de Novembro, pág. 4) |
Celso Álvarez Cáccamo
24 de Setembro de 2003
Pouco se sabe em geral nesse lugar que por convenção chamamos Portugal do que acontece em matéria de língua(s) (e de muitas outras cousas) nessoutro lugar que por convenção chamamos a Galiza: refiro-me à parte da Galiza na altura submetida (como todos os países naturais) aos efeitos dum Estado, o Reino de España, em cujo centro mora um enorme eñe imperial. Na realidade, as cousas da língua na Galiza são tanto muito complicadas como muito singelas. Tentarei resumi-las pobremente, para ver o comum no respeitante ao papel da língua na vida diária.
É sabido, isso sim, que na Galiza se falam dous idiomas. Do espanhol, nem direi muito: é uma forma de espanhol que não se pode identificar com o falado na Andaluzia ou na Bolívia, mas que, na mente de muitos (esse prodígio de catalogação da realidade), é “o mesmo”. Da outra e primeira língua da Galiza, o português --que coloco em segundo lugar simplesmente para poder estender-me mais--, direi quase o mesmo: o português galego não se pode identificar plenamente com o alentejano ou o carioca; por isso (e aqui vem a diferença), na mente de muitos é “outra cousa”, “outra língua”.
Qual é a fonte de tal divergência no tratamento destas duas línguas na Galiza? (a própria, que é o português, e a historicamente alheia e agora socialmente dominante, que é o espanhol). Que faz o Estado espanhol para impor tal distinção nas mentes? E que não faz o Estado português para restaurar o equilíbrio na visão das línguas na Galiza?
Simplesmente, o Estado espanhol impõe sobre nós as letras: a palavra escrita, a cultura escrita, o sistema educativo em espanhol... enfim, a ignorância do próprio como método. Por meio do sistema educativo e doutros dispositivos criam-se os contrastes entre os falares “regionais” galegos (periféricos, quase atávicos, perdidos num recanto dessa tristíssima piel de toro, e portanto “tolerados” como curiosidade) e a letra impressa espanhola, que da sua ortografia até ao discurso vem embebida de ânsias nacionais espanholas, quer dizer, coloniais.
Mas, por acaso não é isto o que faz o Estado português com os falares dos seus súbditos? Não impõe o “ão” onde se diz o “om”, o “ou” onde se pronuncia “o”, o “v” onde se realiza o “b”, o “também não” onde existe o “tampouco”? Por acaso não cria o Estado português miragem de unidade da mesma maneira? Sim, e não. Portugal estabelece estas diferenças (sempre de classe) entre falares e escrita, e portanto entre grupos sociais, sobre e contra a sua própria língua, o qual não deixa de ser um mecanismo de dominação dos estados tão comum que se torna, por obediência, em direito dos cidadãos ocidentais a serem correctamente disciplinados na Língua.
É isto exactamente, nem mais nem menos, o que queremos muitos galegos e galegas (provavelmente muitos mais do que se pensa): que a nossa língua escrita, a que nos divide e classifica como sábios ou parvos, como pobres ou ricos, seja o mesmo instrumento que têm outros países de língua comum. Não queremos escrever o galego em espanhol: queremos o direito a sermos dominados, como qualquer país ocidental normal, pola Língua própria, que no nosso caso é a portuguesa. E nesta matéria Portugal inibe-se porque cai do outro lado dum rio inexistente. Má sorte, ou má política de estado?
Se as cousas fossem normais na Galiza, nem este textinho seria necessário: falaríamos dos assuntos que têm importância.
(Artigo publicado na edição impressa de 24 de Outubro, pág. 10).
Mais ...
António Gil
Da Associação de Amizade Galiza-Portugal
24 de Outubro de 2003
Cara amiga, caro amigo, portugueses em todo o caso: Desde a outra parte da ‘raia' galega (da seca e da molhada) começo as minhas cartas que vos dirijo fundamentalmente a vós, amigos portugueses. Sem dúvida também os meus concidadãos galegos poderão aproveitar-se delas ou isso pretendo.
Inicio-as com um tema que acho injusta e escassamente tratado nessa parte da ‘raia' e escondido e maltratado nestoutra, de toda a ‘raia' espanhola desde Tui até Ayamonte.
