Crónicas da Galiza (28)
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DIFICULDADES DO PRESENTE E TAREFAS PARA O FUTURO
(Publicado em: Atas do Congresso Internacional de Língua, Cultura e Literaturas Lusófonas (Homenagem ao Professor Ernesto Guerra da Cal): Santiago, 15-17 de Setembro de 1994, Pontevedra - Braga: Irmandades da Fala da Galiza e Portugal, 1994, 452 pp. («Temas de O Ensino de Linguística, Sociolinguística e Literatura», volume VII-IX, núms. 27-38 (1991-1994)), pp. 137-149)
Prof. Dr. José-Martinho Montero Santalha, da A.A.G-P.
Ferrol, Setembro de 1994
Em lembrança de Ernesto Guerra da Cal (Ferrol 1911 - Lisboa 1994),
porta-estandarte da lusofonia da Galiza.
Sumário:
0. A modo de preâmbulo: gozo e mágoa dos galegos ante o «Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990)»
1. Dificuldades do presente
1.1. O desapego dos demais lusófonos pelos lusófonos da Galiza
1.2. Raízes históricas da situação presente
1.3. O predomínio linguístico e político espanhol
a) No terreno linguístico
b) No terreno político
1.4. A tentativa de isolar a língua portuguesa da Galiza
1.5. A Galiza, «filho pródigo» da lusofonia
1.6. Uma situação inconfortável
2. Algumas tarefas urgentes
2.1. O nome: «língua portuguesa (da Galiza)», não «língua galega»
a) Nome enganoso para os galegos
b) Nome enganoso para os demais lusófonos
2.2. Uma Gramática galega da língua portuguesa
2.3. Um Dicionário galego da língua portuguesa
2.4. Uma «Colecção dos clássicos galegos da língua portuguesa»
2.5. Uma «Academia Galega da Língua Portuguesa»
2.6. Concluindo
Ernesto Guerra da Cal é na história da cultura galega um dos principais defensores da unidade linguística da Galiza, a sua pátria –juntamente com todo o mundo lusófono, essa outra pátria criada pela língua comum. Deu exemplo com os seus escritos, especialmente com os livros de poemas, onde, sem deixar de ser profundamente galego (ou melhor: justamente por ser profundamente galego), foi também linguisticamente português.
A sua posição em favor da unidade lusófona do seu país concretizou-se, nos derradeiros anos da vida, no seu compromisso, como representante da cultura galega, com os acordos ortográficos de 1986 e 1990. Deste facto tomam ensejo as reflexões que a seguir se tecem, sobre dificuldades e tarefas da lusofonia na Galiza.
0. A modo de preâmbulo: gozo e mágoa dos galegos ante o «Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990)»
Naqueles galegos que temos como língua materna o português –que somos, hoje por hoje, maioria entre os habitantes do nosso país– o facto de que no «Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990)» se inclua dalgum modo também a Galiza suscita uma duplicidade de sentimentos contrapostos.
Por um lado, sentimo-nos gozosos de que isso suceda por primeira vez (sem contarmos o precedente do frustrado Acordo de Rio de 1986[1]): por razões diversas, quase sempre de ordem política, nos acordos ortográficos anteriores da língua portuguesa (realizados fundamentalmente, como se sabe, em 1911, 1931 e 1945), a voz da Galiza estivera totalmente ausente[2].
Mas, por outro lado, sentimos também uma certa mágoa pelo facto de que a presença da Galiza tivera que limitar-se ainda desta vez a uma modesta «delegação de observadores», constituída por organizações não governamentais e não por uma delegação oficial que se achasse em pé de igualdade com as dos restantes sete países que compartem a nossa língua[3].
Claro está que a culpa desta «discriminação» para com os falantes galegos do português não deve assacar-se a nenhum dos outros sete países irmãos mas à nossa própria situação sócio-política. E sobretudo de nós galegos depende que essa atitude mude no futuro.
O que pretendo nestas páginas é expor brevemente algumas causas dessa situação presente e sugerir para o futuro algumas tarefas que de nós galegos dependem e que, a meu ver, cumpre realizarmos nos anos próximos: elas contribuiriam, segundo creio, a conseguir que, em eventuais acordos ou trabalhos linguísticos futuros entre todos os países de língua portuguesa, a Galiza ocupe um lugar não já de «observadora» mas de membro de pleno direito, em pé de igualdade com os restantes países, como em justiça lhe corresponde.
1. Dificuldades do presente
1.1. O desapego dos demais lusófonos pelos lusófonos da Galiza
Por muito que aos galegos nos doa, não podemos negar que os demais falantes da nossa língua nos consideram como “um mundo à parte”.
Estou seguro de que a causa desta atitude não se acha em motivos de índole linguística, ainda que algo possa influir a castelhanização que amostra o português falado e escrito pelos galegos.
Nem sequer creio que tenha tampouco influência sobre a situação essa vaga atmosfera colectiva de desdém mútuo que se respira socialmente: é sabido que muitos portugueses têm como imagem dos galegos a ideia tópica de que, pelo menos na sua maioria, um galego é um “indivíduo grosseiro, incivil”, por citar uma das definições que se dão à palavra galego em muitos dicionários portugueses[4]. Mas a inversa não é melhor: mais ou menos a mesma é a imagem tópica que muitos galegos têm dos portugueses (sujos, incivis, miseráveis...).
Injustas como são, estas atitudes de desdém entre povos irmãos não têm grande importância: são comuns em todas as comunidades vizinhas, sejam de um mesmo estado ou de estados colindantes, e costumam ser resultado da falta de conhecimento mútuo, limitado a um contacto superficial, sobretudo naqueles pontos em que colidem interesses contrapostos: já se sabe que é mais fácil levar-se bem com um forâneo, que mora longe, do que com um vizinho, com quem há que conviver todos os dias.
Esses fenómenos que acabo de citar não são as causas mas os sintomas da doença, que tem uma etiologia mais complexa, ainda que afinal, como costuma suceder, também os sintomas acabam formando parte da síndroma e contribuem a agravar o seu quadro clínico.
Mas, centrando-nos agora no terreno linguístico, o facto aí está: dentro do conjunto de países lusófonos a Galiza é, no melhor dos casos –pois outras vezes nem sequer é tida em conta–, considerada como um membro não já de segunda categoria (como podem ser os países africanos que têm o português como língua oficial) mas de terceira classe.
Esta atitude das instâncias oficiais é um reflexo do que sucede ao nível mais amplo da gente comum desses países. A maioria de portugueses e brasileiros nem sequer sabem que a Galiza é um país lusófono. Os meios de comunicação não costumam considerar os galegos como irmãos de língua, mas, simplesmente como “espanhois”. Muitos portugueses que visitam a Galiza, vêm aqui como se fossem a qualquer outra região da Espanha, e para entenderem-se com os galegos esforçam-se por falar castelhano. Por essa falta de informação, o interesse e o sentimento de solidariedade que os demais falantes de português mostram para com a Galiza, se exceptuamos uma minoria de estudiosos, é muito menor do que é o que sentem, por exemplo, –para citar outra área lusófona necessitada de apoio exterior– pelo território de Timor Leste[5].
1.2. Raízes históricas da situação presente
As causas que determinam a situação presente compendiam-se numa: a nossa história plurissecular de dependência com respeito à Espanha, que teve uma consequência no terreno linguístico: o espanhol, apesar de ser uma língua estrangeira, foi a única língua oficial da Galiza até há poucos anos; agora é cooficial juntamente com o português da Galiza, mas continua a desfrutar de facto de muitas vantagens sobre a língua nativa.
Para os demais falantes do português é quiçá difícil fazer-se uma ideia do que esta situação significa. Ajudar-lhes-á talvez a compreender o nosso caso imaginarem o que teria sucedido em Portugal se não conseguisse independizar-se da Espanha em 1640: a situação actual não seria muito diferente à da Galiza (ou se se quer melhor, à de Catalunha, cuja tentativa de independizar-se da Espanha pela mesma época fracassou). O espanhol teria sido seguramente a única língua oficial de Portugal durante estes séculos passados, como o foi na Galiza e na Catalunha, e conseguintemente a única língua de cultura; e o português, carente assim do apoio e do prestígio literário que lhe confere o uso público e oficial, ficaria relegado à fala informal da gente mais humilde e ao cultivo de uma minoria mais consciente, pois os círculos da administração, da política, da economia e da cultura oficial tenderiam na sua maioria a situar-se mais comodamente na órbita do poder, como quase sempre sucede.
Se em 1640 tivesse ocorrido aquela contingência histórica, Portugal encontrar-se-ia hoje num estado muito similar ao da Galiza (no aspecto que aqui nos ocupa: o linguístico). Ora, na Galiza, em realidade, essa situação vinha já de mais de um século antes.
Uma história tão longa explica a complexa situação linguística da Galiza, que para muitos portugueses ou brasileiros se torna um puzzle pouco menos que incompreensível, tal como alguns têm manifestado com franqueza. Os factores de desorientação são fundamentalmente dois: por um lado, o predomínio linguístico e político espanhol, e, por outro, nos últimos anos a tentativa, por parte dalguns galegos, de “independizar” do português a língua da Galiza. Ocupemo-nos uns momentos de cada um destes dois factores.
1.3. O predomínio linguístico e político espanhol
O predomínio espanhol manifesta-se, para observadores lusófonos, principalmente em dois campos: no linguístico e no político.
a) No terreno linguístico
Muitos galegos falam habitualmente castelhano, e de muitos essa é ademais a sua língua materna: nela –mais ou menos correcta, que isto depois de tudo importa menos para o caso– aprenderam a falar e nela têm instalada a sua faculdade de comunicação linguística.
Esse sector castelhano-falante é minoritário na Galiza, mas é o mais visível para o visitante estrangeiro, por situar-se no mundo urbano[6].
b) No terreno político
A situação política presente também resulta chocante. Desde o passado século vinha havendo na Galiza duas tendências políticas fundamentais: por uma parte, os que queriam recuperar a entidade política da Galiza, e, por outra, os que queriam conservar o status secular de submissão ao poder de Madrid. Os primeiros –que foram passando pelas sucessivas autodenominações de regionalistas, federalistas, nacionalistas–, dado que a sua postura exigia um alto grau de consciencialização sócio-cultural e de compromisso ético com o seu país subjugado, foram sempre menos que os segundos.
Depois dalgum precedente em épocas passadas, a Constituição espanhola aprovada depois da desaparição do franquismo deu a razão aos primeiros, estabelecendo um regime autonómico que, sem chegar a reconhecer a total soberania da Galiza em campos como a defesa militar ou as relações com outros estados, cedia-lhe grandes áreas de poder, como o ensino ou a sanidade. Devemos reconhecer que o papel da Galiza nessa decisão foi muito menos determinante do que o de Catalunha e do País Basco. Estabeleceu-se pois a autonomia na Galiza. Mas, dada a falta de formação e de consciência cultural da grande massa de galegos, sucedeu um paradoxo: que à hora de eleger as instâncias de governo autonómico (parlamento e daí governo, chamado «Junta») resultaram vencedoras aquelas forças tradicionalmente contrárias a qualquer ideia de autonomia. De modo que na Galiza –diferentemente ao que sucedeu na Catalunha e no País Basco– a responsabilidade do governo galego veio a ficar precisamente nas mãos das forças de dependência espanhola. O paradoxo reside, pois, em que o poder autonómico veio a recair em mãos daqueles que se tinham mostrado contrários à ideia mesma de uma autonomia política da Galiza. Sucedeu portanto algo assim como se em Portugal, imediatamente depois da independência em 1640, se celebrassem umas eleições nas quais resultasse vencedor um partido contrário à independência.
Cumpre porém reconhecer que na dúzia de anos que levamos de regime autonómico, a atitude dessas forças mudou para melhor: insertos na praxe política autonómica acabaram assumindo muitos dos postulados da tendência nacionalista galega. Poderia pensar-se que o fizeram por terem tomado gosto ao poder, mas também pode ser que um contacto mais directo com a realidade lhes fizesse despreender-se de preconceitos herdados da secular colonização espanhola e lhes limparam assim os olhos permitindo-lhes ver melhor o que antes mal viam.
A história dá muitas voltas e não sabemos onde nos levará, mas a verdade é que, passados uma dúzia de anos, não faltam motivos para a esperança. Neste sentido, dez ou doze anos de autonomia deram muito mais do que se poderia esperar nos seus inícios.
1.4. A tentativa de isolar a língua portuguesa da Galiza
Por outro lado, alguns dos galegos que falam português não reconhecem que se trate efectivamente dessa língua, mas afirmam que o que falam é um idioma distinto do espanhol e do português: a «língua galega», que seria a quarta língua românica da península (ao lado de catalão, castelhano e português).
Ainda que a tradição cultural autóctone tinha entre os seus postulados fundamentais a conservação da unidade linguística com Portugal, o poder político resultante da autonomia, cuja falta de consciência cultural galega já ficou apontada, decidiu-se, depois dalgumas hesitações, pela alternativa isolacionista, que propunha uma normativa linguística mais próxima do castelhano, a única língua que todos os galegos –incluídos os novos governantes– tinham estudado.
1.5. A Galiza, «filho pródigo» da lusofonia
E assim estão as cousas. Por um lado, a Galiza é hoje, dos países de língua portuguesa, o único que não goza de soberania política (exceptuando antigos territórios coloniais portugueses como Timor e Goa, que são caso muito diferente), e aquele em que, qualquer que for o futuro status oficial da língua portuguesa nos países africanos, a língua portuguesa está mais ameaçada (exceptuando mais uma vez os territórios asiáticos dantes citados).
Mas ao mesmo tempo, a Galiza encerra ainda uma parte do mais autêntico tesouro do idioma, vivo na fala de muitos galegos e derivado do facto de que somente na Galiza e em Portugal a língua é «nativa»: nos demais países, incluído o grande Brasil, é língua importada pela colonização, e em quase todos esses países –nuns mais, noutros menos– tem que conviver com outras línguas autenticamente nativas: socialmente o português não é aí língua nativa, embora para muitos indivíduos sim o seja.
É uma situação paradoxal: o português é língua nativa na Galiza, porque aqui (e na parte setentrional de Portugal) nasceu, mas não é língua nativa de muitos galegos; e à inversa, apesar de não ser língua nativa do Brasil e dos outros países africanos, é língua nativa de muitos dos seus cidadãos. A dialéctica entre o individual e o colectivo alcança aqui, para nós galegos, caracteres de drama histórico.
1.6. Uma situação inconfortável
Todos os galegos que não assumimos o castelhano como língua própria temos que viver em tensão permanente: vivemos conscientes da injustiça da situação em que nos encontramos e da ameaça que paira sobre esse núcleo da identidade colectiva que é a língua.
Ora, a situação daqueles que queremos conservar o carácter lusófono da Galiza é ainda mais dura: pelo menos os partidários da «língua galega independente do português» gozam neste momento do apoio do poder autonómico galego.
Poucos dos nossos irmãos de língua compreendem em que difíceis circunstâncias nos tocou viver: para os galegos que defendemos a conservação da unidade linguística, a situação secular de opressão da nossa língua tornou-se agora mais subtilmente agressiva, já que age não desde a descarada defesa da língua estrangeira mas desde uma atitude que aparece como defesa dos valores “galegos”. A situação tem algo de traumático, pois verificamos impotentes que tantos esforços e sacrifícios por conseguir uma Galiza autenticamente galega –isto é, linguisticamente portuguesa– vieram a desembocar nesta inesperada reviravolta.
2. Algumas tarefas urgentes
A seguir enumero e comento brevemente algumas tarefas, necessárias, a meu ver, para os galegos conseguirmos que os demais lusófonos nos sintam mais facilmente como irmãos de pleno direito em assunto de língua.
2.1. O nome: «língua portuguesa (da Galiza)», não «língua galega»
Na Galiza vem sendo comum referirmo-nos à nossa língua nativa com a denominação de «língua galega» ou «idioma galego»[7]: usamos estas denominações ambos, tanto os partidários de mantermos a unidade como os que pretendem fazer do português da Galiza uma língua independente. Baste citar como exemplo o título que o professor Carvalho Calero, um dos grandes lutadores pela conservação da unidade linguística galego-portuguesa, deu a um livro seu publicado em Portugal: Problemas da língua galega[8].
Ora, penso que, sem necessidade de banir totalmente essas denominações, deveríamos preferir o nome universalmente aceito de «língua portuguesa». Andar falando de «língua galega» é prejudicial tanto para os galegos como para os falantes dos outros países lusófonos.
a) Nome enganoso para os galegos
Em primeiro lugar, porque mesmo nos galegos denominações como «língua galega», «idioma galego» ou simplesmente «galego» podem induzir a impressão de uma realidade distinta e própria exclusivamente de tais nomes. Especialmente em espíritos acríticos um nome tende a fazer surgir a impressão de uma realidade diferenciada.
Permita-se-me aduzir aqui –por via de apropósito humorístico se se quer– um texto de Álvaro Cunqueiro, justificado não só pelo seu valor literário mas também pelo facto de ter sido Cunqueiro um decidido partidário da plena unidade linguística galego-portuguesa. Trata-se das palavras que, no seu formoso livro Se o velho Simbad volvesse às ilhas, põe Cunqueiro em boca de Simbad a propósito da fantástica ilha de Gutor:
Gutor nunca se viu, e não se sabe quem a batizou, pero a oitenta léguas de Cambetum há que dar uma virada a SE para passá-la, e os que riem de nós os senhores pilotos de Arábia por fazer esta reverência, não se precatam de que não haverá ilha, pero há o nome, e o erre em que remata é rasgueado, e poderá não chocar um com a ilha, pero pode perder-se contra o nome, que esse ninguém o nega[9].
A meu ver, o nascimento da tendência isolacionista nos últimos anos deve-se em boa medida ao facto mesmo de usar-se o nome de «língua galega».
É bem sabido que isso foi o que sucedeu –ou ainda sucede– também noutras áreas linguísticas cuja situação política é similar à Galiza. A língua do País Valenciano (formado pelas três províncias de Alicante, Valença e Castelhom, na beira do Mediterrâneo, frente às ilhas Baleares) é o catalão; mas muitos valencianos resistem-se a falar de «língua catalã» e preferem usar a denominação de «língua valenciana». Não deve surpreender-nos que também ali, como na Galiza, tenha surgido em anos recentes uma tendência que pretende fazer do catalão de Valença uma língua independente, a «língua valenciana». E, sem sairmos da nossa própria área linguística, é conhecida a relutância que, em anos passados, alguns brasileiros mostravam a denominar «portuguesa» a sua língua, lançando mão de curiosas denominações perifrásticas de intenção “eufemística” como «língua nacional» ou até «língua vernácula».
b) Nome enganoso para os demais lusófonos
Não só para os galegos é enganoso. Para os demais falantes do português resulta especialmente iludente ouvir falar de «língua galega»: habituados a que todos, próprios e alheios, denominem espontaneamente a nossa língua como «língua portuguesa», quando ouvem falar de «língua galega» pensam logicamente que nos estamos a referir a uma cousa diferente: a uma língua que nada tem a ver com eles.
Citei antes o título de uma obra de Carvalho Calero, mestre de todos nós. E é agora o momento de completar a informação relativa a esse título aduzindo o que o sábio professor uma vez me comentou sobre o caso. O seu livro, editado em Lisboa por uma editora portuguesa, estava destinado primordialmente a leitores portugueses; mas o facto foi que não se vendeu muito em Portugal. Conversando sobre o assunto algum tempo depois, declarou-me estar convencido de que a causa, mais que no sistema ortográfico ali adoptado –que, apesar de substancialmente unitário, se afastava da normativa luso-brasileira nalguns pontos–, estava no título: para a imensa maioria de leitores portugueses o título Problemas da língua galega não deixava claro que os problemas que ali se discutiam eram problemas da sua própria língua no território galego; para eles pouco mais significava esse título do que poderia significar, por exemplo, Problemas da língua catalã ou Problemas da língua basca. Para ser imediatamente entendido, o título deveria ser Problemas da língua portuguesa da Galiza, ou algo parecido.
Carvalho Calero era sensível à “receptividade social”, como ele gostava de dizer, e, por isso, estava algo indeciso sobre o uso dessa denominação («língua portuguesa») a nível popular na Galiza no momento presente, temeroso de que pudesse ser mal interpretada; mas concordava em que cumpria ir dando passos também neste ponto. Ele entretanto costumava falar de “romance hispânico ocidental”, mas bem sabia que essa denominação só podia servir para explicar o nosso caso numa perspectiva histórico-linguística e não resultava transparente para o uso habitual.
A este respeito posso contar outra anedota. Terminava ele de proferir uma lição num congresso em Barcelona, e ao concluir, no colóquio que seguiu, um ouvinte galego, residente em Catalunha, perguntou-lhe, sinceramente interessado: “Mas não crê você que a língua da Galiza e a de Portugal é uma mesma?” Tanto ele como eu e outros presentes ficamos algo surpreendidos, pois esse fora precisamente o tema desenvolvido. Com a sua finura, mas sem dizer-lhe expressamente que isso era o que estivera explicando ao longo da conferência, o mestre expôs de novo o assunto abreviadamente. Mas ao sair, referindo-se ao caso, comentou-me algo desiludido se não deveríamos falar explícitamente de «língua portuguesa da Galiza», para que a gente compreendesse sem dificuldades a nossa mensagem.
Melhor que «língua galega» é a denominação «língua galego-portuguesa», que foi a que adoptamos por exemplo para os congressos linguísticos organizados pela AGAL («Congresso Internacional da Língua Galego-Portuguesa na Galiza»). Essa denominação pode ainda ser adequada em certas circunstâncias dentro da Galiza. Mas claro está que não pode pretender converter-se em nome universal, primeiro por ser desnecessariamente longo, e segundo porque outros territórios lusófonos –especialmente o Brasil– estariam igualmente legitimados para introduzir o seu gentílico. Em conclusão: também na Galiza, depois do caminho andado parece já preparado o terreno para dar preferência ao nome universalmente aceite: «língua portuguesa (da Galiza)».
2.2. Uma Gramática galega da língua portuguesa
Sendo a língua da Galiza uma modalidade de português, já se vê que qualquer gramática portuguesa serve também para a Galiza, pois no substancial reflecte satisfatoriamente o sistema linguístico dos galegos.
No entanto, a peculiar situação da Galiza exige que elaboremos uma Gramática galega da língua portuguesa; isto é, uma gramática que, apresentando a língua portuguesa culta, o faça desde uma perspectiva galega, quer dizer, prestando mais atenção aos fenómenos linguísticos próprios da Galiza.
No português da Galiza há, por uma parte, fenómenos plenamente legítimos –especialmente no campo fonético–, que devem assumir-se como constituindo a «norma» do português da Galiza. Por outra parte, há castelhanismos arreigados no uso popular (como os sufixos -ble e -ción, em vez dos correctos -vel e -ção): embora não por serem «populares» deixem de ser castelhanos nem portanto possam aceitar-se, talvez convirá citá-los a fim de serem melhor evitados, o que careceria de sentido numa gramática destinada aos falantes dos restantes países lusófonos.
Deste modo, essa gramática, sem deixar de ser uma gramática da língua portuguesa, estará pensada para a situação específica da Galiza. De resto, é o que sucede em quase todas as áreas linguísticas: por exemplo, a gramática castelhana que se usa na Espanha não serve para a América de fala espanhola, e viceversa; e é sabido que a Nova Gramática do Português Contemporâneo de Celso Cunha e Lindley Cintra, apesar do seu carácter intencionadamente unitário, teve que ser editada em versões diferentes para Portugal e o Brasil[10].
Claro está que isto não exclui a possibilidade –e até mesmo a necessidade– de que se elabore também uma gramática que intente ser reflexo de todo o âmbito lusófono. Noutro lugar[11] falei do projecto que Celso Cunha e Lindley Cintra tinham de incorporar Carvalho Calero para uma futura edição da sua já citada Nova Gramática do Português Contemporâneo, na qual estaria assim também representada a Galiza. A doença, e o falecimento logo, de Celso Cunha, e depois também de Lindley Cintra, desbaratou a empresa, que está esperando para ser realizada algum dia.
Para aqueloutro projecto de Gramática galega da língua portuguesa há já muito caminho andado. Na realidade, todas as gramáticas galegas publicadas até agora ou que se publiquem no futuro são já gramáticas galegas da língua portuguesa, incluídas as daqueles autores que pretendem que a língua da Galiza é independente do português: por muito que se escrevam com ortografia diferente e ainda que se dê acolhida a elementos castelhanizantes, vulgarizantes ou dialectalizantes, a maioria dos elementos do sistema (fonemas, unidades mórficas e morfemas, estruturas sintácticas, léxico) serão necessariamente comuns. Palavras como máis, millor, hoxe, onte, mañá não serão nunca filologicamente diferentes de mais, melhor, hoje, ontem, (a)manhã, apesar de que a grafia separatista pretenda diferenciá-las.
Qualquer gramática galega, pois, será sempre um bom ponto de partida. No entanto, aquelas gramáticas que foram redigidas com plena consciência de que a língua da Galiza é uma forma de português têm mais caminho andado. Podemos citar três das mais importantes e mais recentes desta tendência:
1979 Ricardo Carballo Calero, Gramática elemental del gallego común, Editorial Galaxia, Vigo 1979 (7ª edição), 348 pp.[12]
1980 Xoán Carlos Rábade, Xosé Ramón Pena, M. C. Vázquez, Lingua: gramática metódica da lingua galega, La Voz de Galicia, A Corunha 1980.
1988 Xoán Xosé Costa Casas, Mª dos Anxos González Refoxo, César Carlos Morán Fraga, Xoán Carlos Rábade Castiñeira, Nova gramática para a aprendizaxe da língua, Vía Láctea, A Corunha 1988, 400 pp.
2.3. Um Dicionário galego da língua portuguesa
Qualquer dicionário da língua portuguesa reflecte com exactidão a língua da Galiza, melhor mesmo que muitos dicionários galegos, até o ponto de que –se exceptuamos o dicionário de Alonso Estravis, a que logo me referirei– corresponde bastante à verdade aquela conhecida frase de que «O melhor dicionário galego é qualquer dicionário português».
No entanto, também se pode justificar a elaboração de um Dicionário galego da língua portuguesa, em função das circunstâncias específicas da Galiza. Um utente galego do dicionário necessita muitas informações que qualquer outro lusófono dispensaria para um uso correcto da sua língua.
O dicionário de Isaac Alonso Estravis é já um primeiro passo –e magnífico– nessa direcção; e podemos esperar que futuras edições desta magna obra irão progressivamente configurando a plena reintegração da Galiza no mundo lusófono também no campo da lexicografia[13].
2.4. Uma «Colecção dos clássicos galegos da língua portuguesa»
Seria preciso lançar ao mercado uma colecção das obras literárias escritas em língua portuguesa da Galiza durante os oito séculos que tem de vida a nossa literatura: uma colecção elaborada sob a perspectiva da língua comum, pensada não só para estudiosos da língua mas para a grande massa de leitores cultos de todo o âmbito linguístico português.
Uma empresa desta índole defronta de entrada diversos obstáculos. Em primeiro lugar, estará a dificuldade económica. Mas possivelmente esta não seja real. Muitos livros galegos que agora se editam na normativa castelhanista resultam rendíveis –moderadamente, aliás– para os editores mercê às subvenções oficiais com fundos públicos. (Caso à parte é o grande negócio dos livros de texto para o ensino oficial: os editores dóceis ao poder político-cultural do momento “fazem a América” nestes anos. É significativo, a este respeito, que esse imenso negócio se ache dominado por editoras não galegas mas espanholas). De começo, dada a política cultural, verdadeiramente sectária e injusta, que vem prevalecendo, uma colecção dos nossos clássicos editada com perspectiva lusófona não contará com este tipo de apoio. Ainda que eu estou convencido de que esta situação é transitória, e pode mudar da noite para a manhã do modo mais inesperado, há que planificar a iniciativa supondo que deverá autofinanciar-se. Não deveria resultar difícil: o êxito da empresa dependerá muito da planificação publicitária e da eficácia do sistema de distribuição. Nisto está ainda tudo por construir, praticamente.
De resto, talvez não seria impossível conseguir apoio económico de organismos culturais portugueses e brasileiros, públicos e privados, pelo menos em forma de aquisição de um determinado número de exemplares.
No que diz respeito à elaboração interna das edições, nenhuma iniciativa neste sentido terá nunca êxito se a normativa linguística que se adoptar não for a do português padrão, assim no aspecto ortográfico como no morfológico. O aspecto léxico, pelo contrário, suscita menos problemas e carece de importância[14].
2.5. Uma «Academia Galega da Língua Portuguesa»
Existe na Galiza, como é sabido, uma «Real Academia Galega» e outras Academias mais. A «Real Academia Galega» tinha entre os objectivos fundacionais a atenção à língua portuguesa da Galiza. Ainda que a instituição, sempre mediatizada pelas circunstâncias políticas, nunca foi muito activa, manteve durante anos a ideia guia da unidade linguística galego-portuguesa, como fica patente pelas normativas linguísticas que promulgou. Nos últimos anos, no entanto, coincidindo com a mudança na presidência, essa direcção mudou no sentido isolacionista. Em princípio, dada a existência de duas ideologias contrapostas sobre a identidade da nossa língua, a Academia podia ser um foro de encontro e debate científico e sereno. Mas alguns factos recentes parecem indicar que o caminho que se quer impor à instituição não se guia por esses critérios: os membros de tendência reintegracionista foram marginalizados, os que faleceram não foram compensados, e só se elegem novos membros que professem a concepção isolacionista. De facto, com as incorporações do último vinténio, o controle de qualquer actividade da instituição veio a ficar em mãos do Instituto da Língua Galega, o organismo que inventou a «língua galega independente do português» e que, por isso mesmo, outrora era feramente rebelde e opositor às directrizes linguísticas da Academia. Por uma espécie de «síndroma de Estocolmo», a Academia foi ficando submetida ao poder do seu maior inimigo.
Vista essa situação, as perspectivas de que a «Real Academia Galega» se torne uma instituição cientificamente imparcial no assunto da língua da Galiza parecem escassas a curto prazo, e, tratando-se de uma instituição com grande dependência política, a sua evolução dependerá muito de factores políticos e, em geral, da situação política da Galiza, que, como já sugerimos, resulta difícil prever.
De todos os modos, qualquer que seja o futuro da «Real Academia Galega», a Galiza deve contar com uma «Academia Galega da Língua Portuguesa», de modo semelhante a como os diversos países de língua espanhola possuem as suas próprias Academias da língua.
Com este projecto, não se trataria de erigir uma instituição contra a actual «Academia Galega», mas de uma instituição alternativa, diferente, guiada por claros princípios de unidade lusófona e de cooperação com as correspondentes instituições dos demais países de língua portuguesa, e inspirada pelo amor à verdade e por um sincero respeito a qualquer outra opinião, em leal concorrência. Nem sequer deveria excluir a colaboração, ocasional ou habitual, com a «Real Academia Galega», e a possível existência de membros comuns. Mas os seus estatutos, os seus princípios reitores e os seus membros deverão estar clara e expressamente posicionados a favor do carácter lusófono da Galiza, excluindo de modo explícito e firme qualquer ideia de desmembração ou isolamento do território galego a respeito do restante âmbito linguístico português.
Evidentemente, esta instituição não interferiria de nenhum modo com os organismos de inspiração reintegracionista já existentes na Galiza, os quais devem continuar a existindo com a maior vitalidade possível: as características e os objectivos de uma «Academia Galega da Língua Portuguesa» são distintos aos de organismos de tão decisiva importância, tanto para o presente como para o futuro, como são a AGAL («Associaçom Galega da Língua»), as «Irmandades da Fala da Galiza e Portugal», a «Associação de Amizade Galiza-Portugal» e outros, com os quais naturalmente a nova instituição deverá colaborar estreitamente.
Uma «Academia Galega da Língua Portuguesa» é necessária para que os organismos reitores dos critérios normativos da nossa língua nos restantes países lusófonos tenham na Galiza uma instituição congénere, que ostente com pleno direito a representação da Galiza nas decisões técnicas sobre a língua comum, prescindindo –dada a particular situação da Galiza– de se o poder político do momento as ratifica ou não.
Sou bem consciente de que a posta em andamento de um tal organismo tropeçará com grandes obstáculos. Antes de mais, poderão aparecer travas de tipo jurídico, e devemos esperar que os defensores da tendência isolacionista moverão todos os seus poderosos instrumentos políticos para impedir que chegue a estabelecer-se. Logo, haverá dificuldades de tipo económico: será precisa uma sede estável numa cidade importante da Galiza –preferivelmente em Santiago– e a publicação dalgum órgão oficial. E finalmente não deixará de haver, como sempre sucede nestes casos, os problemas de índole pessoal: por muito grande que seja o número de membros que se estabeleçam, não todas as pessoas que o merecem poderão ter cabida, o qual pode provocar em alguns ressentimento e até aversão.
Mas com todas estas dificuldades há que contar para qualquer cousa que se faça, e não creio que nenhuma delas seja insuperável se a comissão promotora souber agir com tino e com espírito aberto, alheio a todo género de sectarismo.
2.6. Concluindo
Estas são algumas das tarefas que, a meu ver, deveremos realizar nos próximos anos quantos na Galiza nos sentimos membros da grande comunidade lusófona.
E quero terminar lançando um convite a todos aqueles que, partilhando destas ideias no substancial, ou pelo menos de alguma delas, se sintam capacitados para algum desses trabalhos: a nossa língua necessita –e merece– o esforço de todos.
[1] Sobre a participação da Galiza no Acordo de Rio de 1986 vid. José Luís Fontenla, Isaac Estraviz, Adela Figueroa, Comentários ao novo acordo ortográfico, Cadernos do Povo de Literatura e Ensaio, Pontevedra - Braga 1986, 56 pp.; entre outros documentos de interesse, reproduz-se aí o escrito em que “As delegações de Angola, Cabo Verde, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, e Brasil ao Encontro de Unificação Ortográfica da Língua Portuguesa, realizado no Rio de Janeiro, na Academia Brasileira de Letras, de 6 a 12 de maio de 1986, agradecem o assíduo comparecimento às suas sessões dos observadores da Galiza, escritor José Luís Fontenla, professora Adela Figueroa e professor Isaac Alonso Estravis, em representação do professor Ernesto Guerra da Cal” (pág. 23).
[2] No entanto, houve escritores galegos que formularam o desejo de que também a Galiza fizesse parte dos trabalhos em favor da língua que era comum a galegos, portugueses e brasileiros. Assim, António Vilar Ponte (1881-1936), fundador das «Irmandades da Fala» em 1916 e figura sobranceira do movimento cultural galeguista, solicitou publicamente nos seus escritos a participação da Galiza num acordo ortográfico que abrangesse todo o âmbito da língua portuguesa, tal como fora feito por flamengos e holandeses. Era uma chamada que ele dirigia às instituições galegas preocupadas pelo idioma, nomeadamente –naquela altura– a «Academia Galega» e o «Seminário de Estudos Galegos», das quais ele mesmo fazia parte. No entanto, quando em 1945 se apresentou o ensejo de fazer realidade esse anseio ao celebrar-se a primeira convenção com tal fim, Vilar Ponte já morrera, e a Galiza achava-se politicamente anulada nos seus direitos linguísticos, como consequência da vitória do bando franquista na guerra civil espanhola de 1936-39 e do imperialismo idiomático castelhano que os vencedores implantaram, de modo que nem sequer se pôde suscitar a possibilidade de uma participação galega nessa convenção ortográfica de portugueses e brasileiros.
[3] O comunicado, datado a 12 de outubro de 1990, em que se tornava público o facto do «Acordo», iniciava-se assim: “As delegações de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, S. Tomé e Príncipe e Portugal com a participação de uma delegação de observadores da Galiza, reunidas em Lisboa de 8 a 12 de Outubro corrente, após terem discutido minuciosamente [...], comunicam que [...] chegaram a uma concordância unânime quanto à estrutura e especificidade de uma conveção ortográfica comum” (veja-se a reprodução facsimilar do documento, juntamente com outras informações relativas à partipação da delegação da Galiza nos trabalhos, em Nós: Revista da lusofonia (Pontevedra - Braga), núms. 19-28 (1990-91), pp. 471ss). O documento de assinatura oficial do «Acordo», datado em Lisboa em 16 de dezembro de 1990, inicia-se com um considerando em que se diz que “o projecto de texto de ortografia unificada da língua portuguesa aprovado em Lisboa, em 12 de Outubro de 1990, pela Academia das Ciências de Lisboa, Academia Brasileira de Letras e delegações de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, com a adesão da delegação de observadores da Galiza, constitui um passo importante para a defesa da unidade essencial da língua portuguesa e para o seu prestígio internacional” (vid. Diário da República (Lisboa), I Série-A, nº 193, Sexta-feira, 23 de Agosto de 1991, pág. 4370; reproduzido facsimilarmente no número dantes citado da revista Nós).
[4] Essa atitude de desprezo aos galegos partiu, ao parecer, dos castelhanos e estendeu-se depois não só a Portugal mas também à América latina; vem da época de trânsito da Idade Média à Moderna (séculos XV-XVI), ainda que pode ter a sua origem nos tempos de dominação árabe (os árabes peninsulares chamavam «galegos» a todos os cristãos dos reinos setentrionais).
[5] Pode ser boa mostra o facto de que para com a Galiza não houve nunca por parte do restante mundo lusófono uma acção simbólica de solidiariedade como foi a recente viagem do «Lusitânia Expresso» a Timor Leste, apesar de que a Galiza está nas mesmas portas de Portugal e de que as características do caso galego, no aspecto cultural, não são menos sangrantes que as da antiga colónia asiática.
[6] O mais grave do caso, no entanto, é que esse sector está a ampliar-se a base sobretudo das gerações mais novas: grande parte dos jovens e meninos de idade inferior aos 15-20 anos têm como língua de instalação o castelhano, apesar de que, em grande número de casos, seus pais têm como língua de instalação o português. Houve, pois, uma substituição linguística, que se deu no passo de uma geração a outra. Este facto, como é fácil de compreender, coloca a língua nativa dos galegos (isto é, o português na Galiza) em situação dramática no que diz respeito à sua supervivência, e exige um socorro urgente por parte de todos os lusófonos, a começar naturalmente pelos próprios falantes galegos.
[7] Nos primeiros escritores galegos modernos (meados do século XIX) a denominação mais comum era «dialecto gallego». Mas dialecto de que língua? Alguns deles, pelo menos num primeiro momento, parecem ter pensado que o «galego» era um dialecto da língua castelhana. Essa foi de resto a opinião mais geral entre a grande massa desinformada de galegos durante muito tempo, e talvez segue a ser ainda para muitos.
[8] Ricardo Carvalho Calero, Problemas da língua galega, Sá da Costa Editora, Lisboa 1981, 148 pp. (volume segundo da colecção «Noroeste»).
[9] Sobre a atitude de Cunqueiro acerca da língua pode ver-se o meu trabalho «Cunqueiro: da fala popular à língua literária», em: [Vários], Associaçom Galega da Língua [AGAL], Congresso A. Cunqueiro: Actas (Mondonhedo, 19, 20 e 21 de Abril de 1991); Coordenadores da ediçom: Aracéli Herrero Figueroa, Bernardo Penabade Rei, Xavier Cordal Fustes, Ramom Reimunde Norenha, Servicio de Publicaciones [de la] Diputación Provincial, Lugo 1993, 233 pp., pp. 99-113.
[10] Celso Cunha / Luís F. Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Edições João Sá da Costa, Lisboa 1984, 734 pp.
[11] «Carvalho Calero e a língua portuguesa da Galiza», em: [Vários], Ricardo Carvalho Calero: A razón da esperanza, Promocións Culturais Galegas, Vigo 1991 (Colecção «A nosa cultura», núm. 13), pp. 32-40.
[12] A primeira edição publicou-se em 1966, com 268 pp.; a segunda, em 1968, com 288 pp.; a terceira, em 1970, com 340 pp.; a quarta, em 1974, com 332 pp.; as edições quinta e sexta reproduzem literalmente a quarta. A sétima foi a derradeira.
[13] Isaac Alonso Estravis, Dicionário da língua galega, Alhena Ediciones, Madrid 1986, 3 volumes com um total de 2750 páginas (tomo I, A - DUXE, pp. 1-950; tomo II, E - ÑÚNDI, pp. 951-1872; tomo III, O - ZUTRA, pp. 1873-2750, mais um apêndice de XLIII pp.).
[14] Sobre este assunto dos critérios que creio cumpre adoptar na edição dos textos literários galegos modernos, permitimo-me remeter o leitor interessado para o meu trabalho «A recuperaçom da literatura galega para a língua portuguesa: critérios para a ediçom de textos literários galegos», em: [Vários], II Congresso Internacional da Língua Galego-Portuguesa na Galiza, 1987: Actas (Santiago de Compostela, 23 de Setembro - Ourense, 27 de Setembro), Associaçom Galega da Língua [AGAL], A Corunha 1989, 928 pp., pp. 158-178.
Dr. Ângelo Cristóvão,
Secretário da A.A.G.-P
Abril de 2004
Escrever sobre um tema do que se tem publicado centenas de livros parece arriscado, porque muitos outros com maior competência têm tratado a questão muito melhor do que eu o possa fazer. O que pretendo, pois, não é apresentar um resumo de cinco séculos de história mas assinalar alguns dos aspectos que, na minha opinião, podem ajudar a entendê-la.
O que me animou a indagar estes assuntos foi o conhecimento do texto de Lluís V. Aracil sobre a «História das Línguas Europeias». Trata-se de uma transcrição do seminário que ele leccionara em Ourense em 1988 sob o mesmo título. Posteriormente, o sociólogo valenciano ministrara um segundo, «Història de les llengües d'Europa», em 1990, Barcelona, cujo conteúdo complementa o primeiro. Esta introdução é, em certo modo, resultado das descobertas aracilianas. O meu intuito é continuar e acrescentar esta linha de investigação.
- A questione della lingua da Galiza data de há três décadas ou mais de um século, conforme aos critérios que forem utilizados. Em qualquer caso seria muito errada a pretensão de os galegos termos sido iniciadores deste tipo de debates. Os italianos já discutiam estes assuntos nos fins do quattrocento, tendo sido lugar-comum no seguinte século e tema habitual da Academia della Crusca. De tudo isto, na Galiza e em geral, nada sabemos. Até parece não ser percebida esta carência entre as pessoas que, à partida e pela sua profissão, poderiam estar interessadas.
Que sentido faz, no século XXI, ler e escrever sobre a situação linguística existente há cinco ou mais séculos? No meu entender, ver como têm nascido ideias e movimentos culturais que, com o tempo, se têm tornado maioritários e universalmente difundidos. Diz o professor Conill, no seu artigo «Dir el sentit: una aproximació a la sociologia de Lluís V. Aracil» que a história das línguas europeias tem o valor do contra-exemplo, de explicação da situação atual em que as línguas nacionais se impuseram sobre outras que não tiveram a mesma evolução. Pode facilitar a compreensão de processos históricos de que os galegos temos sido agentes passivos, em grande medida. Pode ajudar-nos, enfim, a perceber a situação do português da Galiza a respeito das línguas nacionais.
1. Contra os ‘séculos obscuros’: Rascunhos para a recuperação da memória
Um dos grandes problemas históricos da Galiza, em questão de língua, é termos perdido muito cedo a ligação com os movimentos culturais europeus que conformaram a realidade presente. Se nos séculos XIII e XIV os galegos fizemos, através dos cancioneiros, algum contributo notável à cultura europeia, a nossa evolução posterior assemelha-se a um desaparecimento. Aracil assinala como a grandeza da literatura medieval galaico-portuguesa contrasta com a sua fragilidade. Uma literatura comum à Galiza e Portugal -até ao ponto de não poder-se atribuir uma grande parte dos autores a uma ou outra nacionalidade- e que desfrutou de elevado prestígio na corte castelhana, parece ter-se esvaído pouco tempo depois de grande parte do território originário: A Galiza. Não é um caso isolado na Europa. Catalão, Gaélico e Ocitano estiveram em situações semelhantes, com desiguais resultados.
Os professores de língua e literatura galegas costumam qualificar o período do qual carecemos de textos escritos ‘em galego’ -entre a lírica galaico-portuguesa e o ressurgimento do século XIX- como ‘séculos obscuros’, explicando simplesmente que não existiu nada, apenas a chamada ‘literatura de circunstâncias’, que nem literatura é. Entre os cancioneiros e o romantismo a Galiza perdeu o seu lugar na história e na cultura europeia. A explicação mais comum culpabiliza os Reis Católicos desta desgraça histórica. Tem a vantagem de pôr no exterior as causas, mas não pode alienar toda a responsabilidade dos agentes da sociedade galega. Basta dizer que outros países, durante esses séculos, produziram em cirscunstâncias semelhantes textos de valor em línguas vulgares, inexistentes na Galiza.
Portanto, uma explicação cabal deste período histórico não pode continuar a consistir na transmissão da mesma ideia de vazio, falseadora e frustrante, que se repete todos os anos nas aulas do ensino universitário, no bacharelato, e em inúmeras conferências de personalidades entregues à difusão de um discurso sobre a língua que tem, por princípio e fim, a castelhanização. Um salto histórico de quatro séculos sem uma explicação do que, entretanto, tem acontecido no contexto europeu, sem dar a conhecer as claves para interpretar a história das línguas europeias, é uma mutilação motivada, quer no desconhecimento, quer na intenção de ocultar a história, quer em ambos os motivos.
Primeiro, resulta evidente que o português escrito, na Galiza, não teve continuidade histórica. Parece trivial mas é fundamental salientar este facto por constituir uma pista fundamental para compreendermos com é que temos chegado à situação presente.
Segundo, é também evidente que a língua vulgar continuou a ser falada, mas este facto não constitui um mérito preferente. A cultura é, por definição, por conceito, artificialidade. Contrariamente ao que afirmam todos os dias os regionalistas, e repetem de modo irreflexivo muitos ideólogos do nacionalismo em nome do povo galego, a transmissão natural da língua durante vários séculos não é meritória. Para uma caraterização ideológica das diferentes versões do que podemos chamar naturalismo suicida podemos ler o livro de Bolnow intitulado Lenguaje y educación. Verdadeiramente, o mérito teria sido, por exemplo, termos alfabetizado a população em proporções elevadas, mas nunca houve uma Escola Galega além da que se faz em castelhano. Infelizmente , ainda hoje muitos nacionalistas galaicos insistem na necessidade de o ensino público oficial ser garante da normalização linguística do ‘galego’, como se o Estado Espanhol estivesse moralmente obrigado a desnormalizar o castelhano.
Recuperar o tempo perdido, ligar com os processos históricos que conformaram as línguas nacionais, conseguir o apoio e a solidariedade internacional -primeiramente de Portugal e, em segundo lugar, doutros países europeus- devia ter sido a tarefa principal dos escritores e políticos do ressurgimento, da Real Academia Galega, das Irmandades da Fala -constituídas em 1916- e, em geral, do galeguismo do século XX. Deixo para o leitor a avaliação sobre o nível em que estes objetivos foram atingidos.
A mensagem que Aracil transmite na sua História das Línguas Europeias é clara: Há uns modelos culturais favorecedores das línguas. Não é preciso inventá-los: Preciso é conhecê-los. É isto que tratam os seguintes parágrafos.
2. A Galiza e a Europa
Para nossa sorte, o português que tinha nascido na velha Gallaecia continuou a desenvolver-se no Reino de Portugal, até converter-se em língua nacional e instrumento de comunicação nos cinco continentes. Vamos fazer uma comparação com o contexto exterior para tentar perceber a diferença que houve entre o que poderíamos chamar, historicamente, a Galiza que constituiu Portugal e a Galiza que ficou sob o domímio castelhano e, depois, espanhol.
Enquanto o humanismo greco-latino entrava na Corte de D. João II nos últimos anos do século XV em Portugal, da mão de Cataldo Siculo Parisio, a mesma língua deixava de escrever-se na Galiza. Não pode negar-se a importância da dominação política e militar que os castelhanos exerceram sobre o Reino da Galiza, porém não pode utilizar-se como explicação para tudo quanto tem acontecido no desenvolvimento posterior.
Alguns textos galegos que ainda podemos ler em bom português daquela época são os escritos notariais. Um exemplo é o Livro de Notas do Notário de Rianjo Aluar Peres, texto publicado sob a organização do professor antilusista Fernando R. Cabo Tato. Nesse texto observa-se que, em 1457, ainda a qualidade da linguagem notarial era boa. Fica patenteada, nas suas páginas, a dependência política da Galiza. Exemplo claro é a reclamação do castelhano Rodrigo de Luna, Arcebispo de Compostela, contra o rianjeiro Sueyro Gomes de Soutomayor, sob o título «Testimoyo autorisado sóbrela casa de Rriãjo» (pp. 145-149). Trata-se de um documento notarial longo -para o habitual nessa época- com o texto ‘oficial’, em português, seguido da carta em espanhol do arcebispo, respondida posteriormente na língua da Galiza pelo destinatário da carta, o citado Sueyro. Notário e nobre escrevem em vulgar galego; a autoridade político-eclesiásitica em castelhano: ficava estabelecida a hierarquia, que continuava sem interrupção até ao presente.
Seguindo a exposição de Aracil, enuncio a seguir alguns dos os processos que configuraram as línguas nacionais e dos quais ficou ausente a Galiza:
2.1. A introdução da imprensa, os processos de gramaticalização, o humanismo vulgar e as traduções para as línguas vulgares
A imprensa tornou-se uma indústria a finais do século XIV, uma atividade empresarial generalizada que criou um público leitor. É claro que isto aconteceu apenas nalguns casos. Dois aspetos interessa salientar especialmente:
Primeiro, obrigou os editores a fazer escolhas para a escrita, fomentando a sua unificação. No contexto do humanismo greco-latino publicaram-se as primeiras gramáticas das línguas vulgares. Na nossa os principais autores desta época foram Fernão de Oliveira (1536), João de Barros (1539) e Nunes de Lião (1576). Dois séculos mais tarde seria difundida oficialmente a Arte da Grammatica da língua portugueza de António José dos Reis Lobato (1770), durante o governo do Marquês de Pombal.
Segundo, a difusão desta indústria ajudou também à promoção da língua vulgar reconhecida pelas autoridades dos reinos e principados da Europa, ocupando estas um espaço entre os meros vulgares orais e o latim, a grammatica, em que se desenvolvia a cultura não popular. A imprensa facilitaria, também, a difusão dos clássicos greco-latinos, primeiramente no original e, posteriormente, nas traduções para as línguas vulgares através do humanismo vulgar nos séculos XVII e XVIII. Ficava assim estabelecida a primeira diferença entre as línguas que atingiriam, já nessa altura histórica, um mínimo grau de difusão e conhecimento internacional, e outras que ficariam como meros vulgares restringidos à oralidade, como o português na Galiza.
Uma tarefa fundamental do humanismo vulgar foi o fomento das línguas através da tradução das obras mais importantes em latim, o que Aracil define com uma “transferência de tecnologia”, para as respetivas línguas das nationes. É, evidentemente, o caso da Arte Poética de Horácio (Epistula ad pisones, 10 a .c.) traduzida pela primeira vez à nossa língua por Aquiles Estaço e publicada em 1553 em Antuérpia. Para o espanhol as duas primeiras traduções foram publicadas entre 1558 e 1591, por Francisco Sánchez de las Brozas, El Brocense. Coisa semelhante acontece com as outras línguas europeias. A Arte poética era estudada pelos bacharéis e serviu de modelo literário durante séculos. A época em que foi traduzida, para cada língua, serve de indicação do estádio de desenvolvimento das comunidades linguísticas na Europa.
Capítulo especial merece a tradução da Bíblia e o papel da Igreja no controle das oficinas tipográficas, na maior parte dependentes dela. Dois aspectos interessa salientar:
O primeiro, citado por Aracil, é a diferença evidente entre a Igreja católica e a reformada. Uma das ideias defendidas pelos pregadores protestantes era a necessidade de aproximar a palavra de Deus do povo. Por isto traduziram a Bíblia. É dentro da Igreja que surge a necessidade de traduzir e dignificar a língua vulgar, e isto só podiam fazê-lo pessoas com conhecimentos de grammatica. Nos países católicos só os autorizados, os cregos, podiam ler e interpretar as Sagradas Escrituras. Por isso a introdução dos vulgares na liturgia se produziu mais tarde. Como é lógico, os cregos protestantes fomentavam a alfabetização em vulgar porque isto permitia aos fieis terem acesso direto ao Livro e participarem em igualdade na liturgia. Os fieis já não precisavam intermediários para o diálogo com Deus e, além do mais, podiam fazê-lo na sua língua, sem necessidade de aprender latim. Séculos mais tarde, no XIX, saber ler e escrever tornaria-se condição indispensável da dignidade pessoal e social.
Esta diferença histórica entre católicos e protestantes é semelhante à existente no procedimento judicial. Tradicionalmente, na Inglaterra, por exemplo, o cidadão pode representar-se a si mesmo perante a justiça, renunciando mesmo ao advogado se for o seu desejo. Nos países católicos estamos necessariamente representados por um letrado. O mesmo nome implicava a suposição de o representado não saber de letra: ser analfabeto.
As traduções da Bíblia foram um indício do nível de desenvolvimento das línguas europeias. No nosso caso o Antigo e o Novo Testamento foram traduzidos por João Ferreira de Almeida (1628-1691). Naturalmente não era católico mas presbiteriano, e exerceu as suas funções na Holanda. Contudo, a Bíblia completa em português viria a ser impressa em 1753, provavelmente em Amesterdão. O caso mais citado nas bibliografias europeias é a tradução que fez Lutero (1486-1546) para o Alemão. Todavia, a primeira publicação parcial nesta língua data de 1471. Cita Aracil ainda o precedente de Meister Eckhart (1260-1327).
Além do caso precoce do alemão, vale a pena virar os olhos para o catalão, em cuja língua a primeira edição completa da Bíblia data de 1478. Na opinião de Adrian Hustings isto fala muito favoravelmente da cultura medieval catalã (ou aragonesa). A evolução posterior não condiz com este precedente mas fica como um indício do que poderia ter sido o Reino de Aragão se o seu desenvolvimento político tivesse sido bem sucedido. Em castelhano traduziu-se pela primeira vez no século XVI mas, por algum motivo, não ficou nenhum exemplar.
O impulso para as traduções surgiu, pelo menos em grande parte, no seio da Igreja e teve por protagonistas personagens que, maioritariamente, seriam excomungados e perseguidos por heresia pela Igreja católica. A principal instituição da Igreja criada para reprimir os hereges foi a Inquisição, encarregada, entre outras tarefas, de destruir os livros proibidos e perseguir esses escritores. Uma edição de 1597 do Index Librorum Prohibitorum, do Papa Inocêncio XI, explicita na «Regula IV» os critérios de censura, não apenas para as edições de livros sagrados mas, em geral, qualquer publicação em língua vulgar, com ordens explícitas para bispos e outras autoridades sobre os procedimentos a ser utilizados. A mesma regula, acrescentada de outras com conteúdo semelhante, seria publicada em sucessivas edições.
2.2. A participação na Respublica Litterarum e o iluminismo
Resulta difícil resumir o que tem significado a República Literária na história da cultura europeia. Limitar-me-ei a salientar alguns aspetos. Dela fizeram parte as personalidades mais notáveis da Europa durante mais de dois séculos. Era o equivalente a uma classe inteletual internacional com regras de admissão e de comportamento concretas, cuja característica principal consistia na difusão livre e universal do conhecimento (censuravam a ocultação das descobertas entre os membros), o fomento das boas relações entre os povos e o emprego do latim para a comunicação interna e as publicações. Esta Respublica continuou a existir apesar das guerras de religião e outras lutas, representando uma consciência de comunidade europeia numa unidade que ultrapassava os Estados e as diferenças religiosas.
O jornal inteletual mais impotante da República Literária, e da Europa, foram as Acta Eruditorum. Publicadas em Leipzig de 1682 a 1782 -de 1732 a 1782 como Novo Acta Eruditorum- tratavam temas de Libri Théologici, & ad Historiam; Ecclesiastican spectantes; Libri Juridici; Libri Medici & Physici; Libri Mathematici; Libri Historici, Geographici, Miscellanei. Nele podemos ver nomes de autores franceses, ingleses, alemães, italianos e até algum português, como Petri Almeidæ (Pedro de Almeida): «Commentarius in C. Suetonis Tranquilli de XII Casaribus Libros VIII», mas provavelmente não haja um só galego.
A Academia Francesa seria criada pelo Rei para fazer concorrência contra os membros da República Literária que, num princípio, nem faziam caso da sua existência e, posteriormente, acabariam por se integrar nela. Foi este o âmbito em que nasceram noções como a opinião pública. Foi na França onde os correios foram impulsionados para favorecer a comunicação entre os membros da república das letras. Foi, evidentemente, o âmbito e o contexto inteletual do iluminismo.