Hoje mal o apresento, com algum temor de ser pouco ou mal compreendido. Mas aí vai; ei-lo:
Começo, a modo de pretexto, por uma nótula que publicou ‘Diario de Notícias' (Lisboa) o primeiro dia deste mês de Setembro. Coloco-a completa: «CIA reconhece diferendo de Olivença (C. A.) «Pela primeira vez no relatório anual sobre disputas internacionais, a CIA passou a incluir o contencioso de Olivença, território em que Portugal e Espanha continuam por delimitar os respectivos limites fronteiriços. Desde o início de Agosto que a CIA faz referência expressa a periódicas reclamações portuguesas sobre aquele território, há dois séculos ocupado pela Espanha à margem do direito dos tratados.
«A disputa de Olivença é referida pela agência norte-americana, em separado e nos mesmos termos, tanto no índice de conflitos de Portugal como no de Espanha. Até agora, Portugal era dado como um país sem qualquer contencioso de carácter internacional, a contrastar com a apreciável lista de diferendos protagonizados por Espanha. «A listagem da CIA é usada como suporte de trabalho tanto pelos media como pelas chancelarias e, no que respeita aos EUA, não poupa referências a contenciosos territoriais com o Canadá, às reivindicações do Haiti sobre a ilha Navassa e das ilhas Marshall sobre a Wake, entre outros.»
Ignoro quanto e como se discutiu esta notícia em Portugal. Sei que no Reino da Espanha foi mal transmitida e pior comentada, até com desprezo e em recantos da imprensa ou em momentos mínimos da rádio. Parece-me que nenhuma TV disse nada nem a favor nem em contra.
Não obstante, não é a notícia em si que me interessa, mas o estado de opinião tão diverso que existe na República portuguesa perante uma "questão" semelhante duma que vem sendo estimada fundamental no Reino vizinho: Neste a "Questão de Gibraltar" esteve presente como reivindicação patriótica de todos os governos e sistemas políticos desde sempre, mas sobretudo durante o séc. XX: Monarquia absoluta e constitucional, ditaduras, Restauração monárquica. Todos os governos reclamam sistematicamente a devolução do reduzido território de Gibraltar, com toda a justiça espanhol, embora fosse cedido ao Reino Unido em Trtado de Paz.
Assusta, ao comparar situações, o facto de na República portuguesa apenas um grupo muito escasso de cidadãos persistirem na reclamação dum território conquistado pela Espanha na "Guerra das Laranjas" (1801), guerra aliás injusta, e ulteriormente devolvido também por Tratado internacional. Essa devolução foi e é unicamente nominal: promessa incumprida. Sem procurar culpas nem novos "casus belli" entre os Estados vizinhos, sim vale a pena refletir um pouquecho no assunto: O Reino da Espanha não cumpre a promessa ou Tratado, aliás, bem conhecido dos portugueses, mas os portugueses, as autoridades portuguesas lembram, como "questão de Estado", a devolução de Olivença?
Comentarei nalguma outra carta as "razões" que uns e outros formulam para não devolver e para não reclamar. São na realidade razões ou apenas, segundo acima escrevi, "razões" ou, antes, pretextos?
(Artigo publicado na edição impressa de 24 de Outubro, pág. 10).
António Gil Da Associação de Amizade Galiza-Portugal 11 de Janeiro de 2004 |
Depois de, serodiamente, felicitar o Ano Novo a todos os leitores do SEMANÁRIO TRANSMONTANO e às suas famílias e amigos, vou permitir-me interromper (é um falar!) as reflexões sobre Olivença, para tratar outro tema não menos ininteligível nestes tempos de correção “politicamente correta”. Espero que o título («Das cousas da língua portuguesa na Galiza (espanhola)») oriente um pouquecho o miolo deste artigo, mas nem sei... |
AS MINHAS RAZÕES PARA ACREDITAR NA LUSOFONIA |
António Gil Hernández da Associação de Amizade Galiza-Portugal. 24 de Fevereiro de 2004 |
Permito-me, mais uma vez, dar a lume umas reflexões, velhas, muito velhas, neste mundo de imediatezes desacougadas, que atualizo levemente. Conservo o título que coloquei às primeiras: «As minhas razões para acreditar na Lusofonia». Pretendo que ecoe o do livro do saudoso Prof. Rodrigues Lapa 'As minhas razões. Memórias de um idealista que quis endireitar o mundo...' (Coimbra Editora, 1983).