Quando este foro transnacional dos notáveis europeus se dissolveu, a meados do século XVIII, constituiram-se Repúblicas Literárias nas respetivas nações. Esta dissolução foi percebida como um desastre por pessoas como Germaine de Staël-Holstein (Madame d’Estaël), cujo texto mais conhecido é De l’Allemagne (1820). Não só pela perda do uso do latim e a dissolução da unidade entre os sábios da Europa; também pela ameaçante situação que se estava a criar.
Houve uma edição alemã, as Deutsche Acta Eruditorum, de 1712 a 1739, o que indica em que medida Alemanha esteve no centro da cultura europeia e continuaria a estar durante muito tempo. E questão que mereceria maior comentário.
Em termos de história sociolinguística da Europa, a situação atual de minorização linguística, a hierarquia entre o castelhano e o português da Galiza -e também do catalão, do bretão, do basco, etc.- cujo desequilíbrio já vinha de séculos, acelerou-se a partir de meados do século XVIII. O castelhano -como o italiano, francês, alemão, inglês, português, polaco e alguma outra- substituiu o latim nas suas funções, nomeadamente no ensino, e tornou-se língua nacional. Por exemplo, comprovamos como em Portugal se ensina a «Gramática latina» do P.e Manuel Francisco de Miranda (1866-1921), com explicações em português e reeditada até meados do século XX. Na Espanha (incluída a Galiza), difunde-se a «Gramática hispano-latina», de Raimundo de Miguel (1816-78) cuja primeira edição é de 1848.
Regressemos ao século XVIII. O risco que implicava essa ruptura como o passado, em que a língua principal tinha sido o latim, era percebido pelos seus promotores como inevitável, e não isento de alguma incertidão. No «Discours préliminaire» de D’Alembert, da Encyclopédie ou dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers (1751), achamos muitas evidências da mudança histórica que se estava a pôr em andamento. Os seguintes parágrafos confirmam a citação que Aracil realizava na sua História das Línguas Europeias:
«Começou-se a sentir que o bom, por ser exprimido em língua vulgar, não perdia nada das suas vantagens; que adquiria ainda a qualidade de ser mais facilmente percebido pelo comum dos homens, e que não tinha relevância nenhuma a língua em que fossem ditas as coisas, comuns ou ridículas e, com maior razão, naquelas que deveríamos falar pior. A gente de letras pensou, então, em aperfeiçoar as línguas vulgares e procurou dizer nas suas línguas aquilo que os anciães tinham dito nas suas” (p. 130).
«Tendo-se estendido a nossa língua por toda a Europa, julgámos que era a altura de esta substituir a latina que, depois da renascença das letras, tinha sido a dos sábios. Acho que é bastante mais excusável, para um filósofo, escrever em francês do que um francês fazer versos latinos; convenho em que este uso contribuiu a tornar as luzes mais gerais se, entretanto, aumenta realmente o espírito do povo, que se estende a superfície. Entretanto, daí resulta um inconveniente que devemos prever. Os sábios das outras nações a quem nós temos dado exemplo, podem acreditar, com razão, que eles poderiam escrever ainda melhor nas suas línguas do que na nossa. Então, Inglaterra imitou-nos; Alemanha, onde o latim parecia ter-se refugiado, começa lentamente a perder o seu uso: não duvido que serão seguidos em breve pelos suecos, daneses e russos. Assim, antes do fim do século XVIII, um filósofo que quiser instruir-se bem nas descobertas dos seus predecessores, terá de carregar na sua memória entre sete a oito línguas diferentes e, depois de ter consumido para as aprender o tempo mais preciado da sua vida, morrerá antes de se começar a instruir». (p.153)
Talvez a maior virtude, o maior contributo das línguas nacionais, tenha sido facilitar a alfabetização da população e, portanto, a difusão do conhecimento, rompendo com a inveterada hierarquia entre letrados e iletrados, cuja dilução, em séculos passados, era apenas uma hipótese. O outro aspeto positivo é ter elevado ao nível superior a língua do povo, simbolizando a culminação de séculos de progresso de determinadas línguas e literaturas, não todas, apenas uma parte das existentes na Europa.
D’Alembert e os outros enciclopedistas tinham consciência dos riscos que implicava a supressão do latim como interlíngua. Este tinha a vantagem de não ser falada por ninguém como língua natural, era de todos os países mas de nenhum em concreto. Era veículo da educação e servia para transmitir uns conhecimentos, difundidos por toda a Europa. Qualquer outra que pretendesse ocupar esse rango teria vários problemas, o primeiro dos quais seria o âmbito restrito de difusão. O segundo, que seria a língua de um povo concreto. Se todos os membros da república literária pretenderem fazer o mesmo -com todo o direito- produzir-se-ia a decomposição do espaço comum e uma concorrência permanente. E nesta situação não todas as línguas poderiam concorrer, como a história posterior demonstrou. Neste processo histórico línguas como o ocitano, o bretão, o português na Galiza ou mesmo o gaélico na Grã Bretanha e Irlanda ficaram fora do jogo, e provavelmente continuarão assim.
Aracil tinha posto em evidência a ausência de crítica ao modelo de ‘língua nacional’ num artigo de 1984. Se o modelo for universalizado, a maior parte das línguas do mundo ficam excluídas e numa clara tendência à desaparição. O debate parece ter estado oculto. Todavia, o problema continua a estar presente[i].
Temos visto que, a meados do século XVIII, a dialética latim/vulgares se resolveu com a progressiva substituição do primeiro pelas segundas, a ritmos diferentes conforme ao nível de desenvolvimento político, económico e cultural dos diversos países europeus. O abandono do latim como língua de comunicação internacional foi precedente claro dos nacionalismos que, dentro dos territórios nacionais, serviram para duas funções complementares: ‘libertar’ umas línguas e ‘oprimir’ outras.
Os nacionalismos começavam a determinar o futuro do continente e do Mundo num período que vai de Napoleão até agora, e que Aracil denominou a “Guerra dos Duzentos anos”. Finkielkraut caracteriza também esta situação em La défaite de la pensée, livro recomendável, que começa com uma citação do texto de Julien Benda La trahison des clers.
A maior prova da difusão universal e o triunfo total do modelo nacional de organização das sociedades, consiste na incapacidade generalizada para concebermos por outros modelos as relações entre as comunidades linguísticas, e pelas reações ‘naturais’ contra quem criticam a necessidade do nacionalismo como ideologia fundamental da sociedade ou, simplesmente, salientam as suas contradições.
A Galiza fez contributos ao iluminismo com pessoas salientáveis como Feijó, Sarmiento, Cornide, Lago, Cernada e Sobreira... todos em castelhano. Sobeja dizer que não houve república literária galega, numa altura histórica em que o português se tornava língua nacional.
2.3. O período nacionalista
No século XIX, o das revoluções liberais e o romantismo, acelerou-se a dissolução do antigo regime e as velhas formas de relação entre as línguas. A introdução dos Bourbões no trono espanhol, os acontecimentos posteriores à guerra de independência contra o exército de Napoleão, a Constituição de Cádiz de 1812, a Lei Moyano de instrução pública, a reforma da organização provincial de Javier de Burgos (1833), passando a Galiza das 7 províncias à 5 actuais, a incipiente difusão da escolarização -toda em castelhano- configuraram o processo de difusão desta língua na Galiza. O castelhano substituiu o latim nas suas funções, na administração pública e no ensino, na edição de livros e nas publicações periódicas. Na Igreja o uso público e oficial do castelhano esteve tradicionalmente restringido às homilias mas, depois do Concílio Vaticano II, generalizou-se tornando-se língua única da igreja católica.
Foi no século XIX que se iniciou a recuperação da consciência linguística da Galiza com Rosália, Curros e Pondal, numa corrente cultural e política simultânea com Catalunha. Porém, em geral, tanto num como noutro país isto levou-se a termo como atividade folclórica, única forma não conflutuosa de dedicar um espaço aos assuntos ‘regionais’ sem pôr em causa a unidade da nação espanhola. O processo de constituição da Real Academia Galega e a sua evolução até ao presente evidencia essa situação. Os presumíveis notáveis galegos, nomeadamente Murguia, para não se confrontar com os escritores contrários à língua popular, nomeadamente Emília Pardo Bazán, demoraram vários anos o processo de criação desta instituição.
Podemos indagar na história dessa instituição espanhola através dum livro redigido por Elisardo López Varela: Unha casa para unha lingua. A Real Academia Galega baixo a presidencia de Manuel Murguia (1905-1923). Nele se acham múltiplas evidências de que, a RAG, para além das intenções declaradas, nunca exerceu as suas funções como “academia” e “galega”. Os acontecimentos das últimas décadas e os mais recentes de Julho de 2003[ii] confirmam este diagnóstico. O precedente imediatamente anterior à sua fundação em 1905 foi a «Asociación Folk-lore gallego», cujo discurso inaugural foi lido pela escritora em espanhol Emilia Pardo Bazán sobre o tema “Folk-lore”. A mesma escritora naturalista foi presidente honorário da RAG inicial junto com Curros e Murguia. Há uma carta de Curros publicada em La Tierra Gallega , Habana, 19-5-1895 em que diz, perante as acusações dalgum jornal que acusava os promotores da R.A.G. de “galleguismo”:
«Receiam alguns, dizia o orador, para prestar-nos a sua ajuda, que nesta Academia possa incarnar-se o regionalismo galego, e eu tenho de dizer muito claro e alto que nada tão longe deste asserto. Aqui cabem os galegos de boa vontade, os regionalistas e os que não o são no senso estrito da palavra, e até os que não são galegos e, contudo, amam a Galiza, como eu a amo, sem o ser” (pág. 32)
Poderia argumentar-se que, realmente, ele pensava fazer o contrário do que dizia, mas a história demonstra ter acontecido justamente o que ele prometeu. Nessa época tinham grande difusão, na literatura, o naturalismo e o romantismo, cujas aplicações ao português da Galiza, têm continuidade na situação atual. O ‘galego’ continua a ser o objeto folclórico a que se dedicam a «Real Academia Galega» e o «Instituto da Lingua Galega».
A situação em que se acham os notáveis galegos, os de hoje como os de ontem (e Murguia e Curros pertenciam, sem dúvida, a este género), foi perfeitamente caraterizada por António Gil, no seu livro Silêncio ergueito. Do prefácio (pp.7-53) saliento dois aspetos igualmente relevantes, a constituirem duas faces do mesmo problema: 1. O silenciamento, nos âmbitos institucionais e meios de comunicação (e a exclusão e até a perseguição académica) a que são submetidos quem pretendem dignificar a língua nos discursos escritos, nos usos linguísticos, na docência, na administração pública, ou em quaisquer outros âmbitos sociais. 2. A situação de dependência que a notabilidade galega tem respeito da espanhola e a sua incapacidade para se desenvolver como auténticos notáveis da Galiza.
3. Dante e a questione italiana
A expressão questione della lingua faz referência a um debate secular produzido na Itália sobre o modelo de língua comum e a distribuição de usos sociais com o latim. Pode considerar-se iniciada a começos do século XVI e rematada a meados do século XIX, com a constituição do Estado Italiano e o triunfo definitivo desta língua sobre o latim.
Todos os autores coincidem em notar a publicação da Eloquência vulgar (De Vulgari Eloquentia) de Dante Alighieri Florentino (1265-1321) como obra fundamental para compreendermos a questione.
Deste texto Interessa salientar dois aspetos: Primeiro, a precocidade do autor, cujo texto exprime no século XIII umas ideias que só achariam o contexto cultural apropriado para o seu desenvolvimento dois séculos depois, durante o primeiro humanismo italiano.
Segundo, como dado implícito e raras vezes comentado, é que Dante escreveu o Vulgari Eloquentia em latim, não em vulgar. O seu latim era o medieval vigente na sua época, ao que Dante tinha acrescentado termos e expressões alcunhados pela escolástica. Neste sentido não pode comparar-se em qualidade ao latim renascentista, em que os autores procuravam imitar os autores antigos, renovar a técnica literária e acrescentar o léxico necessário para o tornar apto para a expressão em todas as ordens.
Do ponto de vista da ideologia nacionalista que nos impregna -e não importa qual for o nosso país de origem, para o caso é indiferente- poderíamos julgar uma incoerência escrever em latim para promover o vulgar. Ora, aquela língua não era percebida socialmente como concorrente mas complementar com os vulgares. Utilizando a terminologia sociolinguística podemos dizer que a relação entre latim e vulgares estava estabelecida através dalgum tipo de diglossia. Esta situação, a utilização do latim e das línguas vulgares para funções diferentes, manteve-se, pelo menos, até meados do século XVIII. Foi locus communis secular cuja solução para o ensino oscilou entre a necessidade de manter um equilíbrio na utilização das duas línguas, ou a conveniência da supressão de uma das duas. No capítulo “Latino contro volgare” (págs.47-50) do livro de Maurizio Vitale podemos ler um episódio deste debate e compreender o contexto.
Portanto, Dante escrevia para os que sabiam ler em latim, que era uma minoria, mas também eram os únicos a quem poderia interessar o tema. O vulgar era utilizado para os assuntos de menor importância. Diz Curtius: «O uso poético do Volgare era permitido só sujeito a muitas precauções. Eraaceitável apenas para alguns temas: bem-estar, amor e virtude (salus, venus, virtus) e só para as canzone» (p.354). Lembremos que Petrarca escreveu em italiano os Divertimentos Vulgares. Este, como Dante, Bocaccio e a maioria da sua época, eram escritores em língua latina que fizeram alguma coisa, acidentalmente, em vulgar. Para as coisas ‘sérias’ e de maior difusão não utilizavam a língua naturalis. Esta situação prolongou-se não durante umas décadas mas durante séculos, e define uma parte da história do Ocidente.
Um enorme paradoxo respeito da língua latina, a evidenciar a distanciação respeito da nossa própria história, salientado por Aracil, é que, na atualidade, quando os professores desta língua clássica leccionam nas faculdades ou nos licéus de bacharelato, sempre se referem ao latim clássico, aproximadamente até ao ano 300, esquecendo quase toda a história da Europa posterior, cujos textos mais relevantes foram redigidos, até meados do século XVIII em latim. Isto tem uma grande relação com o que Aracil chama o esquecimento do anterior, com a pretensão de imemorialização que o nacionalismo exerce sobre a história. Esquecer e até suprimir totalmente o latim do ensino faz com que a língua nacional se situe no meio e sozinha, sem concorrência histórica anterior, transmitindo a idea de a situação presente datar de sempre, de não ter origem (nem final).
A questione pode perceber-se, historicamente, como o processo de conversão das línguas vulgares, em concorrência com o latim, em línguas nacionais. O projeto de Dante era o da dignificação do vulgar, que devia sofrer um processo de apuramento, aprimoramento e escolha. Tinha consciência do seu protagonismo pessoal, cujo labor consistia em construir e não descobrir: fazer e não esperar que outros fizessem. Dante foi um notável que assumiu diversas responsabilidades na vida social e política do seu tempo, que o levaram ao desterro por décadas.
Para uma mínima introdução ao Vulgari eloquentia vale a pena utilizar a edição bilingue latim-espanhol de Gil Esteve e Rovira Soler, na muito recomendável coleção da editorial Palas Atenea, em que os autores realizam uma introdução da que traduzo o seguinte parágrafo (pp.16-18):
«Dante escreve constantemente, e na sua escrita vai do teórico, que no Vulgari Eloquentia descreve o quadro linguístico da Itália de fins do século XIII e começos do XIV, propondo e procurando uma unidade da língua onde na prática quotidiana existia uma realidade absolutamente diferenciada, ao escritor de sucesso na História, que depois de morto, as línguas não toscanas acabam por ser reconhecidas pela comunidade como meios de expressão restringidos à sua geografia regional e se convertem, na consciência dos cidadãos de Itália, em dialetos ou, no máximo, tingem o considerado koiné, no plano ideal, convertendo-os em italianos regionais, no único italiano existente na realidade falada. Destarte, o toscano acaba por se tornar italiano no plano nacional, não só a nível de reconhecimento oficial mas também na consciência dos falantes».
3.1. O pensamento linguístico de Dante
Em La teoria linguistica di Dante. "De vulgari eloquentia": discussioni, scelte, proposte, Ileana Pagani cita Marigo para salientar dois conceitos fudamentais a atravessarem a obra linguística dantesca: locutio vulgaris naturalis e locutio secundaria artificialis. Estes são contrapostos à “copiosa produção doutrinária de «eloquentia» latina”. A composição das relações entre estes dois conceitos na procura da oposição ao predomínio do latim é guia para a compreensão do Vulgari.
Locutio naturalis faz referência à criação divina da linguagem. Diz Pagani: “Marigo situa o significado de locutio vulgaris naturalis no plano do universal primigénio «[...] qui si parla in astratto della facoltà del linguaggio infusa da Dio all’uomo colla creazione [...]» (Commento, p. 9, nota 23)”. Identifica-se, pois, com a natureza originária, com Deus. A nobreza, potencial nos vulgares, só pode realizar-se com o cultivo literário que é uma obra humana, portanto, imperfeita.
O confronto entre grammatica (latim) e locutio vulgaris (italiano) recebe diversas articulações: a locutio primaria (linguagem natural) é nobre por ser produto de Deus. A locutio secundaria é produto da arte humana, que constitui uma imitação imperfeita da natureza. A locutio vulgaris histórica mas particularíssima de Adão é nobre em potência e em acto, porque nasceu diretamente de Deus. Uma qualquer locutio vulgaris histórica é potencialmente nobilior, contudo, não necessariamente em acto.
Estamos perante a enorme tarefa de dignificação do vulgar, para cujo fim o primeiro e principal instrumento é a gramática -imutável, conforme ao pensamento dantesco- a estabilizar a língua literária e torná-la em instrumento de comunicação. A locutio vulgaris naturalis é proclamada nobilior por Dante, pois há escritores que a têm dignificado. Originariamente o vulgar reflete, aos seus olhos, o sinal de uma fatal decadência (babel) e dissolução. Esta pode ser superada por uma reconstrução racional de uma unidade espiritual. Só o hebreu tem permanecido num plano especial: nenhuma outra língua pode participar da sua nobreza-perfeição, por ser imagem concreta do mundo pré-babélico.
O quadro babélico comporta uma imagem em que os vulgares são concretização do «terrível castigo da confusão das línguas». O homem deve esforçar-se, pois, por encontrar, pela razão, os instrumentos linguísticos para superar a multiplicidade e mutabilidade caraterísticas das linguagens vulgares, reconquistando assim a primigénia unidade perdida.
Dito por outras palavras: face à situação pós-babélica, caraterizada pela «tendenze irracionali e disgregatrici della natura corrotta» levanta-se o valor positivo da racionalidade-regularidade-estabilidade (literatura e gramática).
Outros binómios a explicarem a concepção linguística de Dante são: geral-particular; originário-corrupto e potência-ato. Este último confere-lhe uma fortaleza extraordinária e constitui uma antecipação histórica da concepção da dignitas homini renascentista. Giovanni Pico della Mirandola na sua Oratio de Hominis Dignitate de 1487 (Discurso sobre a dignidade do homem) afirmava, em contraposição à concepção escolástica, que o homem tem em si a capacidade intrínseca de superação das suas debilidades (o pecado de Adão e Eva) e salienta a livre escolha que Deus lhe concedeu:
«Que a nossa alma seja invadida por uma sagrada ambição de não nos contentarmos com as coisas medíocres, mas de anelarmos às mais altas, de nos esforçarmos por atingi-las, com todas as nossas energias, desde o momento em que, querendo-as, isso é possível» (p.55).
A língua, enquanto produto humano dignifica-se, como o homem, pelo esforço, podendo assim superar o pecado de Adão pois, no fim de contas, o homem é um espelho de Deus. O volgare dignifica-se aproximando-se dos padrões estabelecidos e preexistentes em latim.
O binómio potência-ato permitiria maiores comentários pela sua aplicação a múltiplos casos. Na concepção dantesca, potencialmente nobre é a língua vulgar na voz do povo. Para o ser em acto precisamos que seja realizado pela voz dos escritores excelentes, especialmente através da poesia. Quanto à língua literária esta é, para Dante, a língua gramatical, tendo um caráter imutável, o que por vezes fica contradito pelas suas próprias palavras, porquanto aceita dalgum modo o conceito de evolução histórica.
Esta parece ser a grande conquista de Dante: ter percebido o conceito de naturalidade e, ao mesmo tempo, a necessidade de mudança da língua. Esta caraterística de mudança atribui possibilidades expressivas ao vulgar e torna-o oposto ao latim, neste aspeto. Dante tomou consciência, assim, do devenir histórico das línguas, partindo do conceito de locutio vulgaris naturalis.
3.2. A questione della lingua
O texto de Maurizio Vitale citado na bibliografia é o mais recomendável para esta parte. Na introdução (pp.9-12) salienta os conceitos desenvolvidos através das 799 páginas do livro que constitui um compêndio de cinco centúrias de publicações e discussões sobre a língua comum. O autor percorre a história do italiano começando no século dos gramáticos, o XVI, em que também achamos uma preocupação similar nos países que receberam os ideiais humanistas.
A questione começara a debater-se publicamente na data precoce de 1435, em duas obras de Flavio Vionni e Leonardo Bruni, que tinham por tema a existência de duas línguas, uma literária e outra vulgar, tanto no latim quanto no Italiano. Estava já estabelecida a primeira dimensão: a disputa entre as duas línguas sobre o lugar -académico, institucional- que a cada uma correspondia. A segunda dimensão, o italiano literario em confronto com os dialetos, seria tema principal da Academia della Crusca, solucionada no século XVI com uma tendência arcaizante e no XVIII modernizante, sob a base do florentino. A unidade só seria conseguida no século XIX, na altura da constituição do Estado Italiano.
O primeiro livro considerado propositadamente académico é o Vocabolario degli Accademici della Crusca, texto amplo e organizado com intuito normativo conforme aos critérios de Lionardo Salviati (1539-1589), cuja primeira edição é de 1612, existindo diversas posteriores. Salviati foi um defensor do tradicionalismo linguístico e principal fundador da Accademia. A criação de uma posterior anti-Crusca prova a polémica que se seguiu entorno à língua comum.
Um autor imprescindível nesta época é Sperone Speroni (1500-1588) cujo texto mais conhecido é os Dialogi (1542), entre os quais está o seu Dialogo delle lingue. Um extracto pode ler-se no livro de Amadeu Viana (pp.51-63) ou no anteriormente citado de Vitale (pp.630-632). Durante os séculos seguintes a dinâmica entre cruscantes e anti-cruscantes define a dialética sobre a língua comum. Inúmeros textos e autores concedem a este problema o rango de questão pública.
O escritor que vincou a definitiva estabilização da questione foi Alessandro Manzoni (1785-1873). Já na introdução ao Fermo e Lucia (1823) exprimia as dificuldades com que um escritor em italiano se defrontava para escrever um romance, pela incerteza no italiano literário (ausência de fixação unívoca da escrita) e a sua “pobreza” (lexical).
Ele procurava uma língua comum para todo o país, moderna, de uso e compreensão uniforme, e fê-lo através do tosco-florentino, não numa linha arcaizante, mas adatando-o à linguagem da sua época. A independência italiana (1868) produziu o contexto adequado para o fomento da unidade. Nessa altura escreve Dell’unità della lingua e dei mezzi per diffonderla, como presidente da Commissione da Pubblica Istruzione, com a encomenda de «Proporre tutti i provvedimenti e i modi coi quali si possa aiutare e rendere più universale in tutti gli ordini del popolo la notizia della buona lingua e della buona pronunzia» (op.cit., p.446), para cujo fim Manzoni propõe oficialmente a difusão de um vocabulário, o do florentino falado, que recebeu diversas críticas e uma forte oposição em certos sectores. Este texto propugnado por Manzoni começaria a publicar-se em 1897, sob o nome de Novo vocabolario della lingua italiana, e responsabilidade de Giambattista Giorgini (1818-1906), registando diversas edições posteriores..
As ideias manzonianas triunfaram definitivamente favorecendo a unificação do italiano. Este modelo, assumido e difundido pelo Estado, constituiu o impulso definitivo para a sua universalização.
NOTAS:
[1] Para pôr remédio a este problema têm-se inventado diversas soluções, a maior parte das quais consistem em olhar para outra parte. Alguns inventaram línguas como o esperanto. Outros confiaram o futuro das línguas ameaçadas à mercadotecnia e aos investimentos em propaganda, como no caso de muitos países anglo-saxónicos. Uns terceiros, procedentes de uma esquerda assente no anto-engano através da degradação do conceito de língua, dedicaram-se a fazer jogos de palavras. Este é o caso mais frequente no nacionalismo galego. Distorcendo as teorias do relativismo cultural, decidiram que todas as línguas são, pelo facto da sua existência, línguas nacionais. Julgaram que podiam apanhar um atalho e resolver o problema declarando-as todas oficiais. Ao mesmo tempo, tornaram politicamente incorretas expressões como língua de cultura. Estes defensores da “lengua do pobo” dizem que o galego, pelo facto de existir, já merece este qualificativo. A essência deste esquema consiste em que, se todas as línguas são nacionais, já não é preciso fazer nenhum esforço para as dignificar, não é preciso percorrer nenhum caminho. Alguns chamam a isto um ponto de vista. Aracil chama-o um ponto de cegueira. Seria muito interessante analisar, neste sentido, como se tem difundido na Europa o relativismo cultural, a começar pelas interpretações das obras de Claude Lévy-Strauss. Leia-se, a este respeito, Raça e Cultura.
[1] A R.A.G. procedeu a uma leve mudança nas suas Normas Ortográficas e Morfolóxicas, que não alivia a radical dependência que mantém respeito do castelhano. Veja-se a contestação que algumas associações culturais publicaram em 17 de Julho de 2003, assinada depois por mais de 500 pessoas: http://www.lusografia.org/amizadegp/comunicado%20conjunto.htm
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Quem desejar ampliar a bibliografia sobre a questione italiana pode continuar no seguinte endereço:
http://www.uni-duisburg.de/Fak2/FremdPhil/Romanistik/Personal/Burr/Norm/ Questione/biblio.shtml
XAVIER VILHAR TRILHO
BREVE CURRICULUM E BIBLIOGRAFIA
Está especializado na investigação do federalismo e das políticas linguísticas presentes na regulação legal do seu uso público nas chamadas nacionalidades históricas do Reino da Espanha. Sobre a temática do federalismo cabe salientar a publicação da sua opera magna, na sequência da sua tese de doutoramento: A remodelação "federal-confederal" do Reino da Espanha (Editorial Laiovento, Santiago de Compostela, 2001).
Sobre a temática das políticas linguísticas tem publicado numerosos artigos, alguns deles na Revista de Llengua i Dret (editada pela Escola de Administração Pública da Generalidade de Catalunha), a mais prestigiosa publicação existente em tal área no Estado espanhol. Entre os artigos sobre as políticas linguísticas legislativas cabe salientar:
1986: "Notas sobre a caracterização sociolinguística do galego e princípios configuradores do vigente modelo legislativo regulador do seu uso público" (em: Hizkuntza Minorizatuen Soziologia/Sociología de las lenguas minorizadas, Ediciones Ttartallo, Bilbao).
1987: "Lasciate ogni speranza. As sentenças do Tribunal Constitucional resolutórias dos recursos de inconstitucionalidade contra determinados artigos das Leis de normalização linguísticas basca, catalã e galega" (em Agália. Revista Internacional da Associaçom Galega da Língua, nº 9).
1990: "A consagração da Universidade bilingue ou as bases jurídicas para a não normalização das línguas próprias das Comunidades Autónomas no ensino universitário" (em: Revista de Llengua i Dret, nº 14, 1990).
1990: "A inadequação do modelo de separação linguística escolar em Euskadi para uma efectiva normalização do euskara em dito âmbito" (em: Euskararen Lege-Araubideari Buruzko Jardunaldiak/Jornadas sobre el Régimen Jurídico del Euskerea, Herri-Arduralaritzaren Euskal Erakundea/Instituto Vasco de Administración Pública, Oñati).
1990: "Proposta de armistício para a guerra das normas ortográficas do galego com motivo da aplicação do acordo ortográfico lusófono de 1990" (em Nós. Revista Internacional da Lusofonia, núms. 35-40, 1994)
1994: "Análise de um auto do Tribunal Superior de Justiça da Galiza, que declara judicialmente inadmissível o galego escrito com a sua própria ortografia histórica e internacional" (em Revista de Llengua i Dret, nº 22).
1995: "A inadequada denominação das línguas na Constituição do Reino da Espanha: fenómeno revelador-ocultador da hierarquia entre elas e atentatório contra a integridade das comunidades linguísticas diferentes da castelhana" (em Nós. Revista Internacioal da Lusofonia, núms. 41-50).