No meu texto, que foi publicado em 'Cadernos do Povo. Revista Internacional da Lusofonia' (núms. 5-14, 1988-89, pp. 17-19), começava de expor a concepção de LUSOFONIA para delinear a seguir as tarefas que hão-de cumprir-se e as condições para a verificar. |
Ângelo Cristóvão Angueira
Miguel Cupeiro Frade
António Gil Hernández
Mário João Herrero Valeiro
José António Lozano Garcia
Roberto Ouro Vilharaviz
Jesus Sánchez Sobrado
Álvaro Jaime Vidal Boução
da Associação de Amizade «Galiza-portugal».
Galiza, 27 de Abril de 1992
Comunicação apresentada ao Seminário sobre «O uso das Línguas na perspectiva da Europa Comunitária», AGAL, Ourense, 1992, e publicado no volume do mesmo título, Mª Carmo Henríquez, Ed., 1993, Crunha, pp.49-60.
0.- INTRODUÇÃO
0.1.- Em linhas admiráveis Jorge Luis Borges escreve:
«La palabra problema puede ser una insidiosa petición de principio. Hablar del problema judío es postular que los judíos son un problema; es vaticinar (y recomendar) las persecuciones, la expoliación, los balazos,el degüello, el estupro y la lectura de la prosa del doctor Rosenberg. Otro demérito de los falsos problemas es el de promover soluciones que son falsas también.»[1]
Pode ser. Acaso semelhante suspeita levantada possa também sobrevoar as nossas cabeças quando, reunidos sob um obsceno e tácito acordo de posição comum numa luta, somos quem de aceitar aquele presumível objeto de estudo que nos vem denominado como «caso galego», ou «problema galego».
Acaso, dizemos. Porque também nós fazemos agora rigoroso exercício de história-questionário.
Para isto, então, faz-se-nos imprescindível abordar todos os supostos explicitados no título mesmo deste seminário. São eles os que nos hão permitir uma viagem que é uma prática-teórica. A mesma que toda a precisão materialista dos Spinoza, Maquiavel, Marx ou Althusser nos brinda agora para defrontar-nos àquele que é ponto constituinte do nosso percorrido.
Saber, sem esperança, é óbvio, com todo o rigor também, da configuração muito concreta do Direito: é ele produção do Poder, na sua forma-legislação este se exprime e se diz irrebasável, fabrica com a sua codificação legislativa a sua cobertura legitimadora. Não há, pois, movimentos de reforma legal; há, sim, lutas em autodeterminação cujo resultado produz ou não mudanças legislativas, e/ou não só, rastejáveis nas linhas de atos de jurisprudência mais do que nos corpus de leis.
Assim, devém perfeitamente enquadrável por que a legislação espanhola sobre matéria linguística produzida (ou não) na Galiza é, para além de «imperfeita», tecnicamente «defeitosa», até ao ponto de nem sequer fixar objetivos. E devém no movimento mesmo em que tais «imperfeição» e «defeição» constituem o seu polido, estrito e procurado acabado: quando e onde a Lei é nominação do Desejo, e o desejo não é outro que a aniquilação.
Espera-se, então, que haja uma «correção» legislativa estadual com relação à legislação europeia?
Será solução o reconhecimento de existência do galego?
Violentam esses atos nalguma maneira a configuração que o capital desenvolve na Europa?
E verifica-o o facto de saber que há uma língua oficial da CEE perseguida até no território de um dos seus estados membros?
A Associação de Amizade Galiza-portugal enviou em 12 de Março do presente ano à «Comissão de petições» do Parlamento europeu um «Relatório» sobre a situação da Comunidade Lusófona galega» no senso de os galego-utentes padecerem ignorância e desinformação coativas acerca da sua língua nacional até ao ponto de, sob pretextos de a dignificarem «por elaboração», os órgãos do Reino da Espanha impedirem, na realidade, o seu uso «normal». Chega-se assim a suprimi-la como língua oficial da C.E., embora digam pretender a declaração da sua existência como «língua europeia».
«En nombre del Secretario General» o «Jefe de División» acusou o recibo da carta, de um particular (nessa figura se tornou um «Relatório» de uma Associação legalmente constituida), «inscrita en el registro general de peticiones con el núm. 195/92». Segundo se nos disse, «remitida a la Comisión de Peticiones, [...] examinará, en primer lugar, si la petición entra en el ámbito de actividades de las Comunidades Europeas». Em todo o caso, «La Comisión de Peticiones le informará directamente de sus decisiones [da Comissão]».
Aguardamos expetantes a resolução de tal europeu organismo[2]. Bom tema de reflexão (ao menos) e de questionamento têm os juristas e outros estudiosos interessados na glotopolítica: «por cumprir uma norma de rango inferior conculcam-se normas de rango supremo, as que reconhecem os direitos fundamentais da pessoa» não é essa caraterística de regimes autoritários, mais ou menos fascistoides? .
0.2.- Falamos em «língua» e «cultura». Uma repetição tal destes termos em atos como o que hoje nos convoca tem a vantagem oficial do consenso, do lugar das homologias, da conculcação daquele diálogo, que era luta na teoria, fundador do pensamento todo em que nós nos inscrevemos e ao que referimos como clássico e cujo momento fundante ubicamos, numa geografia tão superficial como estrita, na Grécia. Conculcação que é ato de poder. E fingido, no nosso caso.
É um poder que não nos temos construído. Não há espaços de poder ocupáveis. São sustantivos. Há, apenas, opções sobre a constituição de poder antagónico.
As reiterações e explicitações de obviedades são tediosas tanto quanto necessárias.
Aqueloutras sobre cuja estaticidade se constrói a aniquilação fazem-se «terrotistas», na rigorosa codificação de monopólio da violência (material e/ou simbólica) por uma forma-stato.
Não estará esta, acaso, inscrevendo-se num movimento que evite as linhas de definição de «língua» e «cultura»?
É princípio militante do anti-lusismo formular a indiferencialidade plena da língua quanto ao seu aspeto gráfico.
É princípio fundante da língua, enquanto forma, a sua convencionalidade plena.
A utilização do segundo conceito com a codificação do primeiro é exemplo perfeito de deslocamento ideológico. Não há convenções «indiferentes».
Explicá-lo parece até obsceno.
Se a língua pode devir instrumento na culturização, se podemos intuir a sua anterioridade lógica e até cronológica a qualquer construto cultural, com que definição adulcorada e melosa de «cultura» se quer trabalhar?; que cultura e qual o sentido desta vai potenciar a CEE?
1.- QUE «LÍNGUAS» E QUE «USOS»?
Qualquer metodologia supõe a aplicação dum instrumento conceitual suficientemente adequado.
Nós, aqui, vamos seguir as conceptualizações apresentadas por Ralph Fasold[3] como «tipologias» e «fórmulas» sobre que trabalharam, no tema do nosso interesse, Stewart (1962), Ferguson (1966), que as reelaborou seguindo um trabalho seu de 1962, e Stewart (1968), que as modificou de novo[4], a respeito da caraterização de línguas nomeadamente no seio das «nations» cujas populações empregam várias[5].
1.1.- QUE «LÍNGUAS»?
1.1.1.- FERGUSON (1966)
Esta formulação inicial estabelece-se para as comunidades linguísticas que apresentarem «importantes factos sociolinguísticos».
1.1.1.1.- CATEGORIAS DE APLICAÇÃO
Vale indicarmos as três «categorias» que cabe aplicar a cada língua, segundo as «qualificações» seguintes:
a. língua maior.
Para uma língua devir dessa condição, terá de cumprir pelo menos uma destas três caraterísticas:
(1)ser falada como nativa por mais do 25% da população ou por mais de um milhão de pessoas;
(2)ser a oficial do país;
(3)ser a língua veicular na educação de por volta do 50% da escolarização secundária na nação.
b. língua menor.
Diz-se da língua que não cumpra nenhum dos requisitos da língua maior e, porém, um dos seguintes, pelo menos:
(1)ser falada por mais do 5% da população ou por mais de 100.000 pessoas;
(2)ser usada como meio de instrução nos primeiros anos do ensino primário contando com livros de texto redigidos nela.
c. língua de estátus especial.
Aquela que, não se encontrando nas duas qualificações acima expostas deve ser usada como língua da religião, para as manifestações literárias, como matéria curricular no ensino secundário ou como língua franca.
1.1.1.2.- APLICAÇÃO AO IDIOMA GALEGO
Em consequência, o galego é de facto uma língua maior. Falada por mais do 25% da população.
Porém, sendo língua não oficial, mas apenas «tambiém oficial», é escassamente veicular nos âmbitos do ensino, até ao ponto de não alcançar o grau de uso reservado às línguas menores. Será a condição que hão de cumpror as colónia situadas no próprio centro do Ocidente (culto) europeu.
Sendo assim, poderá o idioma galego estimar-se nalguma altura, da história e da legalidade, com o mesmo rango que o português (nominalmente) ocupa junto com as outras poucas línguas europeias declaradas oficiais na CEE?