2000: "A exigível presença das comunidades linguísticas na transformação do Reino da Espanha num Estado federal" (em Revista de Llengua i Dret, nº 26, 1996); "Continuidade do modelo linguístico legislativo da II República no da actual Monarquia parlamentar" (em: Estudos dedicados a Ricardo Carvalho Calero, compilados por José Luis Rodríguez, tomo I, Parlamento de Galicia/Universidade de Santiago de Compostela).
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A RECÍPROCA CONVENIÊNCIA DE A GALIZA E PORTUGAL
LEVAR A TERMO ALGUM TIPO DE UNIFICAÇÃO POLÍTICA
E, NO MÍNIMO, A PLENA UNIDADE LINGUÍSTICA
Prof. Doutor Xavier Vilhar Trilho
Universidade de Santiago de Compostela
Presidente da Associação de Amizade Galiza-Portugal
Julho de 2003
É totalmente plausível que –no processo constituinte de restruturação federal de um Estado unitário, como o espanhol– se ponha de manifesto que algumas partes de tal Estado, participantes em tal processo, optem por o abandonar e por preferir federar-se com outros Estados ou partes desses outros Estados, que não quisessem continuar a fezer parte deles. Por exemplo, a Galiza poderia estar mais interessada –por razões económicas, culturais e mesmo as míticas de um pretenso passado celta comum– numa federação com todo Portugal ou só com uma parte de Portugal (a Região Norte) ou com pequenas nações sem Estado (Bretanha, Gales, Escócia) mais alguma pequena nação com Estado (Irlanda) do arco atlântico europeu. Não se pense que isto último seria algo disparatado (por falta de continuidade geográfica), porque já actualmente existe uma Comissão de Regiões Europeias do Arco Atlântico; e há exemplos, na história, de federações com descontinuidade geográfica entre os seus membros (um caso próximo é o do Alasca ou Havai, na federação norte-americana). Não se objecte que seria ingénuo propor uma federação de territórios geograficamente afastados, porque mesmo poderia, a descontinuidade geográfica entre os Estados federados, ter a virtude de imunizar tal federação contra os intentos de centralização, que inevitavelmente se produzem nos Estados federais.
A federação com outras entidades políticas europeias estatais, ou com partes delas, poderia ser mais desejável do que uma federação com aquelas entidades políticas que pudessem surgir de uma decomposição do Estado espanhol porque, se for desejada uma Europa (das nações, dos länder, dos cantões, das regiões e dos pequenos Estados) verdadeiramente Unida, esta provavelmente será muito mais factível através de federações zonais que atravessem as fronteiras dos actuais Estados. Não se conseguirá uma Europa unida de não lograr antes um Reino da Espanha roto, uma República da França divisível, um Reino Unido da Grã-Bretanha desunido, uma República Federal da Alemanha dividida, uma República da Itália federalizada e, talvez[1], um Portugal regionalizado. Por isso mesmo, não é contraditório advogar simultaneamente pela decomposição dos actuais Estados da União Europeia e pela defesa de uma Europa Unida. São processos complementares.
Assistimos a uma espécie de dissolução dos Estados-Nações europeus por cima, pela agregação na União Europeia e, por abaixo, pelo despertar das pequenas nações. As classes políticas dos actuais Estados europeus terão de competir com a classe política continental gerada com a unificação política europeia, e com as classes políticas que aparecem a nível subestatal nas nações sem Estado. As entidades surgidas da desagregação dos actuais Estados integrantes da Unidade Europeia estarão mais interessadas na unificação política da Europa do que os actuais grandes Estados europeus (Alemanha, França, Grã-Bretanha), cuja rivalidade na liderança do processo de unificação da União Europeia constitui um sério obstáculo para chegar à plena união política da Europa. Na medida em que uma Europa unida dá um tecto comum ao conjunto dos europeus, é pelo que as nações sem Estado da União Europeia (Bretanha, Catalunha, Córsega, Escócia, Euskal Herria, Flandres, Frísia, Friuli, Gales, Galiza, Ocitânia e Sardenha) têm menos necessidade dos respectivos Estados nos que actualmente estão imersas. O nacionalismo do Estado-nação aparece como a principal ideologia política responsável pelas indecisões na construção de uma Europa politicamente unida, não o nacionalismo das nações europeias sem Estado. Portanto, a aspiração das pequenas nações europeias sem Estado a constituir-se em unidades políticas, independentes dos Estados nos que hoje estão integradas, e o desejo de entre elas federar-se, facilitaria a unificação política da Europa. O reconhecimento dos “povos-nações” como unidades-base da Europa é a pré-condição para a dissolução/superação do quadro do Estado-nação numa organização política supra-estatal europeia que, então, sim que será uma união verdadeiramente inter-“nacional”, uma união entre nações.
A Galiza deveria privilegiar sempre, e por todos os meios, as relações com Portugal por motivos culturais, geopolíticos e económicos. Teria de caminhar para uma associação (no mínimo, do tipo da união económica do BENELUX, constituído por BÉLgica, NEderland e LUXemburgo) com Portugal. Embora estar já tanto a Galiza (por intermédio da Espanha) quanto Portugal (directamente) na Europa, a Galiza deveria fomentar as relações com Portugal, formando uma união estreita com ele, de igual modo a como a Bélgica, a Holanda e o Luxemburgo já a tinham feito entre si antes de contribuir à formação da Comunidade Económica Europeia, e que continuam a manter dentro da actual União Europeia. Respeito deste assunto, será muito revelador ver como se tratará na futura Constituição da União Europeia a possibilidade do chamado alargamento interno da União –alargamento por secessão de uma parte de um Estado membro ou por conversão dalguma das actuais regiões transfronteiriças (aquelas formadas por partes fronteiriças de dois Estados membros) num Estado membro mais– ou da possibilidade de uma redução interna do número dos Estados integrantes da União por federação entre alguns deles. Nós somos da opinião que na futura Constituição da União Europeia devem figurar essas opções, para, entre outras coisas, contribuir a superar a actual intocável territorialidade dos Estados e facilitar, deste modo, uma maior união política, como seria a que mais facilmente se alcançaria entre entidades políticas de semelhantes dimensões territoriais e demográficas, as dimensões médias das regiões e das pequenas nações sem Estado.
Galegos e portugueses fazem parte da mesma nação cultural, até ao ponto de que um estudioso do facto nacional na Europa ocidental, como o italiano Salvi[2], autor de Le nazioni proibite, estima que a Galiza é uma das “false nazioni” da Europa. Para Salvi, Galiza é uma falsa nação, porque não é uma das que ele chama nazioni proibite, quer dizer, não é daquelas nações que não conseguiram constituir o próprio Estado nacional sobre alguma parte do seu território, pois a nação galego-portuguesa, na sua prolongação portuguesa, sim conseguiu dar-se um Estado, embora parte do seu território inicial (o território da actual Galiza) faça parte do Estado espanhol e, portanto, sem Estado próprio.
Sobre o facto de a Galiza e Portugal ser ou não a mesma ou duas nações diferentes[3] e, em consequência, sobre o tipo de vinculação política que teria de se derivar de uma e outra tese, há hoje pessoas na Galiza, como Miragaia[4] e Cristóvão Angueira[5], que –desde uma definição linguístico-cultural de nação– se têm pronunciado pela ideia de considerar que a Galiza e Portugal são a mesma nação e de tirar conclusões políticas dessa ideia. Miragaia conclui que o reintegracionismo não se pode limitar a ser simplesmente linguístico-cultural, devendo ser também político. E Cristóvão Angueira tira a conclusão de que, se considerarmos legítimamente a língua e a nação portuguesas as nossas, ter escolhido o caminho mais difícil, o da separação de Portugal, não nos tem facilitado muito as coisas aos galegos. Em parecida direcção, a chamada Comissão para a Reunificação Nacional da Galiza e Portugal reivindicava –num comunicado de 26 de Setembro de 1998– que, respeito da Galiza e Portugal, a territorialidade é a da República de Portugal e a da Galiza, não entendida esta apenas como território da Comunidade Autónoma, e de que “a Galiza, parte Norte de Portugal, precisa da sua livre determinação, independência e soberania para, livre, determinar a reunificação com Portugal”.
Pelo contrário, na opinião de Lôpez–Suevos[6] parece claro que Galiza e Portugal são duas nações diferenciadas, embora reconheça que têm uma comunidade de cultura, e que se deve fazer uma análise histórico–comparativa que descubra, apesar da existência de evidentes elementos comuns, aqueles factores distintivos a considerar. Daí que –não entanto admitir a inegável unidade linguístico-cultural entre a Galiza e Portugal– a unificação política de ambas não seja contemplada em primeira instância por Lôpez-Suevos. E isto por três razões: 1ª) por nunca ter coalhado posições irredentistas ou unionistas[7] entre Galiza e Portugal; 2ª) porque tal coisa demostra a pegada da história da separação de facto entre Galiza e Portugal, que está aí, e não pode ser saltada alegremente[8]; e 3ª) porque a absorção[9] não resolveria o problema galego. No pensamento de Lôpez–Suevos sobre o tema não deixam de estar presentes certas contradições e uma aceitação final indirecta, após muitas reticências, da fusão de Galiza e Portugal. Por uma parte, admite que Portugal não é para a Galiza uma nação ibérica mais, inclusivamente recolhe as palavras de Vilar Ponte: “Galiza considera que ela com Portugal forma nação completa”; mas, por outra parte, escreve que, na luta pela soberania nacional, os aliados naturais da Galiza são os nacionalismos rupturistas catalão, basco e canário, esquecendo incompreensivelmente o papel que nessa luta possa jogar Portugal, não obstante afirmar também que a independência da Galiza é possível, de enveredar Galiza para Portugal. Em qualquer caso, Lôpez–Suevos não admite que se proponha como objectivo inicial a união política com Portugal. Esta unidade aparece em Lôpez–Suevos como o último estádio de um processo com as seguintes etapas: 1ª) conquista por parte da Galiza da soberania nacional; 2ª) “benelux” galego/português; 3ª) eventual confederação das nações ibéricas; e 4ª) criação no seio da formalizada união ibérica –pela dinâmica dos acontecimentos– de um bloco interno galego-português. Só no suposto de que unicamente a Galiza se visse no transe de ter de optar entre a Espanha e Portugal, Lôpez-Suevos optaria por uma Galiza portuguesa. Se a mínima afirmação que Lôpez-Suevos faz respeito de Portugal é que de facto representa uma das concretizações possíveis do génio nacional galego, por que –perguntamo-nos nós– a proposta para já da reunificação da Galiza e Portugal não pode representar uma das concretizações políticas da personalidade nacional galega?
Desde o nacionalismo galego dominante continua-se sem responder de forma concludentemente favorável à necessária unificação linguística plena entre o galego e o português e a um necessário relacionamento político dalgum tipo entre a Galiza e Portugal. Claro que também desde a parte portuguesa –como indica Lôpez-Suevos[10]– nunca se tentou efectivar a sério um movimento panlusista na Galiza, nem sequer como táctica defensiva face aos intentos assimilacionistas do Estado espanhol, que historicamente sempre tem sido uma ameaça para a soberania portuguesa. Portugal –como diz Lôpez-Suevos– deveria estar interessado na ruptura do Estado unitário espanhol, porque esta seria a pré-condição para ele poder formar parte de um Estado federal (federal assimétrico e com traços confederais, acrescentamos nós) ou de uma Confederação ibérica, onde não preponderasse a nação espanhola, assim como também poderia ser a única alternativa resolutória dos conflitos nacionalitários no Estado espanhol que não passe pela “balcanização” do mesmo.
Em qualquer caso, as relações entre a Galiza e Portugal ultrapassam àquelas que se podem dar entre Portugal e o Reino da Espanha ou àquelas entre Portugal e outras regiões do Reino da Espanha fronteiriças com Portugal (a Castela-Leão, a Estremadura, e a Andaluzia), que não têm em comum a língua com as contíguas regiões portuguesas (Tras-os-Montes e Alto Douro, a Beira Interior, o Alentejo e o Algarve). Há muitas pessoas na Galiza (entre elas as autoridades políticas autonômicas) e no Estado espanhol interessadas em limitar as relações entre a Galiza e o Portugal às relações entre a Galiza e o Norte de Portugal (Entre-Douro e Minho e Tras-os-Montes e Alto Douro), entendido este espaço conjunto como uma simples região económica transfronteiriça no interior da Europa unida, esquecendo a realização da unidade linguística plena e uma possível unificação política entre essas duas partes (a galega e a portuguesa total) da mesma nação cultural. O relacionamento da Galiza é com o Portugal inteiro e não só com parte (o Norte) de Portugal.
As relações entre a Galiza e Portugal têm de ser as próprias de entre duas partes de uma mesma nação ou, se se quer, de nação a nação. A comunidade de cultura, de língua, de origem histórica, de contiguidade geográfica e de interesses económicos entre a Galiza e o Portugal deve levar a relações de tipo político-culturais. Relações que poderiam tomar diversas direcções. Em qualquer caso, essas relações não poderiam deixar de consistir no recíproco apoio da Galiza ao mantimento da independência de Portugal e de apoio de Portugal a que a Galiza consiga recuperar a sua identidade nacional e inclusivamente o maior autogoverno possível. Apoio recíproco, que em nenhum caso poderia deixar de consistir, no mínimo, em realizar uma política conjunta de defesa da unidade da língua comum. Os portugueses devem defender –sem medo a serem acusados de interferir nos assuntos internos do Estado espanhol– a unidade morfosintáctica, léxica e ortográfica de galego e português, porque tal coisa é um assunto cultural à partida, não essencialmente político, embora tenha, evidentemente, uma dimensão política. Dizemos cultural à partida porque, mesmo um cidadão espanhol, defensor a todo transe da unidade política do Reino da Espanha, poderia simultaneamente ser partidário de que o português, que se fala na parte de Reino da Espanha conhecia pelo nome de Galiza, se escreva correctamente com a sua própria ortografia, a sua ortografia histórico-etimológica, que hoje se tem consolidado no português de Portugal, forma evoluída, culta e internacional do galego.
Tem havido portugueses que superaram esse temor a ser acusados de se interferir em assuntos alheios, como é o caso do insigne prof. Rodrigues Lapa, que têm ousado dizer –vencendo a paralisadora mal entendida cortesia, muito espalhada entre os portugueses, de não opinar sobre temas controvertidos entre os galegos– que “o único remédio eficaz para a salvação do idioma [galego], gravemente ameaçado, deverá ser uma decisiva aproximação com o português, que poderá considerar-se a expressão literária do galego […] Nada mais resta senão admitir que, sendo o português literário actual a forma que teria o galego se o não tivessem desviado do caminho próprio, este aceite uma língua que lhe é brindada em salva de prata”[11]. Também por parte galega temos de superar o preconceito contrário ao português, efeito da colonização espanhola e do complexo de inferioridade de todo colonizado, que nos leva a desprezar todo o que nos recorda o que somos, e nada há mais próximo a nós do que é português. Contudo, tem existido no passado imediato e existe no presente a demanda da reintegração plena do galego no português, superadora desse complexo de autocolonizado. Exemplo histórico ilustre desta demanda tem sido João Vicente Biqueira, quem já em 1919 tinha dito que “O galego, não sendo uma língua irmã do português, mas um português, uma forma de português (como o andaluz do castelhano) tem-se de escrever em consequência como português. Viver no seu seio é viver no mundo, é viver sendo nós próprios!”[12]. Hoje já existe na Galiza um forte movimento reintegracionista e lusista organizado, minoritário mas de grande incidência social, que não se limita à proclamação de um lusismo téorico (aquele dos que defendiam a reintegração ortográfica do galego no português mas que não chagaram a escrever com ortografia portuguesa, como foi o caso de Biqueira e de Vilar Ponte) mas com efeitos práticos, quer dizer, produtor de publicações (revistas, livros, artigos nos jornais, cartazes, faixas) e actividades realizadas numa forma muito próxima ao português ou em português, do que mesmo é exemplo este trabalho.
Os dois actuais Estados unitários da Península Ibérica, o Reino da Espanha e a República de Portugal, deveriam estar interessados mesmo em assinar um tratado internacional de união ortográfica para a escrita do galego (ou português que se fala na Galiza) e do português que se fala em Portugal, semelhante à taalunie (o tratado da União da Língua Neerlandesa). Acordo rubricado entre o Reino da Bélgica e Reino dos Países Baixos, que fixa em comum a ortografia e a gramática oficiais para o flamengo (o neerlandês que se fala na região belga de Flandres) e o neerlandês que se fala na Holanda, que não supôs que Flandres se tivesse de incorporar à Holanda.
São ridículas as pretensões, dalgumas organizações e instituições galegas, de que o galego com ortografia espanhola (defendida por Esquerda Unida, Mesa pola Normalización Linguística, Parlamento da Galiza e Reitorado da Universidade de Santiago na época do Reitor Villares) ou o galego com ortografia próxima à portuguesa mas sem ser plenamente a portuguesa padrão (defendida pela Associaçom Galega da Língua) seja declarado oficial na União Europeia, quando o português padrão é para já uma das línguas oficiais da União Europeia. Os galegos perdem, assim, a possibilidade de usar a sua língua como língua oficial na Comunidade, de querer usar uma versão ortográfica espanholizada ou não plenamente portuguesa do galego nas instâncias europeias, nas que tais versões não poderão chegar a ser oficiais por não ser oficiais nalgum dos Estados membros da Unidade Europeia. A sumptuária pretensão de que o português, uma das línguas oficiais da União Europeia, tenha –de ser admitido, como língua oficial na União Europeia, o galego escrito com ortografia espanhola– duas ortografias oficiais, deveria ser denunciada pelas autoridades académicas e governamentais portuguesas, como já o estão a fazer certas organizações não governamentais galegas (Irmandades da Fala de Galiza e Portugal, Associação de Amizade Galiza-Portugal e a Comissão para a integração da Língua da Galiza no Acordo de Ortografia Unificada da Língua Portuguesa de 1990), partidárias da plena reintegração ortográfica do galego à sua ortografia histórico-etimológica e internacional, qual é a portuguesa. Luxo asiático esse, o de ter línguas com duas ortografias oficiais[13], com o que nunca deverá adornar-se a União Europeia, a não ser que acredite que é pobre em línguas oficiais (actualmente doze[14] e que, com as ampliações previstas, chegaram a ser vinte e três[15]) e se queira munir também de distintas versões ortográficas oficiais das suas já numerosas línguas oficiais!
Na direcção de servir-se de um galego muito próximo ao português têm dado bom exemplo o professor castelhano residente na Galiza, António Gil Hernández, e os eurodeputados galegos José Posada (do Partido Nacionalista Galego, uma das entidades parceiras da Coligação Galega, formação política nacionalista moderada) e Camilo Nogueira (do Bloco Nacionalista Galego, formação política nacionalista avançada). Abrindo, com o primeiro e o melhor, a via desses bons exemplos, o professor António Gil Hernández –em qualidade, naquela altura, de Presidente da Associação de Amizade “Galiza-Portugal”– dirigia-se, em 10 de Março de 1992, por escrito em português à Sr.ª Presidente da Comissão de Petições do Parlamento Europeu, para solicitar de tal instituição que não aceitasse as petições de reconhecimento do galego como idioma das instituições da Comunidade Europeia por ser já, como variante do português, uma das línguas oficiais da Comunidade Europeia, pois, caso contrário, passariam as instituições europeias a sancionar a conculcação dos direitos linguísticos dos cidadãos espanhóis lusófonos e lusógrafos da Galiza (aqueles que utilizam o português oral e escrito como forma culta e internacional do galego), constantemente discriminados, por esse motivo, pelas autoridades e administração autonómicas da Galiza espanhola[16]. O eurodeputado José Posada apresentara um relatório com ortografia próxima à portuguesa na sessão do 10 de Outubro de 1993 e intervira, na sessão do 8 de Fevereiro de 1994, numa forma oral do galego foneticamente similar ao do português do Norte de Portugal, recolhida na grafia padrão portuguesa no Diário de Sessões do Parlamento Europeu. E o eurodeputado Camilo Nogueira, em 14 de Setembro de 1999, intervira no Parlamento Europeu numa forma de galego (a que se pronuncia com a fonética própria do dialecto galego das Rias Baixas, muito próxima à portuguesa), provocando a intervenção do porta-voz do PP espanhol em Estrasburgo para solicitar que tal intervenção não fosse recolhida nas actas por estar “num idioma que não é castelhano, nem galego, nem português”, e sendo, não obstante, traduzida para o português pelos tradutores do Parlamento Europeu e merecendo a felicitação pelo “bom português” usado, em palavras do mesmo ex-presidente da República de Portugal, Mário Soares. Desde aquela altura, Camilo Nogueira vem empregando o português nas suas iniciativas parlamentares escritas. E as suas intervenções orais -no português da Galiza- são transcritas para o português padrão quando intervém no Parlamento Europeu.
Não se pense que a questão ortográfica é um problema bizantino. A unificação ortográfica de galego e português (ou melhor, a reintegração ortográfica do galego no português) é de uma importância vital para a sobrevivência do galego (o português da Galiza), porque –nas condições de proximidade estrutural entre duas línguas românicas (como são o galego e o espanhol) e de concorrência desleal do espanhol, que o galego tem de suportar no seu próprio território histórico– a defesa do galego deverá tirar partido simbólico da diferença gráfica frente à língua espanhola com a que tem de concorrer directamente. A ortografia portuguesa é o instrumento ideal para impedir a sua assimilação pela via de que não se distinga do espanhol, até tal ponto que, como diz o professor galego Fernando Vázquez Corredoira:
“Pode-se formular, como princípio geral, que o carácter distintivo e delimitador da ortografia é singularmente evidente nas situações de contacto linguístico em que os utentes de uma das línguas sentem a necessidade de marcar a distância em relação à outra e que esta necessidade é tanto mais premente quanto menor a distância estrutural entre as línguas em contacto. Pretende–se, então, em primeiro lugar, diferenciar quanto possível no plano gráfico a língua em questão em ordem a tornar mais visível a sua singularidade e, em segundo lugar, capitalizá-la simbolicamente de modo prestigiante”[17].
Parecido argumento está presente nas palavras doutro professor galego, José Henrique Peres Rodrigues, quando escreve:
“As grafias empregadas na representação de uma língua levam parelho […] um valor simbólico de identificação […] Ter isto em conta é fundamental à hora de dotar de um sistema escrito a uma língua minorada. Um sistema que lembre demasiado o da língua dominante com certeza constituirá um obstáculo para a consideração autónoma e para o prestígio dessa língua, aspecto que muito provavelmente não se verá compensado em termos de uma possível maior eficácia normalizadora deduzível de uma maior presumível maior facilidade existente para aceder ao novo sistema gráfico desde o já conhecido”[18].
A distância que há entre uma estandardização espanholizadora do galego e uma estandardização que procura a reintegração plena do galego no português é a distância que medeia entre uma língua arcaizante e uma língua modernizada, entre uma língua rústica e uma língua urbana, entre uma língua com só um registo coloquial e uma língua com registo culto, entre uma língua crioula (o “portunhol”, um híbrido mestiço de galego-português e galego espanholizado) e uma língua não hibridizada (a galego-portuguesa), entre uma língua colonizada e uma língua descolonizada, entre uma língua em estado de fragmentação dialectal e uma língua integrada num estándar unificado, entre uma língua regional e uma língua nacional, entre uma língua regional não nacional e uma língua nacional com dimensão de língua de relação internacional. A formalização gráfica do galego perpetrada pelo oficialismo institucional é uma estandardização do galego efectuada a partir de um galego que, com ironia, poderíamos chamar “coloquial-colonial”. Coloquial por elevar a registo culto da língua a maneira de falar coloquial, cheia de vulgarismos e tipismos, e colonial por estar muito poluída por interferências do idioma espanhol colonizador. Esta forma de normativizar o galego –com a ortografia do espanhol, que codifica as formas gramaticais (morfológicas, sintácticas e fonéticas) mais distantes do português e que adopta um léxico culto tomado basilarmente do espanhol ou hiperdiferencialista a respeito do português padrão– amputa-lhe ao galego as funções de língua nacional, de língua de cultura universal e de língua de relação internacional.
A codificação espanholizadora do galego nega-lhe a este o carácter de língua nacional na medida em que o converte numa simples língua “regional” do Reino da Espanha, num dialecto do espanhol, numa espécie de castelhano antigo ou de português aldeão. Esta normativização, que isola o galego do português, desintegra o galego, ao desagregá-lo da comunidade linguística lusófona, da que faz parte, e ao facilitar a conversão do mesmo num dialecto do espanhol. A estandardização espanholizadora do galego priva ao galego da função de língua de cultura na medida em que o desvincula da própria tradição cultural dos cancioneiros líricos medievais galego-portugueses, na medida em que também o desliga da literatura portuguesa e brasileira (a forma mais culta, mais “cultivada” do galego), na medida em que não se serve do léxico científico já acunhado no português, que segue a orientação erudita das restantes línguas românicas. Assim também, a normativização espanholizadora e/ou hiperdiferencialista do galego usurpa-lhe ao galego a função de língua internacional, extensa e útil, pois afasta-o da forma em que é escrito por mais de duzentos milhões de utentes dos países lusófonos disseminados pelos cinco continentes do globo terráqueo.
A reintegração ortográfica do galego no português interessa a Portugal e deveria ser apoiada pelas instituições políticas e culturais portuguesas, pois também acrescentaria a presença da língua portuguesa na União Europeia ao somar aos dez milhões de portugueses os quase três milhões de galegos, com o qual o português passaria a ser a sexta língua (depois do alemão, inglês, francês, italiano e espanhol) mais falada na União Europeia, ao praticamente igualar em número de falantes ao neerlandês e ultrapassar ao catalão. Para Portugal, os quase três milhões de galegos que falam o português da Galiza podem significar pouco comparados com os mais de 150 milhões de falantes do português no Brasil e os 35 em África, mas são de uma grande importância pelo seu valor simbólico para o mundo lusófono (por ser a Galiza parte do berço territorial onde nasceu o galego–português) e pelo nível educativo e pela estratégica ubicação dos galegos numa União Europeia de grande influência económica, cultural e política. Seria uma grande perda para toda a Lusofonia que desaparecesse o português da Galiza. Para a Lusofonia qualquer perda, embora for pequena, é perigosa, porque se começa por perder uma parte e se acaba por perder todo o conjunto. Agora que há um futuro certo para a nossa língua no Oriente, após o Timor Oriental conseguir libertar-se da ocupação indonésia, a Galiza tem de deixar de ser uma espécie de “Timor Ocidental linguístico” sob o domínio do espanhol e de formas espanholizadas do galego, que, de persistirem, levarão o galego à sua desaparição definitiva. Não se pode esquecer que o passado do galego são os cancioneiros lírico medievais galego-portugueses e não se pode desconhecer que o futuro do galego está no português da lusofonia.
A unificação ortográfica de todo o mundo lusófono permitiria a Portugal exigir em Bruxelas uma parte das ingentes quantidades que a União Europeia destina à industria do cinema e dos audiovisuais, pois a comunidade linguística portuguesa, com mais de 200 milhões de utentes e possíveis consumidores, está em condições de igualdade para fazer parte da distribuição dos recursos que a União Europeia realiza entre as suas comunidades linguísticas (inglesa, espanhola e francesa) de extensão internacional. A eliminação da alfândega ortográfica que separa o português do galego e a unificação ortográfica de toda a lusofonia (já lograda, pelo menos no papel[19], com o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado em Lisboa, a 16 de Dezembro de 1990, pela Academia Brasileira de Letras, pela Academia de Ciências de Lisboa, pelas delegações dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa e com a adesão de observadores da Galiza) criaria um maior mercado para os editores e livreiros de toda a lusofonia e poria a disposição dos utentes do galego –que contam com uma raquítica industria editorial galega– de abundantes e baratas edições em galego moderno e internacional (o português) de livros escolares e dos clássicos da literatura universal e de muitas obras científicas modernas, que já estão traduzidas. A língua nacional da Galiza, embora estar minorada nesse território, conta com o enorme reforço de ser uma língua demograficamente não minoritária (como o são, por exemplo, o catalão e o êuscara), por ser uma língua de extensão universal com mais de 200 milhões de falantes e mais estendidos geograficamente (presentes significativamente em América e África e escassamente em Ásia) do que os falantes do espanhol (só presentes significativamente em América e minimamente em África). A Galiza deve aproveitar essas vantagens estratégicas (a sua língua ser oficial no Estado vizinho e na União Europeia, e de difusão internacional) para recuperar a sua língua nacional. De não evitar a Galiza e Portugal esse estar de costas viradas, Portugal “perderá o Norte” e a Galiza “não receberá o sol do meio-dia”.