Ou, pelo contrário, trata-se de constatar que os seus «usos» estão bem como estão para assim o caraterizar e legitimar, em definitivo, o triunfo da linha exterminadora, genocida?
Ou, antes, uma constatação de tal índole haverá de servir para retomarmos a linha do «galeguismo histórico» que permita reconduzir esses «usos» numa e para uma caraterização distinta, outra, do galego?
1.1.2.- FERGUSON (1968)
Nas categorias gerais de língua, acima vistas, que respondem à fórmula inicial de Stewart e, à posterior de Ferguson, determinam-se «tipos» e «funções».
1.1.2.1.- TIPOS DE LÍNGUAS
Dessarte se reconhecem cinco tipos de línguas, que confrontaremos com a situação em que se acha o galego para o tipificarmos adequadamente.
a. Língua vernácula
Entendemos por tal a língua nativa não «estandardizada» de uma comunidade de fala.
b. Língua padrão
Endendemos que é a língua vernácula «estandardizada».
c. Língua clássica
Apreciamos que é tal o padrão «morto» como língua nativa, oral.
d. Pidgin
Define-se como uma língua híbrida enquanto que adoita incluir a fonte léxica de uma língua e a estrutura gramatical de outra (ou outras).
e. Crioulo
Dizemos do pidgin que se tornou em língua nativa de uma comunidade de fala.
1.1.2.2.- APLICAÇÃO AO IDIOMA GALEGO
a. O Galego foi historicamente língua vernácula de modo que em certa altura chegou a contar com uma língua comum relativamente estável, mas sofreu posteriormente um processo de rápida despadronização num segmento da sua comunidade.
Hoje na Galiza (espanhola) não é língua vernácula.
b. Também o idioma galego carece hoje de língua padrão, porquanto estão confrontadas duas linhas gerais de padronização a incluirem, por sua vez, «máximos» e «mínimos».
Os «mínimos» de ambas as linhas confluem numa obscena homologia: a mesma proposta vem sendo «reintegracionismo de mínimos» e «isolacionismo de mínimos».
Um horizonte de tal espécie incide negativamente na aceitação do[s] padrão[/ões], que em rigor Stewart (1968) considera atributo indispenável para caraterizar a língua (inicialmente) estandard.
c. O textos dos Cancioneiros são de facto, ao menos, língua clássica, «morta», para a padronização isolacionista do galego.
Aliás, constituem, incontestavelmente, não apenas o «modelo», nalguma medida morto, mas sobretudo a meta do processo «normalizador» para a linha «reintegracionista» de padronização que em princípio exclui a «confusão com o português».
d. O castelhano foi, num tempo, fonte do léxico para o pidgin que de facto utilizavam muitos galegos e que, estendendo-se de jeito curioso, recebe o nome de castrapo (ou «galego macarrónico»); porém, na realidade o idioma galego, falado pelos nativos, não chegou a ser nem a funcionar nem léxica, nem gramaticalmente como um pidgin (até agora).
Porém, na situação presente cabe considerar pidgin a «verbalização» oral e escrita de políticos e outros vampirizadores sociais, assim como aqueloutra que, de forma incontestável, é pai único da «Linguística galega», fonte abominável de Saber bastardeado por ser produção subsidiária de um Saber «outro» que é produção primeira do Poder.
e. Acaso a configuração, dantes aludida, em que está a substantivar-se o galego seja como um crioulo conflituosamente estandardizado. Apesar de óbvio, faz-se preciso explicitá-lo mais uma vez.
Desse jeito de configuração já nem o reintegracionismo pode pensar sequer em se livrar.
1.2.- QUE «USOS»?
Dito por outras palavras, que «funções»?
1.2.1.- FERGUSON (1962): «FUNÇÕES»
Nesse texto fornece-nos um inventário de «funções» ou «usos», susceptíveis de serem satisfeitos correlativamente com os diferentes tipos de língua.
Tais funções são:
a. Função de grupo
Entende-se por tal a cumprida por aquela língua usada primariamente para processos comunicacionais desenvolvidos no interior da comunidade de fala, que identifica como um grupo com especificidade sócio-cultural.
b. Uso oficial
É a língua legalmente (na produção de corpus «legitimador») designada (e declarada) como oficial e/ou empregue para propósitos de governo no nível nacional.
c. Língua franca
Utiliza-se para a comunicação entre comunidades, não sendo a de nenhuma delas.
d. Uso educacional
Aquela língua usada nos primeiros anos do ensino primário com textos redigidos nela. É óbvia instrumentalização, nos casos em que é necessária, como veículo que permitir o aprendizado da [auto ou homo] definida como língua nacional.
e. Propósitos religiosos
f. Uso internacional
g. Função de disciplina escolar
Cumpre tal função a língua (não nacional) que, para além de se manejar como veículo de instrução, é também matéria de estudo nos currícula escolares.
Podemos ainda assinalar outras funções acrescentadas por Stewart (1986):
h. Função provincial
Indicando o uso oficial de uma língua nalguma subdivisão política menor do que a nação.
i. Função capital
j. Função literária
1.2.2.- APLICAÇÃO AO IDIOMA GALEGO
Cumpre fazermos as seguintes breves observações:
a. A nómina de qualificativos que ideologicamente caraterizam o galego como língua com (exclusiva) função de grupo é extensa enquanto se trata de uma nacionalidade oprimida.
Abundam, portanto, as listagens e até catálogos de «eufemismos»: «feito diferencial», «feito galego», «caso galego», «problema galego», etc. Pode-se mudar convenientemente o adjetivo; em qualquer suposto, repare-se nas conexões clínicas da terminologia.
Mais uma vez, achamos o deslocamento ideológico. Desde Freud e Lacan, pelo menos, sabemos que a configuração mesma do linguístico constitui uma movimento de elusão no ato mesmo da alusão: uma «comunidade autónoma» onde o factor heterónomo é sobredeterminante e mesmo excluinte; derrotante, até.
Cumprirá, ainda, o galego uma função tal derivada do seu uso?
Será acaso um factor mais de identificação grupal (digamos claramente «nacional»; não sobeja nenhuma concessão ao rigor) com a subjetividade heterónoma?
Linha assimilatória ou, mais especificamente, de uma brutal e eliminadora materialidade? Dizer «simbolicidade» seria aqui (quase) expressão pleonásmica.
b. O galego apenas é declarado «tambiém oficial» com o castelhano.
Para além disso, segundo acima se questionou, podera usar-se algum dia o galego como língua nacional na nação em que se dá tal (parcial e realmente subsumida) declaração de oficialidade.
c. O «caso do galego» não é evidentemente de língua franca.
d. O galego não tem uso educacional; é, essa, «vantagem» da colonização europeiamente configurada.
Porém, cabe esperar que num futuro indeterminado se proceda assim mesmo com todo o (assombroso) empenho do nacionalismo de nação oprimida?
Precisa-se explicitar em que projeto nacional (de futuro e não só) são inscritos?
Com certeza as disciplinas escolares que hão de ser obrigadamente impartidas em galego, são aquelas que, expondo as realidades históricas e sociais espanholas, têm uma função nacionalizadora manifesta. Valeria a pena quantificar e qualificar conteúdos, nos textos, e labor expositivo (horário e metodologia), nos cursos.
Ainda mais, numa situação como a referida, cumpre perguntarmos por que é que se «cede» graciosamente o espaço da «realidade ontológica nacional» lidimamente «representada» na codificação daquilo que se define como (o) galego?
e. Nestas partes da geografia linguística os deuses são (com o Altíssimo à cabeça e contra eles) tristes monolíngues do poder, também. Têm o seu vigário na terra designado e coroado franca e borbonicamente: Poder cuja transmissão é institucionalmente cromosómica e dialetalmente espanhola.
f. Para a relação com outras «nações» a (nossa) constitucional monarquia considera não apenas suficiente o castelhano, embora tenhamos de reconhecer que que não lhe faltem razões.
É doutrina admitida pelos ditos «elaboradores» galegos.
g. O idioma galego é decerto matéria escolar, mas numa patente extralimitação do quadro jurídico onde fica exprimido apenas o direito a usar-se, é declarado e exigido como matéria «obrigatória».
A que atribuir essa obrigatoriedade?
Qual pode ser o seu sentido na intenção do legislador?
Lembremos o que acima indicávamos: constituindo a «disciplinação» do idioma «próprio» deveras toda uma expropriação discursiva e material, por que se faz «cedência» desse âmbito de legitimidade ou de quaisquer outros?
Por que se trabalha pela efetivação progressiva de tal «cedência», outorgando confianças aos «poderes autonómicos» cada vez menos merecidas?