Uma direcção que poderiam tomar as relações políticas entre a Galiza e o Portugal, seria que ambas as partes da mesma nação cultural trabalhassem para uma confederação ou federação do estilo do Benelux entre elas dentro da União Europeia. Afinal, até poderiam chegar à união ou fusão política, formando o que hoje haveria que chamar uma comunidade política com poder constituinte e já não Estado, devido a que a forma de organização política estatal soberana clássica está entrando em crise. Já Otero Pedraio, deputado galeguista nas Cortes da II República espanhola, tinha ameaçado, num debate parlamentar[20], com a união da Galiza a Portugal, caso de que o Estado espanhol não atendesse as reivindicações galegas. E o hino nacional da Galiza diz, em dois dos seus versos, que “A nobre Lusitânia/ os braços tende amiga”.
A ideia de uma federação com Portugal já tem uma forte tradição no galeguismo histórico. É algo que já tem sido apresentado precisamente em ligação com a integração ortográfica do galego no português, como um instrumento que coadjuvaria positivamente a uma restruturação federal democrática do Estado espanhol e a uma confederação ibérica, que beneficiaria igualmente a ambos estados ibéricos. Vejam–se estas esclarecidas palavras de João Vicente Biqueira, publicadas em 1930:
“O galego, pela sua semelhança com o português, é um instrumento de comunicação internacional que à Espanha inteira convém cultivar e conservar [...] Ainda pela semelhança do galego com o português podemos servir à Espanha e à humanidade em outra forma: trabalhando pela inteligência de Espanha e Portugal para formarem os dois estados unha grande Ibéria. A importância disto é enorme se se considera que só pelas sucessivas confederações nacionais se chegará à paz perpetua [...] Mas de nenhuma maneira se fará a futura confederação ibérica sem uma Galiza totalmente galega, e isto quer dizer falando galego, já que a língua é essencial à sua personalidade. A razão é que uma Galiza autónoma, dona de si, dissipará os receios da absorção castelhanista que Portugal sentiu sempre e sente justificadamente, motivo do seu distanciamento de nós. Portanto, a Galiza, se é fiel a si própria, está-lhe reservada, pela sua língua e pela sua história, tão portuguesas quanto espanholas, a missão de fazer a união Ibérica, que (indico de passagem) exige também na própria Espanha um regime geral federal”[21].
Mesmo um sector do nacionalismo histórico galego tentou dar natureza de problema internacional a esse delineamento de deixar a porta aberta a uma possível união da Galiza e Portugal, ao reivindicarem uma autonomia plena para a Galiza, que desse passo a um achegamento a Portugal, como chave para facilitar o caminhar na direcção de uma união federal ibérica. Com efeito, Antão Vilar Ponte tinha apresentado na Assembleia Nacionalista de Lugo de 1918 uma proposição com a intenção de que os nacionalistas galegos se dirigissem ao Governo português com o objecto de que este –na Conferencia de Paz, que logo remataria no Tratado de Versalhes, e dentro da Liga das Nações– se fizesse intérprete desse desejo de uma autonomia integral para a Galiza, na perspectiva de que Portugal e a Galiza pactuassem “um regime dual como nações que reconhecem-se atraídas por uma unidade superior, filha da natureza comum, que somente assim sem receios teria ingresso numa grande Ibéria”[22].
A descomposição do Reino de Espanha nas suas quatro nações constitutivas e a simultânea consolidação de um bloco galego-português na faixa atlântica da Península Ibérica constitui a pré-condição da possibilidade de uma federação ou confederação edificada sobre três pilares de parecida potência, pois o peso da “Espanha pequena” (os países castelhanos que formam a faixa ibérica central) estaria compensado pela presença das duas faixas, a ibérica-ocidental (ou galego–portuguesa) e a ibérica–oriental (a formada pelos países catalãos), de parelhas dimensões demográficas e económicas e que somadas igualariam à castelhana central em importância demográfica, económica, cultural e política. Isso também permitiria que o encrave basco-navarro euskaldun, assente na zona norte do faixa central, de menores dimensões territoriais e demográficas, se pudesse sentir protegido pelo “empate técnico” entre o pólo da faixa românica castelhana ou “pequeno-espanhola” e o outro pólo conformado pelas faixas românicas galego-portuguesa e catalã. Assim mesmo, uma Península Ibérica conformada numa ligação “federal-confederal” das quatro comunidades nacionais (castelhana ou espanhola, galego-portuguesa, catalã e basca) representaria um maior obstáculo contra a periferização da Galiza e Portugal no quadro do desenvolvimento desigual, que não é capaz de impedir –quando não o promove– o fundamentalismo de mercado da União Europeia.
Uma federação ou confederação peninsular de cinco membros de muitos dispares território, demografia e recursos económicos –um grande (o castelhano ou espanhol), dois médios (o português e o catalão) e dois pequenos (o galego e o basco), onde o elemento castelhano ou espanhol seria o dominante– estaria desequilibrada e não chegaria a persistir por muito tempo. Os Estados federais ou as confederações, onde não exista uma certa igualdade entre os parceiros, não têm muito futuro. Para terem futuro, uma federação ou confederação de nações ibéricas e uma União Europeia federal ou confederal precisarão de estar constituídas por entidades de dimensões equiparáveis à média das ibéricas ou a média das europeias, como seriam as dimensões de uma PORTUGALIZA.
[1] Dizemos talvez, porque no caso do Portugal continental (quer dizer, com excepção das ilhas dos Açores e da Madeira, que já usufruem de um regime de autonomia), devido à sua pequena extensão territorial, grande unidade étnica, não pronunciada diversidade geográfica e falta de tradição histórica regional, a sua divisão em regiões não seria muito funcional. E não haveria que esquecer outro factor que aconselha a não regionalização de Portugal: o de que um Portugal regionalizado apresentaria uma frente menos compacta face aos tradicionais desejos e intentos assimiladores provenientes da Espanha.
[2] Sergio Salvi, Le nazioni proibite. Guida a dieci colonie “interne” dell’ Europa occidentale, Vallecchi Editore, Firenze, 1973, pp. XVII e XVIII.
[3] Assim se intitulava, precisamente, um dos artigo iniciáticos da polémica actual sobre o tema, o de J. M. Barbosa, que leva o rótulo de “Galiza e Portugal: Umha ou duas naçons” (em Agália, nº32, 1991). Artigo que opta pela defesa da tese de a Galiza e Portugal ser duas nações diferenciadas. Segundo Barbosa, de a Galiza e Portugal fazer parte de uma única nação comum, só estaria integrada pela Galiza e a região norte de Portugal, a existente entre os rios Minho e Douro (a antiga Gallaecia romana), por ser as únicas terras com similitudes étnicas, antropológicas, geográficas e idiomáticas. O resto de Portugal, quer dizer a Lusitânia, a região que se estende do Douro até ao Algarve, teria características étnicas, antropológicas, geográficas e idiomáticas (pela influência do substrato moçárabe) distintas. Os precedentes desta ideia podem rastrejar-se já no Castelao de Sempre em Galiza. Para Barbosa, mesmo admitindo a substancial identidade linguística entre o galego e o português e escrevendo com uma ortografia muito próxima à portuguesa padrão, isto também não pode levar a uma unidade ortográfica total, senão a escrever o galego com as características próprias do galego da Galiza e não com as do galego do Algarve (sic).
[4] Manuel Miragaia, “A realidade galega no pensamento galeguista”, em Agália. Revista Galega da Associaçom Galega da Língua, nº 23, Outono 1990, pp. 269-288.
[5] José Ângelo Cristóvão Angueira, “Nacionalismo galego: questões a debater”, em Agália. Revista da Associação Galega da Língua, nº 26, Verão 1991, pp. 233-242.
[6] “Dos mapas Cor–de–rosa”, em Agália, nº 11, Outono 1987, pp. 265–291; e Portugal no quadro peninsular, editado pela AGAL (Associaçom Galega da Língua), 1987.
[7] Se bem que não tem coalhado socialmente, não é exacto que não tenha havido um certo irredentismo e/ou unionismo entre galegos e portugueses, embora tivesse sido episódico e basicamente de natureza cultural-retórica. Com efeito, o poeta Lôpez Viera diz nuns conhecidos versos “deixa Castela e vem a nós”; o filósofo da saudade Teixeira de Pascoães fala de “Galiza, troço de Portugal sob o domínio castelhano”; e o formidável escritor Fernando Pessoa reclama a anexação da Galiza, que “Integrada em Portugal, fica parte do Estado a que por natureza e raça pertence” (citados todos por Miragaia, op. cit.). Por parte galega, o unionismo está presente, por exemplo, em textos como o Manifesto, que a Assembleia de Mocidades Nacionalistas Ibéricas redigira na Corunha em 1922 –assinado pelo secretário, Carlos Monasterio, e Xohán V. Viqueira, primeiro conselheiro–, no que se dizia que “Galiza tem com ele [Portugal] afinidades de raça, de língua, de cultura e de sentimentos tão fortes, que chamam a gritos pela união dos dois povos...”. Manifesto publicado em A Nosa Terra (nº 168, 15 de Agosto de 1922) e citado por Ramón Villares (em Figuras da nación, Edicións Xerais, Vigo, 1997, nota 30, p. 198), quando escreve sobre as relações da Galiza com Portugal na época contemporânea (pp. 183-204). Para uma consideração ainda menos positiva da que faz Villares, das referências a Portugal no nacionalismo galego anterior a 1936, veja-se o trabalho de X. M. Núñez Seixas (“Portugal e o galeguismo ata 1936. Algunhas consideracións históricas”, em Grial, tomo XXX, nº 113, Janeiro-Março, 1992), no que se estimam tais relações cheias de referentes míticos, retóricos, contraditórias e limitadas ao âmbito cultural e a individualidades intelectuais.
[8] Não sabemos por que a pegada da história pode ser superada no campo do separação linguística entre o galego e o português com o reintegracionismo linguístico, que Lôpez-Suevos defende, e não no campo da separação política entre Galiza e Portugal com a promoñçao de algum tipo de unificação política.
[9] Não é afortunada a utilização do termo absorção por parte de Lôpez-Suevos, porque o resultado da unificação das duas partes de uma mesma nação não poderá ser uma absorção de uma pela outra, mas um fusão entre as duas.
[10] Ramom Lôpez–Suevos, Dialéctica do desenvolvimento: nação, língua, classes sociais, AGAL, A Corunha, 1983, pp. 66–68.
[11] M. Rodrigues Lapa, Estudos galegos-portugueses. Por uma Galiza renovada, Sá da Costa Editora, Lisboa, 1979, nota 1 da p. 27 e pp. 63-64.
[12] X. V. Viqueira, “Pela reforma ortográfica”, em A Nosa Terra, núm. 102, do 5 de Outubro de 1919. Citamos por A. Gil Hernández (ed.), João Vicente Biqueira. Obra selecta (poesia e ensaio), Cadernos do Povo/Revista Internacional da Lusofonia, núms. 43-45, Ponte-vedra/Braga, 1998, p. 130.
[13] Na Europa o habitual tem sido a unificação ortográfica das variedades de uma mesma língua (unificação do flamengo e o neerlandês, do romeno e o moldavo, do valão e o francês). As excepções dão-se no “diferente” Reino da Espanha, onde se pretende consagrar oficialmente uma forma ortográfica para o galego distinta da portuguesa e uma para o valenciano distinta da catalã. Um caso diferente é o do croata e o sérvio, que praticamente são a mesma língua, mas grafadas com alfabetos distintos –com o latino pelos croatas e com o cirílico pelos sérvios– por razões histórico-culturais (a pegada que deixaria a linha divisória entre o Império Romano do Ocidente, no que o latim daria a pauta linguística, e o Império Romano do Oriente, no que o grego seria quem daria a pauta; linha divisória, que, precisamente, passava pelo meio dos que hoje são os territórios fronteiriços entre os croatas e os sérvios) e por razões religiosas (desde o chamado cisma do Oriente, os croatas são católicos e os sérvios ortodoxos).
[14] Alemão, dinamarquês, espanhol, finês, francês, grego, irlandês, italiano, neerlandês, português e sueco.
[15] Checo, estónio, letão, lituano, húngaro, maltês, polaco, eslovaco, esloveno, romeno e búlgaro.
[16] Vid. Petição de 10 de Março de 1992 (Assunto: O idioma galego-português já é oficial na C.E.), em Arquivos da Associação de Amizade Galiza-Portugal e em Hífen. Boletim do Instituto de Estudos Luso-Galaicos da Associação de Amizade “Galiza–Portugal”, núm. 2, 1993, p. 4 (multicopiado).
[17] Fernando Vázquez Corredoira, A construção da língua portuguesa frente ao castelhano. O galego como exemplo a contrario”, Edicións Laiovento, Santiago de Compostela, 1998, p. 11.
[18] Em http://webs.uvigo.es/h06/weba573/persoal/henr/graf/graf2.htm, pág. actualizada em 30-05-2003 (fragmento transcrito, por nós, desde a ortografia reintegracionista do prontuário da Associação Galega da Língua para a ortografia padrão portuguesa).
[19] Dizemos no papel, porque na prática não tem um seguimento efectivo, sobretudo em Portugal, apesar de ter sido aprovado pelas assembleias legislativas de Portugal e do Brasil, por algum dos países africanos de língua oficial portuguesa e ratificado pelos respectivos governos. As inércias adquiridas (e talvez os temores de Portugal a perder uma soberania linguística, da que julga ser usufrutuário por história, face ao colosso demográfico brasileiro de mais de 160 milhões de habitantes) têm dificultado a implementação prática de um Acordo ortográfico, que –embora feito com cedências tanto pela parte portuguesa quanto pela brasileira– possivelmente beneficie um pouco mais à que vinha sendo a mais simplificada prática ortográfica brasileira do português.
[20] X. R. Quintana e M. Valcárcel sustentam (em Ramón Otero Pedrayo. Vida, obra e pensamento, Ir Indo, Vigo, 1988) que palavras parecidas de Otero Pedraio (afirmando que se a Galiza não conquistava um status federal dentro da recém proclamada República espanhola, demandaria o apoio de Portugal para obter a sua liberdade) foram pronunciadas no restaurante La Bombilla de Madrid em 1931. Referência que recolhemos de X. M. Núñez Seixas, “Portugal e o galeguismo ata 1936. Algunhas consideracións históricas”, em Grial, tomo XXX, nº 113, Janeiro-Março, 1992, p. 65.
[21] João Vicente Biqueira, Obra Selecta (Poesia e Ensaio), edição ao cuidado de António Gil Hernández, Cadernos do Povo/Revista Internacional da Lusofonia, núms. 43-45, 1998, Ponte-vedra/Braga, pp. 65-66. Considerações semelhantes podemo-las achar também em Pensamento e sementeira de A. Villar Ponte (Ediciones del Centro Gallego de Buenos Aires, 1971) e no Sempre en Galiza de Castelao (Edição crítica do Parlamento de Galicia e da Universidade de Santiago de Compostela, 1992, coordenada por Ramón Máiz). As citações, que fazemos de textos em galego escritos com ortografia não portuguesa, transcrevemo-las na ortografia do português padrão (que é a que é utilizada na redacção deste trabalho), com as únicas excepções dos títulos dos livros e dos artigos das revistas das referências bibliográficas.
[22] Antón Villar Ponte, Pensamento e sementeira, Ediciones del Centro Gallego de Buenos Aires, 1971, p. 212.
PRONTUÁRIO PRÁTICO DO PORTUGUÊS DA GALIZA
DR. CARLOS DURÃO |
NOTA INTRODUTÓRIA
O presente Prontuário Prático da nossa língua inclui um Léxico Contrastivo, um Léxico Geral, um Índice Onomástico e Topónimos e afins. A ortografia empregada é a do Acordo da Ortografia Unificada de 1990, escolhendo-se a norma culta europeia nos casos em que diverge da americana e incorporando, com finalidade diacrítica, alguma grafia anterior ao Acordo.Junto com as formas simples, incluem-sen flexões, topónimos (lato sensu) e outras palavras, a fim de ilustrar a variedade fonética das formas nortenhas e portugalegas, ou dialetais. As explicações entre parênteses não são definições, mas breves referências ou sinónimos para identificar rapidamete o vocábulo. No Léxico Geral indicaram-se os plurais dos singulares em -ão (-ãos, -ães ou -ões) ou, quando não têm plural, a terminação fonética (-am, -om) na pronúncia nortenha da língua. Este trabalho é fruto da pesquisa e da docência, e tem um fim fundamentalmente pedagógico.
A primeira versão deste Prontuário foi publicada pelas Irmandades da Fala em 1984, Revista Temas do Ensino, Nos. 2/3, Braga. Para qualquer consulta ao autor utilize este Este endereço de email está protegido contra piratas. Necessita ativar o JavaScript para o visualizar..
Última revisão: Setembro de 2005
CARLOS DURÃO, DR.
Carlos Durão nasceu em 5 de janeiro de 1943; licenciado em Filologia Inglesa pela Universidade Central (Madrid, Espanha) em 1968; Prof. de idiomas em Londres; redator radiofónico da BBC; tradutor técnico em organismos da ONU; correspondente/colaborador das revistas Grial, Teima, A Nossa Terra, Agália, O Ensino, NÓS, Cadernos do Povo; membro das IFGP, AAG-P e AGAL. Publ.: "A teima" (novela), Editora Galáxia, Vigo, 1973; "Galegos de Londres" (romance), Edições do Castro, Sada, 1978; "O silencio, nós" (novela), 1988, Fundação Europeia Viqueira, Cadernos do Povo, Ponte Vedra-Braga; "Prontuário ortográfico da língua galego-portuguesa das Irmandades da Fala", especial nos 2/3 de Temas de O Ensino, Braga, 1984 (autor e redator principal); "Poemas do não", revista NÓS, nos 4/5/6, 1987; "Paralaxes", Coleção de poesia 5+2=8 Etc aos 4 ventos, Ponte Vedra-Braga, 1994
(sobre a teoria e a praxe de Antão Vilar Ponte)
Dr. Vítor Meirinho Guede, da A.A.G.-P
Fevereiro de 2003
I. Introdução
As referências ideológicas e filosóficas de qualquer movimento político são sempre cruzadas, diversas, e divergentes e contraditórias até, porque diversas são as pessoas elaboradoras do discurso que o compõem e compuseram. Sucede não apenas nos momentos iniciais, mas também nos momentos de consolidação, inclusive se um segmento ideológico hegemónico personifica socialmente toda a ideologia geral. Dessarte, todo movimento que tiver uma certa história pode reinterpretar simbolicamente uma variedade relativamente ampla do material discursivo e ideológico do passado vinculado a ele, primando num certo momento os materiais mais legitimadores da sua linha ideológica ou estratégica actual e deixando de parte outros. Um dos restos que deixou o sistema ideológico do Antigo Regime, nunca plenamente morto, foi o aspecto da legitimação: Carlos Marx intuiu-o quando notou que os líderes dos regimes novos sentem a necessidade de se vestirem com as roupagens dos usos velhos para se mostrarem com elas à vista dos seus súbditos. A dificuldade de fundamentar hoje uma comunidade política que se justifique a si própria de maneira auto-referencial sincronicamente continua segue a ser tão grande nesta época histórica, que por vezes se faz chamar pós-moderna, quanto o foi na própria Modernidade.
O mesmo que sucede nas comunidades políticas assentes num território fixado (chamem-se estados ou outros entes), sucede na maioria dos movimentos cívicos, quer culturais, quer explicitamente políticos, os quais precisam de um sistema ideológico legitimador. Estes movimentos, como micro-comunidades políticas, fazem a sua ré-interpretação simbólica desde o presente, fragmentando e fazendo ainda menos contínuo do que é o pensamento humano do qual querem e conseguem apropriar-se.
As numerosas rupturas ideológicas a respeito do galeguismo anterior à guerra de 1936 que apresentam os grupos nacionalistas fundados após o conflito bélico, hoje virados em nacionalismo hegemónico segundo expressão corrente[1], implicam uma dificuldade de apropriação simbólica das pessoas e dos discursos de determinados vultos do primeiro nacionalismo galego, como João Vicente Biqueira ou Antão Vilar Ponte. Essa ausência de apropriação, lógica aliás noutros segmentos ideológicos do nacionalismo espanhol, resulta contudo surpreendente dentro do nacionalismo galego, quer no declaradamente independentista, quer no federalista. A elevação de Castelão à posição, praticamente, de vulto sacro do galeguismo mostra claramente essa contradição, porquanto as propostas económicas, de estruturação territorial e de definição do âmbito linguístico e cultural da Galiza que faz Castelão[2] devem-se manifestamente às ideias sustentadas pelo sector progressista das primeiras Irmandades da Fala, em que Vilar Ponte e Biqueira são representantes eminentes, e dos quais Castelão frequentemente não faz mais do que uma simples transcrição.
Este trabalho tem duas intenções. Em primeiro lugar, mostrar a linha ideológica de Vilar Ponte, coerentemente ligada nos seus aspectos particulares, e fazer ver como a sua coerência interna leva o político do Partido Galeguista a imaginar a questão nacional galega numa perspectiva de abrangência com Portugal. Em segundo lugar, a exposição dessa linha ideológica poderá sugerir os motivos pelos quais o nacionalismo galego não integra o discurso de Vilar Ponte dentro do seu imaginário, cousa que numa primeira olhada deveria semelhar contraditório, sendo como são o fundador das Irmandades da Fala e o seu grupo da Corunha a origem do segundo Castelão, cujo pensamento eleva o nacionalismo contemporâneo à categoria de dogma político.
II. A postura filosófica (ideológica) universal
Os anos anteriores à Grande Guerra europeia e os que vieram depois deles foram um período de extraordinário desenvolvimento intelectual e estético na Europa. Este desenvolvimento nem deixou de ter influência destacada na Espanha, impregnando a sua produção cultural de um espírito inédito até essa época. No primeiro terço do século localizam-se desenvolvimentos filosóficos e artísticos que fizeram desses anos a segunda “idade de ouro” na cultura espanhola, segundo interpretação generalizada.
Estes anos são, aliás, de um ecléctico entrecruzamento de diversas ideologias e tendências, para além de serem anos de efervescência política, em que se sucederam regimes e projectos políticos variados. No tema nacional, vive-se o progressivo questionamento da forma do estado-nação espanhol, num crescimento contínuo da força dos movimentos separatistas ou descentralizadores e numa diversificação das suas linhas ideológicas e estratégicas[3].
Neste ambiente, o nacionalismo galego acha-se sob doutrinas plurais, e enfrentadas até. A fundamentação da nação ampara-se quer sob o irracionalismo objectivista quer sob a ideia da sua contingência e desenvolvimento dialéctico. Costuma-se distinguir, dentro das Irmandades da Fala e do Partido Galeguista, entre um nacionalismo filosoficamente historicista e politicamente de direita[4], arredor do grupo de Ourense (Risco, Otero Pedrayo, Cuevilhas…), e um nacionalismo subjectivista e de esquerda, que para além de estar mais virado para a acção política (em vez de estar para o labor cultural) teria os seus militantes mais destacados na zona da Corunha. Nele se achariam Manuel Lugris, Eugénio Carré, Lois Penha Novo, Vítor Casas…
Se fizermos caso desta divisão, teremos de colocar João Vicente Biqueira e Antão Vilar Ponte como os pais intelectuais do segundo grupo. A configuração intelectual que ambos dão a este nacionalismo progressista entende-se dentro do substrato filosófico com que chegam ao galeguismo. Tem-se assinalado a confluência de Biqueira com os princípios da Institución Libre de Enseñanza sediada em Madrid[5], onde foi aluno e professor.
As influências filosóficas assinaladas em Biqueira são patentes em Vilar Ponte. Os dous se devem ao princípio de construir os sistemas políticos desde a racionalidade e desde o seu serviço à natureza dos seres humanos, individualmente considerados e não como fazedores de um ente abstrato induzido ou imaginado como essência. Destarte, as formações políticas históricas serão julgadas pela sua correspondência com a sociedade de homens a que elas devem servir. A subordinação do indivíduo a uma suposta transcendência da nação não tem lugar na matriz do pensamento de Vilar Ponte. Isto serve-lhe para criticar directamente a inoculação da ideia do patriotismo espanhol:
¿Incondicionaes d'Hespaña? A incondicionalidade é escravitú. A incondicionalidade inda non se da no senso natural para que poida dárese no senso político. Condicional é o mais respetabre da vida: a relación entre pais e fillos, dentro da familia. ¿Cómo poden existir parvos que falen da santa incondicionalidade a un Estado, sempre cousa artificiosa e mudatre.[6]
Não consideramos que esta opinião sobre o artifício do estado seja apenas uma afirmação estratégica para criticar a invenção da pátria espanhola contida no projecto nacional do Reino de Espanha, mas achamos que a noção da contingência histórica dos estados e da relação não natural destes com o sentimento da “pátria” está fortemente assente no pensamento de Vilar Ponte. Assim é que se explica a recorrência da desdivinização do sentimento patriótico, presente também de passagem em textos não políticos. Em artigo publicado no jornal “El Pueblo Gallego”, a fazer crítica de um livro sobre o suicídio, Antão Vilar Ponte comenta:
El capítulo en que se habla del deber de morir y del derecho a disponer de la vida considerámoslo el más audaz del libro de referencia y estamos seguros que no encontrará el “placet” de aquellos moralistas ochocentistas que han aprendido en De Maitre a distinguir, amén de otras cosas, lo que hay de diferencial entre el acto del soldado que mata a un semejante en nombre de la patria, y el verdugo que ejecuta a un reo por orden de la justicia.[7]
O pensamento político de Vilar Ponte parte destarte de uma filosofia humanista que reconhece como relativos os sistemas sociais construídos historicamente pela Humanidade, e portanto também os conceitos de nação e de estado, sem considerá-los nem realidades eternas nem factos que determinem uma imposição moral a priori para as pessoas. Desta maneira, o discurso de Vilar Ponte adquire uma forte e distinta personalidade face ao tipo de discurso historicista predominante nos nacionalismos do século XIX e começos do XX.[8]
A concepção do nacionalismo galego não se poderia ter formado, para Vilar Ponte, como uma afirmação exclusiva do particular. Antes, a persistência (e faríamos bem em dizer aliás o desenvolvimento) da nação galega é defendida desde a diversidade universal. Duas são as ideias presentes detrás da defesa da galeguidade: a primeira, que o mundo será mais rico quanto mais diversas forem as suas partes; a segunda, que nenhuma dessas partes poderá aceder à universalidade se para isso se impuser como condição a sua despersonalização cultural. Estas ideias aparecem na resposta que Vilar Ponte dirige a Miguel de Unamuno, depois de ter defendido o escritor basco-espanhol a supressão das línguas “regionais” da Espanha para adoptarem os seus falantes a língua castelhana, que os colocaria para ele em melhor disposição de se inserirem no que ele chama de cosmopolitismo:
Así es como nosotros hacemos universalismo. Uniformar es esclavizar, matar. Diferenciar es culturalizar, libertar. Como dice el catedrático Vicente Risco, “sólo preservando nuestras energías autóctonas, nuestra capacidad de creación, podremos contribuir a la civilización universal, incorporando a ella nuestras creaciones inéditas”. Esto nos impone el deber de ser cada vez más gallegos; el enxebrismo tiene este amplio sentido de humanidad que analizó muy bien otro catedrático galleguista: Viqueira. Si ahondáramos un poco en las palabras del señor Unamuno, acaso pudiéramos demostrarle que por escribir a vuela pluma confundió cosmopolitismo con universalismo.[9]
Para além disto, espera-se que esta pluralidade, sendo assumida pela cultura global, contribua para uma sorte de harmonia universal das culturas. As referências a Guyau são abundantes.[10] O “comunismo das culturas”, que em Vilar Ponte adopta o nome de “universalismo”, é diferente do que ele chama de “cosmopolitismo”, designando por esse nome uma renúncia da própria cultura em favor não da constituição de cidadãos do mundo, mas do retorno a um novo provincianismo, limitado aos respectivos centros das capitais estatais. Quer dizer, uma sorte de provincianismo da grande cidade.[11]
Ao cosmopolitismo, gerador para Vilar Ponte de centros vários, mas fagócitos e opostos entre si, opõe-se o universalismo. Este seria caracterizado pelos ideais de harmonia, concorrência e vacuidade nas fronteiras culturais.
A nação significa para Vilar Ponte um facto objectivo mas contingente, construído dialecticamente na história e não seguindo qualquer teleologia. O carácter nacional que se desenvolve com independência das fronteiras marcadas pelos estados, quando ele é feito em harmonia com o entorno das outras nações, constitui-se num dever político derivado da bondade intrínseca da diversidade, factor enriquecedor para o ser humano universal. A contingência da nação significa que ela é construída por vários actores, obrando no contexto de forças históricas. Quer-se dizer que para a realização da ideia de nação num determinado território e população trabalham necessariamente grupos humanos, mais pequenos do que a nação mesma, de modo a construírem a teorização sobre a qual descanse a nação; e aliás, de modo a dotarem essa teorização de suportes práticos.
Ou seja, a nação, quer a Espanha quer a Galiza, devém nação por meio de uma tarefa de construção, encarada por elites conscientes desse processo e defensoras motivadas do mesmo. A ideia de nação de Vilar Ponte não é de nenhum modo historicista à maneira em que entenderiam a maioria dos nacionalistas galegos (pretéritos e actuais), pois não se trata de uma nação existente na latência, que terá de ser “descoberta”. A nação não reside no “povo secular” que se construiu a si próprio sem ter consciência disso. A nação existe primeiro na mente dos que a projectam, e depois, se têm sucesso, na mente da população que é dominada ideologicamente por esta elite. Vilar Ponte tem clara consciência deste facto:
¿Qué importa que muchos campesinos y muchas gentes neutras estén al margen de este, problema, como de tantos otros? Los incultos y los indiferentes son almas líquidas que se adaptan a la forma de todas las vasijas. Nada sabían de régimen parlamentario los aldeanos ingleses y el Parlamento se impuso. Nada sabían de la Enciclopedia, de las doctrinas de Rousseau, ni de los derechos del hombre los habitantes del rus galo, y, sin embargo, la Revolución Francesa triunfó. Aún no se dieron cuenta de lo que es el comunismo, no ya los campesinos eslavos, sino muchos de los pobladores de las urbes moscovitas, y ello, no obstante, el régimen de los soviets impera. Pues lo mismo podríamos decir de España con respecto al sentimiento republicano o socialista que hoy vibra entre nosotros. Las minorías conscientes cuando operan con tenacidad sobre cosas vivas, consubstanciales con el progreso, casi siempre alcanzan victoria.[12]
Só o home dino e libre pode ter unha patria. Pode tela; a non ten sempre, pois hai tempos en que só existe na imaginación de poucos: un, dez, quizais algun cento d'elegidos. (...) Antr'eses poucos está entón a nazonalidade e latexa o nazonalismo; mantéñense alleos ao seus afán os millós d'habitantes que jantan e lucran no país.[13]
Depois desta primeira fase, na qual uma minoria activa se organiza, virá o mergulho de toda a população na ideologia nacional desta minoria, ideologia que se terá tornado no pensamento “normal”. Esta ideologização irá progressivamente impregnando a totalidade, como requer a natureza do conceito de nacionalidade no período histórico moderno. Só aí é que a nação imaginada se terá tornado realmente pátria:
Cando non hai patria, non pode esistir nacionalismo. Este sentimento colectivo só é posible na medida que sinala o latexar unísono dos corazóns. Namentras un país non é patria, os seus habitantes non constituien unha nación.[14]
A consciência de como o processo de construção nacional se verifica leva Vilar Ponte a insistir em várias advertências para os seus companheiros políticos galeguistas, aos quais se dirige por meio de artigos mais imediatamente prosélitos, que se publicam sobretudo no diário “A Nosa Terra”. Antão Vilar Ponte acha que a génese da nação galega (entendida no seu sentido mais próprio e moderno) está mais no futuro que estão a começar as Irmandades da Fala e o Partido Galeguista, e menos no passado. Daí que o emprego simbólico dos materiais do passado não tenha um valor intrínseco, mas um valor colocado em relação com o projecto futuro:
E o remedio contra d'esas crisis da cultura non está no fetichismo do pasado (siñores académicos), senón na sementeira do porvire,[15]
As advertências de Vilar Ponte para os seus companheiros políticos procuram sobretudo duas vias simultâneas, a serem praticadas pelos grupos nacionalizadores galegos, para efectivarem o seu projecto. O primeiro implica a desvinculação do quadro de pensamento e acção que o galeguismo procura combater (o estado-nação castelhano-espanhol), na medida em que se entende ser esse quadro uma ideologia global em todos os aspectos vitais da população espanhola (e com ela a população galega). O facto de que esta ideologia se manifeste de maneira global, não apenas pontual, faz com que o labor de reversão ideológica que devem acometer os galeguistas seja enormemente dificultoso. Por tudo isto, seguindo o particular estilo retórico da época, Vilar Ponte também aplica adjectivos grandiosos à missão de difundir o ideário dos nacionalistas (como “redenção”). Os galeguistas terão de ser um primeiro núcleo onde se verifique o facto nacional; são dessarte um ensaio da sociedade inteira:
Cantos aspiren a redentores, hánse redimir eles primeiro. E ¿sabedes de galegos, agás os nacionalistas, e nin siquer todos, desgraciadamente, que teñan feito na súa conciencia a súa redención individual do castelanismo? Pois esta redención individual é a que traguerá a redención colectiva. Primeiro, redimirse cada ún a sí mesmo; logo, redimí-la intimidade do fogar propio, e o demáis virá por engádega.[16]
Sendo uma sorte de ensaio, ou de “nação incubada”, os nacionalistas deverão ter muito cuidado com a sua própria qualidade interna como pessoas capazes e de cultura. Entende-se que o primeiro carácter que tomar o grupo nacionalista determinará em grande medida o carácter da nação. Eis o motivo pelo qual os nacionalistas terão de dar importância ao seu cultivo pessoal. A cultura (lembre-se a herança krausista da geração corunhesa dentro da qual está Vilar Ponte, e o ideal do homem ilustrado como sustentador da comunidade moderna, que no pensamento da época é sempre comunidade nacional) figura-se como o instrumento que melhor dará a consciência do facto nacional:
O da nazonalidade é un concepto moderno. A cultura é o millor e mais forte cimento da nazonalidade. Sin a cultura os homes non chegan, endebén, a poseeren o verdadeiro sentimento de patria.[17]
III. O correlato particular galego: o espelho simbólico
Uma das ideias centrais para Vilar Ponte, segundo o que acaba de ser exposto, será averiguar a maneira em que o nacionalismo galego (que é tanto cultural quanto político, pela imbricação dos dous aspectos na definição nacional) poderá dar uma feição à Galiza de maneira a ser, simultaneamente, uma sociedade nacionalmente moderna e auto-identificada.
Para todos os nacionalismos hispânicos, o idioma é fundamental. A nação joga-se a possibilidade de ser real dispondo de uma língua nacional utilizada, factualmente e com exclusão de qualquer outra, em todos os âmbitos da sociedade moderna. A construção nacional, destarte, é companheira de uma outra construção, a do modelo de língua, destinada a oferecer possibilidades para uma mudança sócio-linguística.
Confrontado por exigências profissionais com a língua portuguesa utilizada em Portugal, Vilar Ponte, em 1912, tem ocasião de comprovar a vinculação das falas galegas a Norte do rio Minho com as existentes na república. Se as primeiras se acham em condição dialectal e cobertas nos seus usos formais pelo padrão castelhano, quer dizer, em situação de diglossia deslocada[18], as segundas estão inseridas num sistema sócio-linguístico desenvolvido plenamente. A língua do povo português está presente nos jornais, no parlamento; em toda a vida do estado.
Mostrando-se ser a língua dos galegos e dos portugueses a mesma, a conclusão para Vilar Ponte é que a se a língua na Galiza tivesse superado o seu estado actual e se achasse restaurada, os usos linguísticos na Galiza seriam idênticos aos que se verificam no quotidiano em Portugal. A ideia da proximidade da Galiza a Portugal surge então natural, e reafirma o nacionalismo galego, porquanto faz sentir que os galegos têm mais que ver com uma nação teoricamente estrangeira do que com os seus próprios “compatriotas” (castelhanos, andaluzes, catalães...), e aliás surge a impressão de serem as manifestações culturais e institucionais havidas na terra galega umas manifestações impróprias do país, pois as portuguesas seriam menos estrangeiras para os galegos do que as espanholas. Em 1916, Antão Vilar Ponte lembrava deste jeito o que significou para ele o contacto com Portugal:
Pero fue en Lisboa y Oporto, poblaciones que visitamos por exigencias periodísticas, donde nuestro pensamiento acerca del particular se robusteció con vigores indestructibles, sintiéndonos allí, por lo que a la expresión idiomática respecta y aun por lo que hace relación a ciertos usos y costumbres, casi igual que en nuestra tierra, y desde luego más connacionales, a causa de afinidades de raza, de los portugueses que de los madrileños y andaluces. Observando entonces cómo el gallego, transformado al influjo de evoluciones pertinentes de un antiguo nacionalismo, afluía lo mismo a los labios de la aristrocracia que de la mesocracia y del pueblo; viendo cómo sus periódicos -modelo si se les compara con la mayoría de los españoles- parecían más nuestros que los nuestros propios; escuchando la expresión de sus políticos y artistas en palabras hermanas de las nuestras.[19]
A ligação entre duas das ideias legitimadoras do nacionalismo, isto é, as características culturais (e sobretudo as linguísticas) e a configuração histórica da nação (que remete para a sua sobrevivência desde o passado como motivo para procurar a sua sobrevivência no futuro) derivam logicamente na formulação da ideia de serem a Galiza e Portugal dous fragmentos de uma mesma colectividade separados pela acção do ente político e jurídico que despersonalizou a Galiza. Tanto os factores práticos (na linha da filosofia liberal de esquerdas de Vilar Ponte) quanto os históricos dão razão à vontade do político de Viveiro para defender a união galego-portuguesa, mas são os segundos aqueles que fundamentalmente legitimam essa tomada de postura.
O nacionalismo galego tem achado portanto, nessa altura, o seu referente de identidade ou reintegração em Portugal, como tinham feito já alguns pensadores do regionalismo anterior.[20] A ideia de ser Portugal uma sorte de Galiza nacionalizada terá exercido uma importância para certos segmentos nacionalistas, pois é simbolicamente eficaz num momento no qual não existem referentes exclusivamente galegos que contrapor ao referente do modelo nacional espanhol. No momento em que Vilar Ponte funda as Irmandades da Fala (1916), a capacidade simbólica que oferecem os precursores do século XIX acha-se ultrapassada pela capacidade que oferece o estado português. Vilar Ponte atribui –num artigo em que lembra retrospectivamente a constituição das Irmandades– a fundação intelectual do nacionalismo galego à verificação de ser o galego língua de uso pleno, quer dizer, nacional, num estado. Este facto teria revelado o carácter protonacional da Galiza:
E eu dígolles con todo respeto aos “tradicionalistas” da galeguidade actual en movimento, que cando valorizamos Galiza para facela xurdir política e culturalmente de seu, non ollamos a nada antergo –o que non quer dicir que non deba ollarse– senón á realidade “presente” con ollada virxe: vendo un país con lingua propia, viva na maoría dos seus moradores e afincada nun esteo indestrutíbel, o da lingua portuguesa, que lle dá ás nosas arelas unha forza maor que a dos máis pobos diferenciados da Penínsua e de Europa enteira; un país de unidade xeográfica, económica e moral, que só pode trocarse de territorio con habitantes, en pobo con ialma e cibdadanía, en pobo relevante e útil a sí mesmo e ó progreso humán, esculpíndose en sí mesmo para sí mesmo con cincel do próprio estilo.
O noso pulo naceu ollando o presente e o porvir. Xermolaría igoal de non termos historia nin precursores. Os que fitan agora atrás fan ben; nós non fitábamos cando ceibámolo berro primeiro do galeguismo conscente. Sin pasado histórico daríamolo o mesmo. Concebímolo pelegrinando por Portugal. Véndolle vivir a vida moderna na nosa fala.[21]
O negrito, marcado por mim, está a indicar que Vilar Ponte afirma ter nascido o nacionalismo galego por causa de Portugal. Provavelmente não devemos tomar isto como uma afirmação certa se entendemos que Vilar Ponte se está a referir a uma atitude comum na sua geração. O galeguismo existia antes que o referente de Portugal adquirisse uma importância tão elevada, e aliás as divisões do movimento foram contínuas a respeito deste tema (pois se não estivesse dividido a proposição lida por Vilar Ponte na primeira assembleia nacionalista de 1918 teria sido aprovada)[22]. Mas está-se a indicar, com certeza, um processo individual de chegada ao galeguismo por parte de Vilar Ponte –um dos “pais fundadores” mais destacados do nacionalismo–, que teoriza uma ideologia pela qual a Galiza tem por destino Portugal.
Por tudo isto, Antão Vilar Ponte desenvolve nos primeiros anos do nacionalismo galego uma tentativa para fazê-lo entrar numa questão portuguesa, com uma dupla orientação: uma orientação interna procura interessar os nacionalistas galegos (que seriam os construtores da Galiza nacional) em Portugal, pois acha que a aproximação dos galegos a Portugal firmará a personalidade galega. Numa segunda orientação, Portugal tem uma finalidade estratégica: o envolvimento de Portugal com a Galiza multiplica a força política do galeguismo. Os dous aspectos relacionam-se na sua proposição lida na assembleia de Lugo:
1.º Galicia ten que considerar a Portugal, pois élo é axiomático, como o baluarte da sua independenza espiritoal. Namentras Portugal exista como nazón independente, Galicia non perderá endexamais as esencias dunha persoalidá propia, que, esvaida ou non, sempre terán virtude xermoladora dun senso irredentista. Galicia, emporiso, debe ter sempre latexante no seu idearium nazonalista este principio:
“A libertade e a independenza de Portugal considerámol-a os galegos como nosa mesma libertade e independenza, e estaremos dispostos de cote a erguérmonos violentamente contra dos que quixesen esnaquizar aquela”.
2.º Galicia considera o portugués como o galego nazonalizado e modernizado, e asin pensa de fondo e transcendente interés familiarizar entre os galegos a groriosa literatura portuguesa, prova suprema e fecunda de que no noso idioma pode e debe facerse nosa cultura coase inexistente, efeito de cinco séculos de centralismo desgaleguizador que non foron capaces de matar a fala de Rosalía, inda hoxe empregada pol-as cinco sextas partes do povo, e comprendida por todos os galegos.
[…]
3.º Galicia considera que ela con Portugal forma nazón compreta, tallada pol-o fatalismo histórico. […]
H.) Como primeiro paso para todo isto, os nazoalistas galegos teñen que acordaren dirixirense a o Governo portugués con o obxeto que éle na conferencia da paz e dentro da Liga das nazóns, fágase intelprete do noso desexo d’autonomía integral e da nosa door de que namentras os povos neutraes d’Europa viven en xeito de pacifismo interior, Hespaña é o único Estados que gardaron neutralidá na guerra onde fica sen resolver un probrema de nazonalidades e inda o do exercicio da cidadanía, orixe de continua loita interior, estorbo para a civilización xeneral.
Concrusión: Galicia e Portugal estreitadas ao fin supoñerían unha expansión cultural de idioma diferente do castelán tan extensiva coase como a d’este na península e camiño de rivalizar tamén na América, con o baluarte do Brasil, sinificando a redenzón do noso espírito para colaborar por nós mesmos, con todas as esencias naturaes da nosa raza, no superior comunismo da cultura universal, de que falou Guyau.[23]
Portanto, partindo do tipo de fundamentação das propostas de Vilar Ponte e donde elas partem, não dou a importância especial que Ramom Varela Punhal concede ao Norte de Portugal dentro do ideário lusista de Vilar Ponte, quando diz que
Umha parte da terra portuguesa estivo muitos anos ligada a Galiza historicamente, do que se deduz que, para Vilar Ponte, a relaçom com todo Portugal nom é a mesma, se bem nom delimita pormenorizadamente, ao contrário do que fará Castelao, qual é essa parte irmá da galega e falará quase sempre de Portugal sem mais[24]
porque a ideia da proximidade especial da Galiza com o Norte de Portugal, e não como todo o estado português, tem-se firmado sobre considerações culturais (com preferência, provavelmente, das etnográficas) e, se calhar no dia de hoje, económicas. Mas Antão Vilar Ponte está-se a referir a um plano mais puramente político, embora o discurso externo se possa tingir de um verniz cultural.
Na base disto está o mesmo princípio que anos mais tarde enunciou Castelão no Sempre en Galiza: a diminuição da força relativa que Castela[25] tem dentro da Espanha lograr-se-á mediante o balanço que deverão oferecer uma Catalunha e um bloco galego-português fortalecidos, como o acrescentamento da Vascónia. Este princípio programático pressupõe uma tese: que os nacionalismos galego, basco e catalão nascem de uma insegurança motivada pelo peso desproporcionado do bloco central, castelhano-andaluz. A manutenção dessa desproporção alimenta o sentimento de insegurança nas “periferias”, e fá-lo derivar progressivamente, em último termo, na vontade de se separarem de Espanha[26]. A realização de um sistema de contrapesos, no qual se incluiria um Portugal unido à Galiza faria possível manter a união das partes de Espanha e realizaria nela o ideal da harmonia cultural.
A aproximação da Galiza a Portugal fita, portanto, para a Confederação Ibérica, para a aproximação de Portugal à Espanha por meio da Galiza. Mas pode-se inferir não ser esta a intenção principal, por aparecer menos vezes no discurso do que outra intenção, a de firmar a diferença da Galiza a respeito do resto do estado. Para o segundo é imprescindível a concorrência de Portugal; a realização da Federação Ibérica também não poderá ser feita sem o estado luso. Quer para o primeiro, quer para o segundo, a existência do estado português será a principal força em que o galeguismo, estrategicamente, terá de avançar:
Sempre que se fale da Federación Ibérica, teremos que apuntar os nazonalistas galegos unha cousa moito esencial. A nova posición de esprito, o novo credo ideolóxico que pouco a pouco van conquerindo vontades da nosa Terra, así o pide. ¿E que cousa é a apuntar? Deciredes.
A de que Galiza considera como postulado do seu ser a independenza de Portugal. Esta independenza foi e será sempre, a garantía e defensa da nosa persoalidade. Se a o longo da Historia de Portugal estivese perdida sua independenza, nen a máis pequena sombra do “ser” galego eisistiría hoxe. Mentras eisista Portugal con caraiterísticas propias, haberá razón na Galiza pra loitar pola reivindicazón da ialma nazonal.
A independenza da Lusitania groriosa é, pois, o mesmo que a nosa propia independeza; quen atentare contra aquela, será o nemigo maor do galeguismo. Ten para nós forte intrés a eisistencia dun Estado luso grande, próspero, soberano absoluto dos seus destinos, capaz de pesar tanto como Castela, no prano da balanza das hexemonías ibéricas.
Na “Atlántida”, de Verdaguer, o xigante luso salva Galiza. Pois o mito primitivista do poeta catalán, ten na realidade, dende os séculos antigos ate hoxe, un eco de certo. Mentras viva Portugal, vivirá Galiza. Mentras Portugal sexa forte, haberá a posibilidade de que Galiza chegue a selo. Os galegos que non amen Portugal non amarán tampouco Galiza.[27]
Antão Vilar Ponte é consciente do conflito que poderia acarretar o facto de os nacionalistas organizados seguirem a via que ele assinala. Acredita que devido a que os galegos podem seguir o caminho de se apoiarem num estado soberano além das fronteiras espanholas (cousa que não podem bascos nem catalães) o nacionalismo galego é potencialmente o nacionalismo com mais sucesso, de todos os que operam dentro da Espanha, se os nacionalistas da Galiza se decidirem a fazê-lo assim.
IV. Conclusão: resumo e revisão actualizada (para o ano 2003)
A filiação de Antão Vilar Ponte ao galeguismo deriva de quando a sua filosofia política prévia, formada na esquerda liberal espanhola de começos de século, entra em contacto com a realidade social e cultural portuguesa. Após esse facto, Vilar Ponte imagina a Galiza dentro de um pensamento de esquerda no qual a nação devém objecto a partir da relação entre umas bases objectivas e a acção organizadora da minoria reitora da sociedade (núcleos galeguistas). Destarte, desloca o essere da nação para a vontade de uma parte da população, afastando o nacionalismo galego do ideário mais historicista que encarna o grupo de Ourense (principalmente). Portugal desempenha um duplo papel no ideário de Vilar Ponte: de uma parte, é referente de identidade, meta de chegada do processo nacionalizador galego. Da outra, é instrumento estratégico, multiplicador da força dos galeguistas.
O jeito em que Vilar Ponte defende as suas posições, à maneira de invocação, evidencia que não eram compartilhadas pela totalidade dos seus companheiros, ou, no mínimo, que Vilar Ponte percebia fraquezas na sua assunção. O fundador das Irmandades da Fala tencionou suprimir a divisão do galeguismo a respeito da conveniência da aproximação a Portugal (e também à América Latina) porque calculava dotá-lo assim de uma acção eficaz. A divisão, porém, perdurou, influída possivelmente pelo peso que o espírito etnográfico (mais tendente a atender as diferenças do que a abranger visões de conjunto) exerceu, para próprios e alheios, na olhada deitada sobre a Galiza.
A encruzilhada em que o galeguismo se achava na altura é fundamentalmente semelhante àquela em que se acha hoje o processo nacionalizador (pretenso ou real) da Galiza. E provavelmente o é porque o galeguismo não resolveu os seus dilemas orientando-se para uma finalidade estratégica prática, e aceitou (consciente ou inconscientemente) desenvolver-se, até hoje, seguindo a acção do mito de Sísifo.
As causas endógenas disto residem provavelmente em várias cousas. Destaco, entre elas, a que mais propriamente tem que ver com factores ideológicos: a falsa compreensão, muito frequente, de certas concepções sobre a identidade da Galiza como se fossem verdades de tipo natural e não como se fossem aquilo que realmente são, isto é, concepções relativas derivadas de um substrato ideológico particular (nomeadamente, aquele que vem da construção teórica do nacionalismo espanhol datada no século XIX e praticada desde aquela época até hoje). Precisa-se na Galiza, ainda hoje, uma maior compreensão da relação existente entre as concepções que fazemos de nós próprios e as consequências práticas disto. Dessa maneira, compreender-se-ia melhor qual devera ser o caminho mais viável, não para construirmos uma identidade que nos ofereça uma auto-satisfacção individual –ou individualista–, mas para alcançar uma meta implementada colectiva e realmente (e diga-se de passagem que também se poderia chegar ao estabelecimento mais fiável de verdades a respeito de nós mesmos). Tudo isto exige capacidade intelectual para ultrapassar o idealismo filosófico como método de compreensão da realidade.[28] Superá-lo é melhorar o discurso, e portanto ganhar oportunidades para fazê-lo mais visível (pois normalmente as pessoas que mais evitam explicar publicamente os seus valores ideológicos são aquelas que menos confiam neles). Destarte, hoje a revisão crítica das concepções em que se têm fundamentado os defensores da causa galega é uma necessidade para firmar um movimento cujos avanços derivem não da maior aceitação social produzida pela diluição do conteúdo ideológico do movimento, mas pela penetração que esse conteúdo –se ele for correcto e bom– consegue na sociedade.
Bibliografia
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Antonio Villar Ponte: Escolma; Compostela, Universidade de Santiago, 1977
[1] Estou a me referir à matriz do nacionalismo actual gerada nos anos sessenta arredor dos movimentos nacionalistas primariamente marxistas, que tomaram mais tarde as referências “culturalistas” consolidadas durante a época da ditadura.
[2] Vid. o Sempre en Galiza.
[3] Na Catalunha, o nacionalismo de Cambó diferencia-se da Esquerra Republicana. Na Vascónia espanhola, cinde-se o Partido Nacionalismo Vasco em duas linhas possivelmente mais iguais do que se costuma pensar. No nacionalismo da Galiza participam sectores diversos, que por vezes se recolhem sob organizações separadas.
[4] A classificação que figura, por exemplo, em Justo Beramendi e Xosé Manuel Núñez Seixas: O nacionalismo galego; Vigo, A Nosa Terra, segunda edição, 1996
[5] Vid. notas e prólogo de António Gil Hernández em João Vicente Biqueira: Obra selecta (Poesia e ensaio); Ponte-Vedra/Braga, Cadernos do Povo - Revista Internacional da Lusofonia, nº 43-46, 1998
[6] Discursos a nazón galega, in “A Nosa Terra”, nº 75, 15 de Dezembro de 1918, p. 4
[7] El instinto de la muerte, compilado em Pensamento e sementeira, p. 164
[8] e infelizmente ainda subjacente em boa parte do nacionalismo galego do século XXI…
[9] O sentimento liberal na Galiza; artigo publicado no jornal “El Noroeste” e recolhido em Pensamento e sementeira, p. 308
[10] Jean-Marie Guyau (Laval, 1854-Menton, 1888), filósofo francês positivista autor de Esquisse d’une morale sans obligation ni sanction (1884), L’irréligion d l’avenir (1887) e L’art au point de vue sociologique (1889, publicada postumamente).
[11] O uso da palavra “cosmopolitismo” por Vilar Ponte não se corresponde, evidentemente, com o seu significado real. Possivelmente tenha usado este termo para combater com sarcasmo a invocação que do “cosmopolitismo” faziam muito frequentemente os defensores da uniformidade linguística e cultural da Espanha, nisto tão semelhantes aos actuais pseudo-progressistas da “España constitucional” e “incluyente” pela via digestiva.
[12] Sobre la autonomía regional, publicado no jornal “El Pueblo Gallego”; in Pensamento e sementeira, p. 107-108
[13] Discursos a nazón galega, in “A Nosa Terra”, nº 76, 25 de Dezembro de 1918, p. 1
[14] Seleção do Facho, p. 17
[15] Discursos a nazón galega, in “A Nosa Terra”, nº 76, 25 de Dezembro de 1918, p. 1
[16] Seleção do Facho, p. 16
[17] Discursos a nazón galega, in “A Nosa Terra”, nº 76, 25 de Dezembro de 1918, p. 1
[18] O conceito foi desenvolvido, na Galiza, por António Gil Hernández e Henrique Rabunhal Corgo. A situação normal de diglossia, presente em todas as línguas nacionais normalizadas, consiste em que as falas da língua nacional, que se apresentam fragmentariamente entre si e num registo informal, estão cobertas no seu uso formal por uma variante culta da língua nacional. Esta variante exerce influência sobre as falas informais, aproximando-as para si. A situação de diglossia deslocada dá-se quando os usos formais não estão representados pela própria língua em que se desenvolvem os usos informais, mas por outra diferente à que emprega o comum na população em situações que requerem de um menor cuidado linguístico. Diz-se então que as falas de base deslocaram o seu padrão, adoptando o padrão de uma língua estranha. É desta maneira que este padrão exerce influência sobre as realizações concretas da língua nos falares populares, afastando a língua minorizada das suas feições próprias.
[19] Nacionalismo gallego. Nuestra afirmación regional, in “La Voz de Galicia”, 1916, p. 38
[20] Vid. os esquemas contidos nas páginas 334-336 de Ramón Máiz: A idea de nación; Vigo, Xerais, 1997
[21] O que vai de 1916 a 1936, in Pensamento e sementeira, p. 300
[22] O próprio subtítulo de “Discursos a nazón galega”, que Vilar Ponte vai publicando por entregas n’A Nosa Terra, sugere que o autor era consciente de estar subvertendo partes substanciais do ideário corrente dos galeguistas quando explica as suas ideias a respeito de Portugal. O subtítulo era “Revisando valores”.
[23] Proposição lida na Assembleia Nacionalista de Lugo; publicada com o título de Pangaleguismo. O camiño direito, em “A Nosa Terra”, nº 77, ps. 5-6
[24] Ramom VARELA PUNHAL: Relaçons Galiza-Portugal em Antom Vilar Ponte, p. 164
[25] Quando Castelão se refere a Castela fá-lo, de uma maneira algo imprópria, a todos os territórios de fala castelhana, incluindo a Andaluzia, como é sabido.
[26] Castelão será claro em atribuir o separatismo à política de assimilação do projeto espanhol, prognosticando que será Espanha quem obrigue os galegos (e Castelão próprio) a serem separatistas, algo que em princípio não concorda com o seu ideal de confederação ibérica.
[27] Visión internazonalista, in Pensamento e sementeira, ps. 218-219
[28] Exigência que devia ser aliás mais urgente, sequer pelo facto de ser o nacionalismo galego um movimento cuja maioria de militantes pertence à esquerda política…
Vítor Meirinho nasceu em 1978 em Ourense. Licenciado em Ciências Políticas e da Administração, é membro ativo de diversas associações culturais. Além da Associação de Amizade Galiza-Portugal, pertence à Assembleia da Língua, Associação Galega da Língua e o Movimento Defesa da Língua.