Por que se concebe esse espaço como principal e prioritário para a «correção» de usos e funções idiomáticas na Comunidade Linguística, para a [plena] nacionalização da Galiza (espanhola)?
h. O galego funciona na «província» como um buraco: não como língua nacional, mas como regional (automónica diz-se também).
i. Com toda a certeza o idioma galego não é a variedade linguística dominante na capital da «nación».
j. O galego é empregue não em toda a produção literária e, em geral, nos textos de alta codificação, mas minorizada e defeitosamente.
2.- QUE «PERSPETIVA»?
Propomos, porque nos propomos, a valorização questionada do tratado até aqui. Consideramos assim mesmo como evidente a configuração minorizadora.
Porém, a minorização acaso seja não tanto instrumental, quanto, primeira e primariamente, simbólica.
Assim sendo, que efetividade terá e qual pode ser o sentido da tentativa para que o galego se reconheça na CEE como «língua europeia»?
Qual pode ser a «perspetiva» desde o passado e para o futuro?
2.1.- QUE MINORIZAÇÃO?
Continuando com o seguimento e apresentação que Fasold (1984) faz das categorias de Ferguson e Stewart, passamos a considerar as funções (ou atributos) oficial, nacional, identificadora, cujo interesse se torna primordial para o ulterior questionamento a que no texto estamos a levantar sobre a realidade sócio-linguística galega.
a. Função oficial
Para que uma língua possa desempenhar essa função, requer-se uma suficiente padronização que tem de ser conhecida por um quadro de cidadãos culturizados.
Essas condições são (ainda) impensáveis em galego.
b. Função nacionalista
Desenvolverá tal função se a língua cumpre as seguintes condições:
(1) ser símbolo de identidade nacional para uma proporção significativa da população.
Dizíamo-lo acima: supondo que se cumprisse cá essa condição, qual seria a identidade nacional simbolizada e por qual símbolo?
(2) ser língua amplamente usada para própositos de uso diário. O idioma galego usa-se diariamente, mas para que usos e com que propósitos?
(3) ser língua fluída e amplamente falada dentro do país.
Satisfaz o galego tal requisito? Talvez: assim extensamente se admite.
Contudo, não existem estatísticas fiáveis, com a exceção dos inquéritos e ulterior elaboração verificados por Ângelo Cristóvão e apresentados em várias publicações e congressos.
A retórica oficial expõe uma fluídez cujos postulados são impossíveis, na prática, mesmo para os fautores dessa retórica.
(4) defrontar-se com a inexistência de outras línguas nacionalistas no seu território natural.
Não é o «caso galego» que justamente se confronta com a existência esmagadora de uma língua maior muito nacionalista dentro do país.
(5) ser indiscutivelmente símbolo de autenticidade.
Mas discute-se (e não é negativo que assim se proceda na Galiza) a sua aceitabilidade como símbolo de autenticidade autóctone.
(6) ser manifesta a relação com um glorioso passado.
O idioma galego, porém, segundo é maioritariamente conhecido mal se relaciona com algum passado. Quando se deixa ver, todos somos capazes de conceber a ontológica condição submetente que se insere na narração mesma na qual o idioma se materializa. Vivemos uma configuração nacional apocatástica (como de «eterno retorno»). Nem o consolo apocalíptico nos é dado já.
c. Função grupal
A sua caraterização, em clara regressão no galego, resume-se em ser usada por todos os membros da comunidade na conversação ordinária e dessarte unificar e separar valores sociais.
2.2.- QUE EUROPEIDADE?
Em síntese, estimamos que são três os estatutos jurídicos das línguas existentes na Comunidade Económica Europeia:
(1) língua oficial,
(2) língua de trabalho,
(3) língua reconhecida.
Ora, podendo ser o galego língua já oficial da CEE (com nome e forma de português), por que é que as instituições espanholas e as organizações nacionalistas galegas aspiram apenas ao simples reconhecimento?
Acaso a consideração sobre a conflituação idiomática, desenvolvida no primeiro ponto, não foi suficientemente esclarecedora do conflito de ideologias e de grupos humanos vigente na Galiza?
Acaso a efetiva oficialidade atual do idioma galego não é uma posição de presente pensável, quando não socialmente aceite num futuro imediato?
Por que os que assim nos posicionamos não acabamos de ser coerentes e utilizamos «massivamente» o português nos nossos escritos perante a Sociedade galega e o Estado espanhol?
Podem os expertos em direito europeu apontar alguma observação, complementar ou crítica das aqui expostas?
3.- ESCÓLIO
Vêm-nos à memória, agora, as lúcidas palavras de Jorge Luis Borges, que não tão longe ficava de tudo isto. E vêm-nos, dizemos, para elaborar a tese da inexistência do dito «caso galego».