PROF. ANTÓNIO GIL HERNÁNDEZ |
BIBLIOGRAFIA SELECTIVA:UMA CLASSIFICAÇÃO POR CONTEÚDOS |
APRESENTAÇÃO (DES)NECESSÁRIA
O Prof. Dr. António Gil Hernández (Valladolid, 1941), tem-de destacado, nos últimos 20 anos, pela sua intensa tarefa inteletual em prol da sociolinguística galega. Esta atividade, brilhante e contínua, só é explicável, numa pessoa de origem castelhana e no contexto sociopolítico da Galiza, pelo seu compromisso ético e pela defesa da verdade por cima de qualquer outra consideração. O resultado deste labor, desenvolvido em congressos, seminários, encontros, revistas, e em diversas associações culturais, fica patenteado na bibliografia selecta que apresentamos.
Gil tem recebido, pela sua coerência, o boicote dos adversários isolacionistas e, também por vezes, a incompreensão dos esperáveis colegas "reintegracionistas". O silêncio, como ausência de discussão e respostas aos problemas, que se acha na origem da frustração entre os interessados na lusofonia da Galiza, é o leitmotiv do seu Silêncio ergueito (1996). É um livro de denúncia e esperança em apelo constante ao leitor, onde analisa a partes iguais língua, literatura e notáveis, reproduzindo e comentando textos que já editara vários anos antes com uma clareza premonitória. Do seu prefácio (1992) reproduzo este parágrafo esclarecedor:
“c. Tento explicar, em consequência, todos os silêncios dos mundos assentes na Galiza espanhola (e até na portuguesa) cujo imediato intuito exterminador (quero crer) alcança, não tanto o cidadão razoante, quanto os textos razoadores. Digo-o com a ingenuidade do democrata” (pág. 24).
É considerado, com muito, o mais importante investigador no âmbito da sociolinguística galega e, pela quantidade e profundidade das suas análises, comparável só com outros esclarecidos colegas, como o seu amigo Lluís V. Aracil. Esta afirmação fica demonstrada pelo grande número de alunos, hoje professores ou simples amadores desta disciplina, que nos temos introduzido no seu estudo através da leitura dos seus trabalhos, da sua comunicação epistolar e de longas conversas em diversos encontros. A sua obra e a sua dedicação pessoal constituem modelo e referente indispensáveis.
Colaborador habitual das revistas Cadernos do Povo, Nós, O Ensino, Temas do Ensino e Agália (da qual tem sido, oficiosamente, diretor), tem participado em quase todos os mais importantes congressos e encontros, nacionais e internacionais, sobre a situação da língua portuguesa na Galiza. Juntamente com o Dr. José Luís Fontenla Rodrigues, integrou a Delegação da Comissão Galega do Acordo Ortográfico, no encontro de unificação ortográfica de 1990 em Lisboa. É membro da Associação de Amizade Galiza-Portugal , das Irmandades da Fala da Galiza e Portugal, da Comissão Galega do Acordo Ortográfico e da Sociedad Española de Lingüística.
Esta bibliografia, selectiva dos seus estudos sociolinguísticos, é o resultado das nossas leituras e não inclui, portanto, toda a sua produção mas sim aquela que consideramos mais relevante nesta disciplina. Contudo, não deve considerar-se definitiva; a sua classificação obedece ao interesse por orientar os possíveis leitores. Além da sociolinguística, Gil tem publicado também livros de poesia, artigos de ensaio literário e outros mais propriamente da linguística estrita.
Ângelo Cristóvão, da A.A.G.-P.
Janeiro de 2003
TEORIZAÇÃO, FUNDAMENTOS E HISTÓRIA DA SOCIOLINGUÍSTICA |
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Galiza. (Epílogo para galegos, portugueses, brasileiros e africanos de
expressom portuguesa)” in: Temas do Ensino, nº6/10, Vol. II, Ponte Vedra -
Braga, 36 págs.
1988: “Dez pontos para a discussão sobre o galego”, in: Nós, nº 7-12, Ponte Vedra -
Braga, 4 págs.
1988: “A língua escrita, enquanto símbolo identificador” in: O Ensino, nº 23-28, Ponte
Vedra - Braga, 5 págs.
1988: “A Língua como facto social: Língua e nação” (segunda missiva), in:
Agália nº14, Verão, Ourense, 9 págs.
1989: O conceito de diglossia segundo Ch. A. Ferguson, e a sua pertinência para a
Comunidade Lusófona da Galiza. Um caso de diglossia por deslocação"
(artigo elaborado juntamente com o Prof. Dr. Henrique Rabunhal), in: Nós, núm.
13-18 (Janeiro-Dezembro), Ponte Vedra - Braga, 27 págs.
1994: “Limiar ajoelhado e rouquenho a um “silêncio ergueito” e descontraído”,
in: Nós nº 35-40, Ponte Vedra - Braga, 8 págs.
1994: “Mais sobre língua literária da “galegofonia” in: Temas do Ensino, nº
27-38, (Vol. VII-IX), Ponte Vedra - Braga, 8 págs.
ANÁLISE DO ORDENAMENTO JURÍDICO RELATIVO À LÍNGUA, NA GALIZA |
1985: “A situação de direito no Estado Espanhol: desigualdade entre as
comunidades linguísticas. Uma opinião desde a Galiza” in: O Ensino nº
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inconstitucionalidade contra as Leis de Normalizaçom Linguística, in specie
a galega” (com o Prof. Doutor Xavier Vilhar Trilho), in: Agália nº10, verão,
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Estravís: Estudos filológicos galego-portugueses, Alhena Ed., Madrid, 45 págs.
1991: “Isolacionismo e constrita desgaleguização da comunidade lusófona na
“Comunidade Autónoma Galicia”. Congruência do “autonomismo bien
entendido” com o Language Planning, dito “possível” e “realista”,
permitido pela legalidade fundamental espanhola”, in: Nós, nº 19-28, Ponte
Vedra - Braga, 22 págs.
1991: “Corpus Planning/Status planning: correlacionamentos”, comunicação
apresentada ao I Seminario Internacional sobre Planificación Lingüística”
organizado pelo Consello da Cultura Galega em Santiago de Compostela
(texto ampliado), in: Nós, nº 19-28, Ponte Vedra - Braga, 14 págs.
1996: Silêncio ergueito. Apontamentos sócio-políticos sobre questões
aparentemente idiomáticas (infelizmente certificados apenas dez anos
depois). Ed. do Castro, Corunha, 285 págs.
LÍNGUA E NACIONALISMO GALEGO. HISTÓRIA DAS “CONCÓRDIAS NORMATIVAS” E DAS ORGANIZAÇÕES NORMALIZADORAS |
1984: “Tese reintegracionista” in: AA.VV.: Que galego na escola?, I Encontros
Labaca, Ed. do Castro, Corunha.
1985: “Normativização na Galiza: contra as regras de ortografia para a
desnormalização dos usos do galego”, in: Temas de O Ensino nº 4/5,
1985, Vol. I., Ponte Vedra - Braga (Parcialmente incluído no texto “Humildade
e cortesia intelectual”, in: Agália, nº 6, Verão, Ourense, 1986).
1986: “Partidos políticos e estandardização do idioma na Galiza”, in: Agália, nº
7, Outono, Ourense, 14 págs.
1990: “Da marginalidade à marginalização: cultura e democracia na
Comunidade Autónoma galega”, comunicação apresentada aos
Primeros Encuentros de la Sociología en Galicia. Santiago de
Compostela, 6-7 de dezembro. Inédito.
PROF. ANTÓNIO GIL HERNÁNDEZ |
BIBLIOGRAFIA COMPLETA(Dezembro 2005) |
1.- LINGUÍSTICA («práxica») [L]
L-1980 a) «Sobre o lusismo» in Man Común (Corunha), núm. 1, p. 56.
L-1980 b) e c) «Sobre o normal e as normas» (I e II) in Man Común (Corunha), núms. 3, pp. 35-36, e 4, pp. 33-34. Recopilado em Silêncio ergueito, Eds. do Castro, Corunha, 1991.
L-1980 d) «Carta aberta a amigos (e inimigos) sobre a posível normativa ortográfica do galego in Man Común (Corunha), núm. 5, pp. 18, Dezembro.
L-1981) «Para unha ortografia axeitada do galego: «comer o caldo» ou «come-lo caldo»?» in O Ensino (Ourense), núm. 2 (Maio-Agosto), pp. 39-45.
L-1981-1982) «Apontamentos sobre a ortografia do galego» in A Nosa Terra (Vigo), núms. 164 (Novembro) a 178 (Março).
L-1982) «Observaciones sobre la lengua escrita. Acerca del uso de LH: 149-150) y NH en gallego según la Traducción gallega de la Crónica General y de la Crónica de Castilla (edición del Dr. Lorenzo Vázquez), comunicação apresentada ao IX Simposio de la Sociedad Española de Lingüística (Oviedo,1981); resumo publicado na Revista Española de Lingüística (Madrid), vol. 12.1, pp. 149-150.
L-1982 a) «Ortografia, escrita correcta ou algo mais?» (I e II), in A Nosa Terra (Vigo), núm. 187, p. 16, e núm. 188, p. 19.
L-1982 b) A. Gil Hernández/X. R, Pena Sánchez/X. C. Rábade Castiñeira, Língua galega. 2, Everest Libros, León. Pode hoje servir de livro de texto para 2.o e 3.o de B.U.P.
L-1983) «Estatuto lingüístico del gallego y ortografía: breve recorrido por gramáticas y normas (desde el s. XIX)», resumo da comunicação redigida para o XII Simposio de la Sociedad Española de Lingüística (1982), e finalmente não apresentada, mas publicada em J. Polo (1986), Epistemología del lenguaje e historia de la lingüística. Momentos de su desarrollo bibliográfico en el ámbito hispanohablante, Editorial Gredos, Biblioteca Románica Hispánica, Madrid, pp. 113-114.
L-1983) Fazendo parte da «Comissom Lingüística» da Associaçom Galega da Língua
(AGAL), colabora na redação do Estudo Crítico das Normas Ortográficas e Morfolóxicas do Idioma Galego (ILG- RAG, 1982).
L-1984) «Os princípios da última proposta normativizadora para o galego: consistência teórica», comunicação apresentada ao XIII Simposio de la Sociedad Española de Lingüística (Madrid, Dezembro de 1983); resumo publicado na Revista Española de Lingüística (Madrid), vol. 14.1, pp. 157-158.
L-1985) Fazendo parte da «Comissom Lingüística» da Associaçom Galega da Língua
(AGAL), colabora na redação do Prontuário Ortográfico Galego.
L-1986) «Um «dicionário» escolar. Impressom primeira», sob o pseudónimo de Roi VALES DA OLIVEIRA, in Agália (Corunha), núm. 8 (Inverno), pp. 489-490.
L-1987 a) ««Lixeiros comentários sobre temas lingüísticos», de C. García», sob o pseudónimo de AGIL.ULFO (como o título diz, comentam-se criticamente as propostas do Professor asturiano em Follas da lingua), in Agália (Corunha), núm. 12 (Inverno), pp. 446-453.
L-1987 b) «Sobre dicionarios galegos e temas enleados. Conversa (grafada) com Isaac Alonso Estravís, diretor e autor do Dicionário da língua galega comum», epílogo a I. Alonso Estravís, Estudos filologicos galegoportugueses, Alhena Eds, Madrid, pp. 287-334.
L-1987 c) «As normas de correção idiomática propostas desde 1970 para o galego. Análise do discurso legitimador», comunicação apresentada ao XVI Simposio de la Sociedad Española de Lingüística (Madrid, Dezembro de 1986); resumo publicado na Revista Española de Lingüística (Madrid), vol. 17.1, p. 170.
L-1987 d) «Sobre o Acordo Ortográfico desde a Galiza» in Temas de O Ensino (Braga/Ponte Vedra), núms. 11-13, monográfico sobre O Acordo Ortográfico e a Lusofonia, pp. 49-55. Texto da comunicação ao II Encontro Luso-Galaico de Escritores (Melgaço, Agosto de 1986).
L-1987 e) J. Angel de Francisco (coordinador do Grupo «Limen», em que estava incluido Gil), Lenguas modernas y latín, Cuaderno de trabajo núm. 1, Gandía; em especial, pp. 185-209.
L-1988 a) «Dez pontos para a discussão sobre o «galego» [texto ampliado das pontualizações à comunicação do Prof. Leodegário de Azevedo Filho, da Universidade do Rio de Janeiro, ao II Congresso Internacional da Língua Galego-Portuguesa na Galiza, Santiago de Compostela-Ourense, Setembro de 1987), in Nós (Braga/ /Ponte Vedra), núms. 7-12, pp. 113-118.
L-1988 b) «A língua escrita enquanto símbolo identificador. Aos dez anos dos Estudos Galego-Portugueses. Por uma Galiza renovada (1979), do Prof. Rodrigues Lapa, in O Ensino (Braga/Ponte Vedra), núms. 23-28, pp. 199-203. Constitui, reelaborado, o texto de L-1989.
L-1988/1989) «La questione della lingua na Lusofonia: confusões, efusões e difusões. Um apontamentos com intuito de precisão» in Temas de O Ensino (Braga/Ponte Vedra), núms. 14-20, monográfico sobre A Lusofonia, unificação ortografica e politica linguisticocultural, pp. 29-31.
L-1989 a) «A língua escrita enquanto símbolo identificador. Aos dez anos dos Estudos Galego-Portugueses. Por uma Galiza renovada (1979), do Prof. Rodrigues Lapa», comunicação apresentada ao XVIII Simposio de la Sociedad Española de Lingüística (Madrid, Dezembro de 1988); resumo publicado na Revista Española de Lingüística (Madrid), vol. 19.1, p. 150-151.
L-1989 b) Fazendo parte da «Comissom Lingüística» da Associaçom Galega da Língua (AGAL), colabora na revisão e acrescentamento da segunda edição do Estudo Crítico das Normas Ortográficas e Morfolóxicas do Idioma Galego (ILG- RAG, 1982).
L-1990) «Dos Estudos, do prof. Rodrigues Lapa, aos Problemas, do prof. Carvalho Calero», in Actas do III Congresso Internacional da Língua Galego-Portuguesa na Galiza, Editadas em Ourense, 1992, pp. 561-567.
L 2002) «Temas sobre teimas. Comentários sobre um texto do Prof. José Enrique Gargallo Gil», in http://www.lusografia.org/antoniogil.htm.
2.- SOCIOLINGUÍSTICA [S]
S-1981) «Galicia y el idioma gallego: una situación de particular interés sociolingüístico», comunicação apresentada ao X Simposio de la Sociedad Española de Lingüística (Madrid, Dezembro de 1980); resumo publicado na Revista Española de Lingüística (Madrid), vol. 11,1, pp. 201-202.
S-1986 a) «Aproximaçom à análise do[s] discurso[s] sobre a língua em textos da «filologia oficial» na Galiza. Traços fascistóides no discurso e na prática (dos) isolacionistas sobre o galego», texto muito ampliado da comunicação ao I Congresso Internacional da Língua Galego-Portuguesa na Galiza (Ourense, Setembro de 1984), in Actas, Corunha, pp. 81-126.
S-1986 b) «Dimensões no processo normalizador de uma Comunidade Linguística: Galiza. (Epílogo para galegos, portugueses, brasileiros e africanos de «expressom portuguesa»), in Temas de O Ensino (Braga/Ponte Vedra), núms. 6-10, pp. 247-283.
S-1987) «As normas de correção idiomática para o galego desde o ano 1970. Análise do discurso legitimador» in O Ensino (Braga/Ponte Vedra), núms. 18-22, Homenagem ao Prof. Carvalho Calero, pp. 243-263. Constitui o texto, reelaborado e muito ampliado, de L-1987 c).
S-1988) «A língua como facto social. Duas missivas» (nota-recesão a História da Língua, de X. I. Pérez Pascual e A. Reboleiro, e a Curs de Sociolingüística I, de A. Mollà e C. Palanca), in Agália (Corunha), núm. 14 (Verão), pp. 309-323.
S-1988/1989 a) «A lingua galegoportuguesa na Galiza. «Sobre o que se passa na Galiza (espanhola)». Conversa -- reflexiva -- com lusofonos interessados» in Temas de O Ensino (Braga/Ponte Vedra), núms. 14-20, monográfico sobre A Lusofonia, unificação ortografica e politica linguisticocultural, pp. 117-122.
S-1988/1989 b) «As minhas razões para acreditar na Lusofonia» in Cadernos do Povo (Braga/Ponte Vedra), núms. 5-14, monográfico sobre O fenomeno literario nos paises lusofonos. Literatura galega, portuguesa, brasileira e africana, pp. 17-19.
S-1989 a) «Diglossia: conceito adequado à Galiza?» in Folhas de Cibrão (Santiago de Compostela), núm. 1, pp. 68-75.
S-1989 b) «A diglossia é condição de normalidade sociopolítica: sequência de «caminhos a seguir»» in Folhas de Cibrão (Santiago de Compostela), núm. 2, pp. 49-52.
S-1989 c) «O correlacionamento diglóssico é condição de normalidade» (texto da comunicação ao III Congreso de Sociología da FASEE, no apartado «Sociología de la lengua»), Donostia, (a publicar nas Actas).
S-1989 d) A. Gil Hernández/H. M. Rabunhal Corgo, «O conceito de diglossia segundo Ch. A. Ferguson e a sua pertinência para a Comunidade Lusófona da Galiza. Um caso de diglossia por deslocação» (que agora subtitularia «um caso de diglossia deslocada»), in Nós (Braga/Ponte Vedra), núms. 13-18 (Janeiro-Dezembro), Homenagem ao Prof. Guerra da Cal, pp. 361-388. Inclui a versão galego-portuguesa do artigo «Diglossia».
S-1990 a) «Anotações» a J. Schmidt-Radefelt» Aspectos da interferência linguística. O exemplo galego» (texto da comunicação ao XIX Congresso de Linguística e Filologia Românicas, Santiago de Compostela, Setembro de 1989, cuja publicação o Professor autorizou expressamente), in Agália (Corunha), núm. 22 (Verão), pp. 143-159.
S-1990 b) «Propostas para um processo normalizador da comunidade linguistica galaico-portuguesa na Galiza: mais sobre o conceito de diglossia», comunicação apresentada ao XIX Simposio de la Sociedad Española de Lingüística (Salamanca, Dezembro de 1989); resumo publicado na Revista Española de Lingüística (Madrid), vol. 20.1, p. 182.
S-1990 c) «Da marginalidade à marginalização: Cultura e democracia na Comunidade Autonómica galega», comunicação apresentada aos Primeros Encuentros de la Sociología en Galicia, organizados pela Asociación Galega de Socioloxía, na Faculdade de Ciências Económicas e Empresariais da Universidade de Santiago de Compostela (6-7 Dezembro de 1990). As Actas acham-se no prelo. Publicado em www.lusografia.org, 2006.
S- 2000) «Apontamentos desde a Galiza (espanhola) sobre o discurso da/de unidade para a lusofonia», in: Estudos dedicados a Carvalho Calero, reunidos e editados por José Luís Rodríguez, Tomo I, Lingüística. Parlamento de Galicia, Universidade de Santiago de Compostela, pp. 565-575.
3.- GLOTOPOLÍTICA [G]
G-1984) M.a D. Arribe Dopico/A. Gil Hernández/J. C. Rábade Castinheira, Que galego na escola? Anotaçons para umha proposta de planificaçom lingüística. Tese reintegracionista, in AA.VV., Que galego na escola? «Ponencias» ao I Encontros LABACA (Corunha, Junho de 1983), Eds. do Castro, Sada/Corunha, pp. 43-175 (a colaboração de Gil compreende as pp. 57-153).
G-1985 b) «Sobre discriminações «por razón de la lengua» na Comunidade Autónoma de «Galicia» (Spain)», comunicação, apresentada no apartado «Língua», ao III Colóquio Galaico-Minhoto (Viana do Castelo, Setembro), ainda não foram publicadas as Actas.
G-1986 a) «Normativizaçom na Galiza», texto (ampliado) da intervenção na «Mesa Redonda» sobre Normativização no I Congreso Internacional de Sociología de Línguas Minorizadas (Getxo/Badura, Outubro de 1984), publicado nas Actas, editadas por José-Agustín Ozamiz e José Ignacio Ruiz Olabuénaga, ttarttalo, San sebastián, pp. 199-224. «Normativizaçom na Galiza: contra as regras de ortografia para a desnormalizaçom dos
usos do galego», in Temas de O Ensino nº 4/5, Vol. I, Ponte Vedra – Braga, pp. 139-156.
G-1985 b) «A situaçom «de direito» no Estado espanhol: desigualdade entre as comunidades linguísticas. Uma opiniom desde a Galiza», texto revisto de G-1987, in O Ensino (Braga/Ponte Vedra), núms. 11-13, pp. 115-127.
G-1986 c) «Humildade e cortesia intelectual. Resposta aberta a X.F.R» (artigo que responde à «ponencia» de D. Xesús Ferro Ruibal nos I Encontros Labaca, Corunha 1983), in Agália (Corunha), núm. 6 (Verão), pp. 127-160.
G-1986 d) «Partidos políticos e estandardizaçom do idioma na Galiza» (comunicação ao Encontro sobre o estado actual da normalización lingüística (análise da política oficial e alternativas), Compostela 18-20 de Abril de 1986), in Agália (Corunha), núm. 7 (Outono), pp. 309-323.
G-1986 e) «Usos e abusos «partidários» do Galego-Português na Galiza» in Nós (Braga/Ponte Vedra), núm. 1 (Janeiro-Abril), pp. 28-32.
G-1986 f) Fazendo parte da «Comissom Sociolingüística» da Associaçom Galega da Língua: «Um produto mais do «melhor» regionalismo: AA.VV., Aspectos sociolingüísticos do bilingüísmo en Galicia. Segundo os alumnos da 2.a etapa de E.X.B. (1986)» in Agália (Corunha), núm. 6 (Verão), pp. 197-203.
G-1987 a) A. Gil Hernández/X. Vilhar Trilho, «Informe sobre a Sentença do Tribunal Constitucional no recurso de inconstitucionalidade contra as Leis de Normalizaçom Lingüística, in specie a galega» in Agália (Corunha), núm. 10 (Verão), pp. 229-239.
G-1987 b) «Igualdad y desigualdad entre las Comunidades lingüísticas: una opinión desde la Comunidad Autónoma gallega», texto ampliado da intervenção na «Mesa Redonda sobre las lenguas del Estado español» no Sinposio para la Innovación en la enseñanza de la lengua y la literatura, organizado pela «Subdirección General de Formación del Profesorado», Madrid, Junho de 1984, publicado nas Actas, Madrid, pp. 235-248.
G-1986.1989) «Reflexões de Castelão sobre a língua (contidas no Sempre em Galiza): da correlação entre o projeto político, o «modelo linguístico» e a porposta formalizadora» (texto da comunicação ao Congreso Castelao, Universidade de Santiago de Compostela, Novembro de 1986), in Actas do Congreso Castelao (Parte IV: «A lingua»), Universidade de Santiago de Compostela/«Xunta de Galicia»/Fundación Castelao, Vol. II, pp. 39-61.
G-1989) A. Brea Hernández/A. Gil Hernández/I. Rodrigues Aldrei, «A catástrofe, relato breve de Eça de Queiroz. Comentários» (inclui-se o texto do relato) in Agália (Corunha) núm. 20 (Inverno), pp. 459-477.
G-1991 a) «João V. Viqueira e a comunidade lusófona da Galiza» in Nós (Braga/Ponte Vedra), núms. 19-28 (Atas do I Congresso Internacional de Literaturas Lusófonas), pp. 51-58.
G-1991 b) ««Isolacionismo» e constrita desgaleguização da comunidade lusófona na «comunidad autónoma Galicia». Congruência do «autonomismo bien entendido» com o language Planning, dito «possível» e «realista», permitido pela legalidade fundamental espanhola» (nova redação da comunicação apresentada ao Seminar on Language Planning organizado pelo «Council of Galician Culture», Santiago de Compostela, Setembro de 1991), in Nós (Braga/ /Ponte Vedra), núms. 19-28 (Atas do I Congresso Internacional de Literaturas Lusófonas), pp. 368-382.
G-1991 c) «Apontamentos sobre os direitos linguísticos na Galiza espanhola. Por que é que se mudou a programação de Literatura Galega do ano 1980 para a do ano 1983», Agália (Corunha), núm. 27 (Outono), pp. 297-319. Nova redação de «A Literatura Portuguesa a ler na Galiza», comunicação ao Congresso Internacional de Lusitanistas (Coimbra, Junho), a aparecerem as Actas.
G-1991 d) «Isolacionismo e constrita desgaleguização da comunidade lusófona na “Comunidade Autónoma Galicia”. Congruência do “autonomismo bien entendido” com o Language Planning, dito “possível” e “realista”, permitido pela legalidade fundamental espanhola» in Nós, nº 19-28, Ponte Vedra - Braga, pp. 368-382.
G-1991 e) «Corpus Planning/Status planning: correlacionamentos», comunicação apresentada ao I Seminario Internacional sobre Planificación Lingüística” organizado pelo Consello da Cultura Galega em Santiago de Compostela (texto ampliado). 14 pp. Inédito.
G-1992 a) «A respeito de “La lengua de Cristóbal Colón”. Apontamentos ao “estudio” (194) de D. Ramón Menéndez», in Nós (Braga/Ponte Vedra), núms. 29-34, Atas do Congresso Internacional «A língua portuguesa no mundo, terceira língua de comunicação internacional, 200 milhões de lusófonos. Em homenagem aos Professores Lindley Cintra e Manuel Ferreira, pp. 103-112.
G- 1992 b) «Linhas gerais para a normalização da comunidade lusófona na Galiza (espanhola)», in Agália num. 30 (Verão), pp. 233-243.
G-1992.1993) «Apontamentos de “gineko-dialekto-polítika” a propósito duns textos de A. Brañas», in Actas do Simpósio Internacional Mulher e Cultura (Santiago de Compostela, 27-29 de Fevereiro de 1992). Departamento de Didáctica da Lingua e Literatura. Universidade de Santiago de Compostela, pp. 509-516.
G-1993.1994) «Limiar (1992) ajoelhado e rouquenho a um Silêncio ergueito e descontraído», in Nós (Braga/Ponte Vedra), núms. 35-40, Atas do II Congresso Internacional de Literaturas Lusófonas (Santiago de Compostela, 23-25 de Setembro de 1993), pp. 161-168. Primeiras páginas do prólogo de Silêncio Ergueito.
G- 1993) Lluís V. Aracil/A. Gil Hernández: Para uma história de Iruinean Sortua. Cadernos do I.E. L.-G. Série “Documentos”. Volume I., 38 pp. Inclui «Uma após-história de “Iruinean Sortua”, pp. 19-34.
G-1994 a) «A impossível “democracia” (política) no reino da confusão (a Galiza espanhola)», in XI Semana Galega de Filosofia. Filosofia e Democrácia (Ponte Vedra, 4-8 de Abril), pp. 35-38.
G-1994 b) «Mais sobre Língua literária da “galegofonia”. Nem bio nem eco, mas apenas função social e símbolo nacional», in Temas de O Ensino (Braga/Ponte Vedra), núms. 27-38 (1991-1994), Atas do Congresso Internacional de Língua, Cultura e Literaturas Lusófonas (Santiago de Compostela, 15-17 de Setembro de 1994) em Homengem ao Professor Ernesto Guerra da Cal, pp. 206-213.
G- 1994 c) «Mais sobre língua literária da “galegofonia» in Temas do Ensino, nº 27-38, (Vol. VII-IX), Ponte Vedra - Braga, 8 pp.
G- 1996) Silêncio ergueito. Apontamentos sócio-políticos sobre questões aparentemente idiomáticas (infelizmente certificados apenas dez anos depois). Ed. do Castro, Corunha, 285 págs. O prefácio é acessível na internet: http://membres.lycos.fr/questione/perspectivas/prefacio.html
G- 1999) «Reformação ortográfica na Galiza ou, mais uma vez, a montanha parirá um rato?, in Agália, núm. 59, pp. 315-332.
G- 2006) No prelo: Temas de linguística política. Seguidos dum avanço de temas de política linguística. Leves Reflexões sobre política nacional "espanhola". Associação de Amizade Galiza-Portugal, 230 pp.
4. CRIAÇÃO LITERÁRIA (CLIT)
CLIT- 1985 a) Baralha de sonhos. Irmandades da Fala. Coleção Cadernos do Povo / poesia. Ponte Vedra - Braga.
CLIT- 1985 b) «Retalhos osbscœnos (Primeira entrega)», sob o pseudónimo Amado L. Caeiro, in Agália, num. 2 (Verão), pp. 211-2.