Dificilmente, acaso, de um «conflito galego».
Sim de um tácito (somos reiterativos) obsceno reconhecimento dum mínimo minimizado de sobrevivência cujo futuro prometido é, discursivamente, o informante pleno do decretamento aceite da sua fulminação, com a cobertura legitimadora (diz-se-lhe direito) apropriada.
Não esqueça ninguém que trás o pomposo cabeçalho de «normalização linguística» ocultamos tanto como apresentamos um território com linhas diferentes, diversas nos seus sentidos também.
Os dados indicam-no; também a razão, única arma de que dispomos: é sintoma de psicopatia profunda abolir o passado em nome do presente, não menos do que o movimento inverso. É justo reconhecer uma derrota e reorganizar (syntaxis, no rigor da língua grega) as forças.
Nada tem isso a ver com arrependimento algum, figura da religiosidade transferida nojentamente à imanência em que nos situamos.
Há uma linha de normalização em curso e altamente avançada.
Sob forma de invasão, certamente, nesta altura.
A sua configuração linguística conhece-se como espanhol, também o projeto nacional em que se inscreve. Europa é o seu nome e estigma de modernidade e progresso.
Trata-se de uma linha mensurável, estudável, analisável e é, em nós também, silêncio discursivo insalvado: convém conhecer o outro, pelo menos saber da sua alteridade e exterioridade, das suas relações e das formas destas.
Pode que não haja outro jeito de saber de nós.
Suspeitaremos, prudentes, um tratado de não agressão entre a «qualificada representação» da vítima, que também todos nós somos, e o carrasco, que também todos nós somos?
Não é delírio, apenas obscenidade sustantivada, portanto.
Cada um escolherá os seus. E a sua trincheira.
Se existir a ocorrência, haverá de lembrar que com os fascistas, se os houver, não se discute, nem se razoa? Combate-se, a morte.
Casos, por exemplo, como os de Alonso Nozeda, Sánchez Sobrado e Zebral, entre outros, são boa demonstração de todo o denunciado neste (quase) manifesto, com a silente cumplicidade mais absoluta do oficialismo espanhol e do nacionalismo galego.
[1] J.L Borges (1952), «Las alarmas del doctor Américo Castro» in Otras inquisiciones.
[2] Desde então produziram-se atuações da Administração espanhola na Autonomia, que abreviadamente se numeram: a «Sala de lo Contencioso-Administrativo», do «Tribunal Superior de Galicia», emitiu a Sentença 230/1992, de 15 de Abril, e a Sentença 382/1992, de 15 de Junho; a «Consellería de Educación e Ordenación Universitaria» promanou diversos ofícios reclamando de diversos cidadãos que utilizem o «galego [normativo]» ou o «caslelán ['normativo']» em vez do galego-português, indiferentemente escrito como português padrão ou segundo a Normativa proposta pela A.Ga.L.
Desses procederes deu-se conta à «Comissão de Petições» (Estrasburgo), assim como ao Parlamento galego (Compostela), ao Senado e ao Congresso (Madrid), ao «Valedor do Povo» (Compostela) e ao «Defensor del Pueblo» (Madrid), por se as instituiçoes tivessem atuado contra os direitos fundamentais desses e doutros cidadãos espanhóis.
[3] No seu livro The Sociolinguistics of Society, Basil Blackwell, Oxford, nomeadamente o capítulo intitulado «Qualitative Formulas», pp. 61-84.
[4] William Stewart (1962), «An outline of linguistic tipology for describing multilingualism» in Frank Rice (1962), Study of the Role of Second Languages in Asia, Africa and Latin America, Center for Applied Linguistics, Washington D.C., pp. 15-25.
Charles Ferguson (1966), «National sociolinguistics profile formulas», in William Bright (1966), Sociolinguistics, Mouton, The Hague, pp. 309-324.
William Stewart (1968), «A sociolinguistic tipology for describing national multilingualism», in Joshua Fishman (ed.) (1968), Readings in the Sociology of Language, Mouton, The Hague, pp. 531-545.
Pode ver-se uma crítica desses textos em «Les graphiques d'évaluation des situations plurilingues (avec application ao Sénégal)», de Louis Jean Calvet.
[5] Acaso seja significativo indicar o facto de Fasold referir estes instrumentos como possibilitadores de uma comparação entre a caracterização dos países, embora introduzindo a matização «sociolinguística».