CLIT-1987) «Três poemas de Só para falar de amor», sob o pseudónimo de Amado L. CAEIRO, in: O Fenómeno Literário nos Países Lusófonos. Literaturas Galega, Portuguesa, Brasileira e Africana. Cadernos do Povo nº2-4, Ponte Vedra – Braga, p. 111.
CLIT- 1988/89) «Só para falar d’amor», poema in O fenómeno literário nos países lusófonos. Literatura galega, portuguesa, brasileira e africana. Cadernos do Povo. Revista Internacional da Lusofonia, núm. 5-14, Ponte Vedra-Braga, p. 178.
CLIT-1989) «De luzes e espinho» in Nós, Revista internacional galaicoportuguesa de cultura, núm. 13-18, p. 501.
CLIT- 1990) Luzes e espírito. Cadernos do Povo / Poesia. Ponte Vedra-Braga.
CLIT- 2001) «Devassamento, mudança e reunião», in Agália num.20 (a), pp. 85-90
5.- LITERATURA: ASPETOS TEÓRICOS (LAT)
LAT- 1982) «O conto popular. Aproximaçons à sua definiçom e análise (1), in O Ensino núm. 5, pp. 34-38.
LAT-1983/1986) «Introduçom» a A. Gil Hernández (editor): Comentário de textos literários, Alhena Eds. Madrid, pp. 11-37.
LAT-1987) «Algumas teses sobre literatura aplicadas à Galiza» in Cadernos do Povo. Revista Internacional da Lusofonia, núms. 2-4 (Maio-Dezembro), pp. 17-20.
LAT-1989 a) «A oficialite reinante, um beco sem saída?», comunicação, apresentada no apartado I «O escritor e o poder», aos Encontros Galeusca 1989 (Santiago de Compostela, Novembro). As Actas permanecem inéditas.
LAT-1989b) «Diglossia, normalidade e criação literária (vanguardista)», comunicação, apresentada no apartado II «Identidade nacional e vanguarda», aos Encontros Galeusca 1989 (Santiago de Compostela, Novembro). As Actas estão sem publicar.
LAT-1990 a) «Lingua e literatura no Ressurgimento da Galiza lusofona» in Temas de O Ensino (Braga/Ponte Vedra), núms. 21-26, monográfico sobre Ressurgimento galego, essa Lusofonia, pp. 21-30. Texto em homenagem ao P.e José-Martinho Montero Santalha.
LAT-1991) «É nacional a literatura galego-portuguesa na Galiza espanhola?» (nova redação de LAT-1989 a) in A.R.O. (Ordens) núm. 6, pp. 13-20.
6.- COMENTÁRIO DE TEXTOS LITERÁRIOS (CTL)
CTL-1974) Miguel Delibes, Cinco horas con Mario: expresión lingüística y configuración narrativa, «tesinha» apresentada na Faculdade (então) de Filosofia e Letras, da Universidade de Santiago de Compostela, no curso 1973-1974, dirigida pela Prof.a Dr.a D. Ma C. Bobes Naves; mereceu a qualificão de sobresaliente.
CTL-1977 a) «La obra literaria como integración dinámica» (reelaboração de alguns capítulos de C-1974, in M.a C. Bobes Naves (editora), Crítica semiológica (segunda edición), Cátedra de Crítica Literaria (Universidad de Oviedo)/Librería Ojanguren, Oviedo, pp. 163-203.
CTL-1977 b), «La cólera de Aquiles» in El Ideal Gallego (Corunha), «Suplemento dominical», 29/Abril.
CTL-1980) «A lírica medieval galego-portuguesa» in El Ideal Gallego (Corunha), «Suplemento dominical», 17/Maio.
CTL-1984) «A respeito e com (pré-) texto de um «poematinário». Carta )aberta( a Manuela Maria»; é a carta-prefácio a A luz ressuscitada, de Manuela Maria, A.Ga.L., Corunha, pp. 5-22. E em http://www.lusografia.org/antoniogil/manuelmaria.htm. Será reeditado no livro Temas de Linguística Política.
CTL-1983/1986) «Sobre a descriçom. Comentário a um parágrafo de Fábula, de X. Alcalá» in A. Gil Hernández (editor), Comentário de textos literários, Alhena Eds. Madrid, pp. 321-354. Referência: C- 1986 a).
CTL-1986) «Umha revista quase ibérica: Ventanal», sob o pseudónimo de AGIL.ULFO, in Agália (Corunha), núm. 8 (Inverno), p. 488.
CTL-1987 b) «Epistolário en catro tempos, de Henrique Manuel Rabunhal Corgo», sob o pseudónimo de AGIL.ULFO (recesão-comentário) in Agália (Corunha), núm. 9 (Primavera), pp. 111-113.
CTL-1987 a) «A Camilo Gonsar, com afecto, sobre Lonxe de nós e dentro e outras páxinas» (comentário), sob o pseudónimo de Roi VALES DA OLIVEIRA, in Agália (Corunha), núm. 9 (Primavera), pp. 115-117.
CTL-1986.1989) «Esboço para uma análise de Os dous de sempre» (texto da comunicação ao Congreso Castelao, Universidade de Santiago de Compostela, Novembro de 1986), in Actas do Congreso Castelao (Parte V: «Obra literaria»), Universidade de Santiago de Compostela/«Xunta de Galicia»/Fundación Castelao, Vol. II, pp. 317-342.
CTL-1987.1989) «Uma leitura de Os dous de sempre [de Castelão]» (texto da comunicação ao II Congresso Internacional da Língua Galego-Portuguesa na Galiza, Santiago-Ourense, Setembro de 1987), in Actas do II Congresso Internacional da Língua Galego-Portuguesa na Galiza, A.Ga.L., Corunha, 309-326.
CTL-1989) «Sagrada esperança, de Agostinho Neto: uma leitura desde a Galiza» (texto da comunicação ao Simpósio Internacional sobre Cultura Angolana, Porto, Maio de 1989), in A voz igual. Ensaios sobre Agostinho Neto, tomo I das Actas do I Simpósio Internacional sobre Cultura Angolana, Fundação Eng. António de Almeida, Angolê, Porto, pp. 225-256.
CTL-1989.1991) «Sobre «Horas de invierno», da Mariano J. de Larra: para uma didáctica da literatura castelhana que não desnacionalize a Galiza espanhola» (texto da comunicação ao I Simposio Internacional de Didáctica da Língua e a Literatura, Corunha, Dezembro de 1989), in Actas do I Simposio Internacional de Didáctica da Língua e a Literatura, Universidade de Snatiago de Compostela, pp. 423-430.
CTL – 2001 «Impressões de leitura: Herba do Tempo». Comentários ao poemário do mesmo título do prof. Xosé Abeal. Publicado em www.lusografia.org, Dezembro 2005.
7.- LITERATURA COMPARADA (LC)
LC-1991) «Três (mais uma) reflexões literário-políticas sobre duas (apenas) concepções nacionais: Mariano J. de Larra, «Horas de Invierno»; Emilia Pardo Bazán, «Idioma ó dialecto»; José M.a Eça de Queiroz, A catástrofe; Fernando Pessoa, Portugal, Sebastianismo, Quinto Império», texto da comunicação ao I Congresso Internacional de Literaturas Lusófonas (Santiago de Compostela, Setembro de 1991), in Nós (Braga/ Ponte Vedra), núms. 19-28 (Atas do I Congresso Internacional de Literaturas Lusófonas), pp. 172-199.
8.- «LAPELA», seção de crítica de livros.
«SUPLEMENTO DOMINICAL» EL IDEAL GALLEGO (Corunha):
8.1.- Ano 1979:
1. «Literatura gallega y escolarización» (28/Janeiro).
2. «O raposo pillabán» (11/Fevereiro).
3. «Fala, escritura e ortografia. Sobre os métodos didácticos de Picariños e O castelo de Irás [...]» (18/Fevereiro).
4. «Literatura, escola, vida (I)» (4/Março).
5. «Literatura, escola, vida (II). Ciclo preparatorio gallego-castellano. Presupostos deficientes e confusos dun traballo do MEC» (11/Março).
6. «Literatura, escola, vida (III). Vieiros de solución: mais sobre a normalización do galego» (18/Março).
7. «Literatura, escola, vida (e IV). O galego, problema político» (25/Março).
8. «Do Faro ó Miño» (1/Abril).
9. «Contubernio catro de Tomé S., de Alfredo Conde» (8/ Abril).
10. «A cultura da Galiza. Sobre a exposición «O libro galego onte e hoxe»» (15/Abril).
11. «O texto teatral» [sobre F. Ruiz Ramón, Estudios de teatro español clásico y contemporáneo] (22/Abril).
12. «Tempo de Compostela, de Salvador García Bodaño, Premio Nacional de la Crítica 1978» (29/Abril).
13. «Homes de ningures, de X. I. Taibo, Premio Nacional de la Crítica 1978» (6/ Maio).
14. «Reflexions dun home da rua: Dia das Letras Galegas» (15/Maio).
16. «Dia das Letras Galegas. Exposición «O libro galego onte e hoxe»» (20/Maio).
17. «Nau enfeitizada, claroescuros corunheses, de Xosé Devesa» (27/Maio).
18. «Os outros feirantes, Premio da Crítica de Galiza 1979» (3/Junho).
19. «O estatuto literario. Apontamentos a Antoloxía da poesía galega actual (I)» (10/Junho).
20. «O estatuto literario. Apontamentos a Antoloxía da poesía galega actual (e II)» (17/Junho).
21. «Historias do canizo, de Anxel Sevillano» (24/ Junho).
22. «Co motivo dunha homenaxe. Recordo de Luis Seoane» (1/ Julho/ 1979).
23. «Dous relatos de Manuel Catoira: Intento de fuga de la prisión central» (8/Julho).
24. «Un libriño polemizado: Estudos galego-portugueses, de M. Rodrigues Lapa (I)» (15/Julho).
25. «Un libriño polemizado: Estudos galego-portugueses, de M. Rodrigues Lapa (e II)» (22/Julho).
26. «Nova alternativa cultural galega do Colectivo Equipo LIMBO» (29/Julho).
27. «Un decreto chamado de «bilingüismo». Apontamentos de urgéncia (lea-se «urxéncia»)» (19/Agosto).
28. «Manoel-António, poeta nacionalista (I). Correspondencia, volume terceiro da Obra Completa (a)» (26/Agosto).
29. «Manoel-António, poeta nacionalista (II). Correspondencia, volume terceiro da Obra Completa (b)» (2/Setembro).
30. «Manoel-António, poeta nacionalista (III). Correspondencia, volume terceiro da Obra Completa (c)» (16/Setembro).
31. «Manoel-António, poeta nacionalista (IV). Correspondencia, volume terceiro da Obra Completa (d)» (30/Setembro).
32. «Manoel-António, poeta nacionalista (V). Mais alá!» (7/ Outubro).
33. «Manoel-António, poeta nacionalista (VI). A poesia de Manuel-António (a)» (14/ Outubro).
34. «Manoel-António, poeta nacionalista (e VII). A poesia de Manuel-António (b)» (21/Outubro).
35. «Lembranza de Celso-Emílio» (9/Setembro).
36. «A question do ensino galego: unha decison da «Comisión Mixta».- O Vocabulario Castellano-Gallego, de Fernández del Riego» (28/Outubro).
37. «A question do ensino galego: serve para algo a «Comisión Mixta»?» (11/Novembro).
38. «A question do ensino galego: xa se sabe para que serve a «Comisión Mixta»?» (18/Novembro).
39. «Cen chaves de sombra, de V. Paz-Andrade.- La vela y el viento» (4/Novembro).
40. «Teatro Nós, de Carballo Calero (Clásicos do estudante galego).- As ruas do vento ceibe, de Manuel Maria» (25/Novembro).
41. «Dos conflitos culturais da Galiza. A Galiza, país de contrastes: feitos contrapostos.- Adral, de Xosé Filgueira Valverde» (2/Dezembro).
42. «Recordo de Eduardo Blanco-Amor» (9/Dezembro).
43. «Un opúsculo xeitoso. Directrices para a reintegración lingüística galego-portuguesa, de Xosé-Martiño Montero Santalla» (16/Dezembro).
8.2.- Ano 1980:
44. «O teatro galego, de M. Lourenzo e F. Pillado Mayor» (13/Janeiro).
45. «A negra e outras narracións, traballos premiados no 4.o Concurso de narracións curtas «Modesto R. Figueiredo», do Pedrón de Ouro» (20/Janeiro).
46. «Dous livros de poemas: O libro dos mortos, de E. Moreiras. Soldada mínima, de M. Rodríguez López» (27/Janeiro).
47. ««La literatura gallega» por Xesús Alonso Montero» (3/ Fevereiro).
48. «Silva de varia lección.- Sociología del lenguaje, de Joshua Fishman» (10/Fevereiro).
49. «Ensino e cultura galega (I). Unha obra do Prof. Carballo Calero.- Sociología de la comunicación, de B. Badura» (17/Fevereiro).
50. «Ensino e cultura galega (II). Quizá o galego sexa problema político, quizá non...- «Programación de lingua galega pró ensino básico»» (24/Fevereiro).
51. «Catro livros», sob o pseudónimo de AGIL.ULFO [A.C. «O Facho», Contos pra nenos; R. Carballo Calero, Estudos rosalianos. Aspectos da vida e da obra de Rosalia de Castro e Libros e autores galegos. Dos trovadores a Valle-Inclán; A. Suárez, Luaña] (13/Abril).
52. «Catro livros», sob o pseudónimo de AGIL.ULFO [M.a C. Novoa González, La gaita y la cornamusa en Galicia y en Francia; J.-S. Grespo Pozo, Contribución a un vocabulario Castellano-Gallego; X. Neira Vilas, Cartas a Lelo e Galegos no Golfo de México] (20/Abril).
53. «Cantigas de Santa Maria. Escolma, prólogo e versión moderna de Alvaro Cunqueiro.- Ritos e creencias galegas, de X. Taboada Chivite» (15/Junho/1980).
54. «Dous livros de Carlos Casares [Curros Enríquez e Ilustrísima; J. Donoso, La misteriosa desaparición de la marquesita de Loria; O. L. Abad Flores, Estampas do meu amigo Pepiño; Camp de l'arpa núm. 75 sobre literatura galega contemporânea] (6/ Julho).
55. «O primeiro dicionário básico da língua galega, do I.L.G.» (13/Julho).
56. «As normas ortgoráficas do idioma galego, da «Xunta».- P. Pallarés, Entre lusco e fusco.- Aontoniorrobles, A meiga dona Paz» (20/Julho).
57. «A unidade da língua, problema de fundo.- Normas ortográficas do idioma galego [comentários de X. C. Rábade].- V. F. Freixanes, «O Fresco». Memorias dun fuxido.- Os arroutos de Rompente» (10/Agosto).
59. «Textos escolares.- R. Villares Paz, Historia de Galiza.- A. Pérez Alberti, Xeografía de Galiza» (17/Agosto).
60. «Irmandade galego-portuguesa.- Retábulo do amor profano sobre farsas de Blanco Amor.- Orientacións para a escrita do noso idioma.- X. L. Rei Núñez, Trobas donceles.- X. M. Alvarez Cáccamo, Galego Cero» (24/Agosto).
61. «Novoneyra em «Cuadernos da Gadaña».- X. Vaz, O muiño de antrasaugas.- A revista mensal Man Común.- O arco da vella, boletim de «O Facho».- Poemários de B. Graña [Se o noso amor e os peixes...] e de X. L. Méndez Ferrín [Poesía entenria de Heriberto Bens]» (7/Setembro).
62. «Se o noso amor e os peixes...- X. Alcalá, A nosa cinza.- L. Prieto, Contos vianeses» (14/Setembro).
63. «Tres livros e um folleto» [X. Neira Vilas Memorias dun neno labrego; L. Moure-Mariño, Arredor da lareiara; X. L. Méndez Ferrín, Poesía enteira de Heriberto Bens; C. P. «Elviña», O noso traballo] (28/Setembro).
64. «Língua. Método para o aprendizado do idioma galego. Cum prólogo do Prof. Carballo Calero» (12/Outubro).
65. «A nosa felicitazóm ao Profesor Santamarina.- Língua (continua da semana precedente).- L. Cochón Touriño/J. M. García Iglesias, Arte e cultura de Galiza» (19/Outubro).
66. «Um folleto. As Bases.- O noso traballo» (26/Outubro).
67. «Sobre as Bases» (2/Novembro).
68. «Língua galega» (23/Novembro).
69. «Agromar 1.o e 2.o.- «Programación de lingua e literatura galegas pra BUP.- Juntanzas Luso-Galaicas em Vila Real.- Bendado núm. 4.» (30/Novembro).
70. «Un ano e un día, de X. M. Martínez Oca.- Temos normas ortográficas (outras)» (7/Dezembro).
71. «Galiza, un pobo, unha língua e outros temas» (21/Dezembro).
72. «Felicidade a todos os leitores.- O «Simposio da SEL.- J. Trilho/C. Villanueva, Vilancicos galegos da Catedral de Santiago» (28/Dezembro).
7.3.- Ano 1981:
73. «Algumhas revistas galegas.- O Ensino, La barandilla, Nordés» (4/Janeiro).
9.- VÁRIOS (V)
V- 1986) «De quem isola a quem e de mortos que resuscitam ao dia seguinte» in: Agália núm. 6 (Verão), pp. 237-240.
V- 1988) Edição do livro de João Vicente Biqueira (1886-1924): Obra selecta (poesia e ensaio). Cadernos do Povo. Revista Internacional da Lusofonia. Ponte Vedra - Braga, núm. 43-45.
V- 1990 a) «Lá vai, lá vai, o burro trás de sua mãe». Carta aos reponsáveisi pela revista A Trabe de Ouro. Corunha, 25 de Julho.
V- 1990 b) Carta ao editor Olegário Sotelo Blanco, 20 de Novembro.
Prof. Dr. António Gil Hernández, da A.A.G-P.
2 de Maio de 2001 (2ª Versão)
Há tempo que mais cada vez observo (e cada vez menos quereria observar) o facto de a poesia, aparentemente intimista, de qualquer autor galego rebordar do indivíduo para o social, quer dizer, para o político: é tendência espontânea, mesmo negada, mas evidente ao observador agudo.
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Em Herba do tempo (por que não «Erva do tempo»?), poemário de que é autor o Prof. Xosé Abeal, oferece-se-me essa hipótese desde o primeiro poema, «Camiños incontables percorrín»: “camiños”, “mundo”, “realidade”, “cousas” exprimem o chamado do outro, antes de mais humano e vivente (apesar, por vezes, da letra em contrário). Mas é sobretudo “acougo” (“dorme no remol do acougo”) a sublimar o desejo (ou mais bem anelo) de convivência feliz que (a meu ver) inspira, procuradamente sem sucesso em muitas, cada uma das sequências do poemário. “Arestora paxaro son voando / pola nudez das cousas en delicia” compendia à partida a minha impressão: A primazia do presente (“arestora”), a idealização da saudade (“paxaro”, “voando”), a procura da identidade não mista (“nudez das cousas”), o gosto de viver, de conviver (“en delicia”), porquanto dificilmente os humanos somos como pessoas o que não nos fornece o grupo.
Firma-me nesta impressão o segundo poema «Xa veñen as palabras, as palabras». O poeta repete o substantivo “palabras”, plural, como se tentasse ainda mais socializá-lo, e encavalga o segundo, o reiterado, ao adjetivo “acesas”, como lhes (a “palabras”) atribuindo as notas de “luz” e de “fogo”, assemade: Esclarecimento recíproco, social; aquecimento de relações humanas entre os galegos, antes de mais. As outras imagens do poema intensificam essa impressão: “trades”, “[semente]”/”froito”, “enxendrar vidas intactas” /”candor das inocencias”. A última estrofe preludia os anelos ou arelas angustiadas que os sucessivos poemas exprimem numa colusão irresoluta de esperança ou de vida ou de plenitude, por um lado, e, por outro, de morte ou desparecimento ou do nada a ameaçar não tanto a pessoa indivisa quanto a sociedade esfarelada da Galiza (já “Galicia” para muitos galeguistas). O poeta sente-se “voando no impreciso dos recendos”, “xardíns da miña alma”, que neutraliza a meio das precisões “tremendo no frío”, “carne rabuñada”, embora afinal (último verso) tente corrigir, em paradoxo, as expressões citadas mercê da construção sintaticamente anfibológica: “cos dedos das súas [das palavras?; da alma?...] mans de sol tan plenas [mãos plenas...?; palavras plenas...?; alma e carne plenas...?]”.
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Se os dous poemas introdutórios me induzem a comentar destarte, os dous conclusivos confirmam-me na hipótese de partida.
«A corrente levoume por enriba» é poema que se “produz” no passado, nesse passado ideal que nunca deveria ter desaparecido (talvez nunca atingiu a existência que se lhe costuma atribuir).
Contudo, apesar dos desejos em contrário, todo ele, o seu cotexto (ou contexto interior), procura convencer-nos da inexistência (ou da existência esmorescente, tanto tem) das “cousas” apontadas: da “area”, aliás “invisible”, das “pingas”, aliás “de imposible transparencia”, das “pálpebras do vento” (não dos “olhos”, mas do ‘pano’ que os esconde, quando os houver...), do “mariñeiro”, mas “de serodios soños” e ainda “nas estrelas”, etc., etc. Parece como se o poeta aspirasse a verificar a concordantia oppositorum que tivesse de patentear, intencionalmente, a coexistência de monstros e maravilhas, mas o que de facto evidencia é a inconsistência das entidades contraditas. A última estrofe deste poema (“A corrente levoume por enriba / das criaturas...”) confirma-me mais uma vez na impressão suscitada: Passividade, levidade ascética; mas atividade, fruição vitalista; “celeiros” a esconderem “luces daquelas vivas cores”: Para que serve a luz oculta, a luz que não ilumina a casa?
O derradeiro poema («Das árbores contemplo as follas novas») encerra o livro, mas (suspeito), sobretudo, encerra a história pessoal e social do poeta ou, o que vale igual, a história da Galiza encerrada na história pessoal de cada galego, de que o poeta, à partida, se tornou em porta-voz (apesar de tudo e contra todas as aparências que se quiserem).
Deixo de lado os paradoxos manifestos (reincidentes) de “follas novas... tenras... alegres e vizosas” e “murchas e secas podrecendo” definidores, segundo declara o poeta, da sua vida. Fico no que diz ficar: “xa só queda a materia insensible, o impalpable po cego, sen memoria polo vento.” Ainda que “memoria” nos debruça no cerne do povo (galego), no miolo do seu ser, que constitui não tanto a história (de que Castelão, lembro, abominava por ter mantido o povo na escravidão), quanto a tradição, a popular (em que Castelão baseia o futuro da Galiza), apenas reparo nos adjetivos “insensible”, “impalpable”, “cego” e infiro, impressionisticamente, que apontam para a morte, não apenas da pessoa, mas da sociedade em que a pessoa se conforma como tal: ‘insensibilidade’, ‘impalpabilidade’, ‘impossibilidade de ser vista’... porque já não lhe aparece ao poeta: Porque já não existe? Não é tão simples.
Com efeito, sinto nos quatro últimos versos um grito ou berro, articulado mas desesperado, à esperança: “Mais o que amei nalgún lugar un día / quizais ha de vivir nas fondas fragas, / nas augas claras, no frescor das herbas, / nos antigos carballos do meu val.” Digo que é ‘berro’ ‘articulado e desesperado’, porque a sua leitura me dita essa imagem distinta de desconfiança: ‘Não quero que desapareça nem a minha vida nem a vida da minha gente, mas, perante a evolução inescusável das “cousas”, refugio-me sob o sentimento que vem integrando a minha gente e a minha própria, quer dizer, a comunhão de humanos e natureza. Se aqueles desaparecem, esta perviverá’. Fé sensitiva, ou sensorial, ou sensual, lhe diria: Nada justifica que assim aconteça no futuro, mas o poeta cinge ser e tempo pessoais ao ser e tempo das “cousas” que sem dúvida continuarão sendo, apesar de tudo e sob qualquer aparência possível. Não é a eternidade transtemporal; é a pervivência intratemporal, aquela que ultrapassa o tempo e as “cousas”, sempre vivas, sempre dotadas de algum jeito de vida; porque o poeta e a sua gente se acham encarnados sensorialmente nele e nelas: Nascem da morte, que deveras nem sabem se é morte.
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Continuo (é outro dia) com umas breves observações sobre as duas partes em que o Professor Abeal (já poeta) divide o poemário.
A primeira está presidida por «Os ollos voan cara ós horizontes» e encerrada por «Á mañanciña vin o teu vigor»; a segunda, respetivamente, por «O tempo aniña lene entre as cousas» e por «Aqueles fondos vales van comigo». Deixo-me levar do autor no entendimento de, como em qualquer período bem elaborado, o início marcar a sequência, enquanto o fim a acaba, de modo que o exprimido ao longo dela fica transido e manifesto pelo dado nesses dous momentos definitórios.
Seja como for, a leitura conduziu-me a estimar ambas as partes do poemário não apenas complementares, mas, por isso mesmo, contrapostas:
Na primeira prevalece a alegria de viver, sustida, nem exuberante nem tímida só. Diria que, por classicizante, a recebemos natural, sem excessos; já o assinalei: sustida.
Na segunda, porém, evidenciam-se os conflitos por que decorre a existência, qualquer existência, a pessoal, a interpessoal, a social, a política. Lembro o acima apontado: por o existir humano se achar sempre ensumido em convivência com os outros, sempre outros apesar de tudo, o poetizar sobre tal existir (embora não o pretender o poeta, mesmo que o procure dissimular —não digo ocultar) sempre aparece co-existente, «socializado», quer dizer politizado (também no sentido clássico do termo). E se o existir socializado, politizado de referência é o da Galiza/Galicia...
Portanto, concluo: alegria de viver, de nadar no tempo como se em lagoa catúlica nos topássemos onde quer, mas sofrer ou, antes, tomar consciência do sofrimento de viver. Eis os dous pólos que, desde as minhas impressões de leitor, transitam (e são transidas) as duas partes do poemário.
Antes de passar a rever os poemas citados, ouso afirmar que o poemário, sendo radicalmente de amor ou, melhor, de amores, se acha redigido com tal delicadeza e recato que o amor fica como lenizado ou acaso disperso ... ou asperso: todos os versos podem ler-se em chave amorosa, mas... são como aroma leve e levitante que é percebido sem se deprecatar a pessoa submersa nessa atmosfera de segredos suaves apenas acenados.
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Examino já o poema que abre a primeira parte, «Os ollos voan cara ós horizontes».
O sentido do verbo que se lhes atribui, “voan”, é verificado na metáfora, “son paxaros”, em paradoxo (lembre-se o assinalado nas primeiras seções destas notas impressivas) com a imediata “dondos vagalumes”, mas recuperado no símil “cal andoriñas”. Portanto, a meu ver, no poema prevalece o hálito enobrecedor, significativamente dado em vocábulos ou expressões definidos pelo sema ‘luz’, complementada nalguns deles por ‘altura’: além de “vagalumes”, de “ollos” e “voan”, recolho “harmonia azul”, “[ascenden no] silencio claro”, “cumes”, “aguias”, “[fondais sacros da] luz”, “estrelas”.
Essa mensagem de esperança arredonda-se no último poema desta primeira parte: «Á mañanciña vin o teu vigor». A atmosfera enobrecedora igualmente predomina não sob a perspetiva da visão (mormente), mas da fruição, embora lenizada (segundo precisei): “vin” (“escuridade” excluída), “ollos”, “fermosura”, sim, mas “vigor”, “desvestir”, “plenitude” “apreixar”, “tremía”, “paixón” (explicado por “tolería”), “extenuarse”. É o mundo pessoal a consumar-se sem se consumir: tras o rapto que inicia o primeiro poema, o poeta frui a alegria estranha (ou alienante?) de viver em companhia. O ‘tu’, como o ‘eu’, ficam fixos, mas sem limites precisos. Já não é o “solpor”, a queda do dia, que apresentava o primeiro poema; é a “mañanciña”, esse momento em que as raiolas tímidas do sol anunciam esperanças e alvores. Mais uma vez, se considero o início e o fim do poema, topo o paradoxo indicial: “mañanciña” (de todos, tua?) e “miña” (“intemperie”, cultificação do popular “ventimperio”, como âmbito que possibilita o “extenuarse”...).
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A segunda parte abre-se por «O tempo aniña lene entre as cousas», aliás, quase ritornello no poema.
Decorre entre “consumir”, “esvair”, “desfazer” (na realidade ‘fazer-se solpor, noite escura sem luar’), face a “ferver (a vida)”, e a seguir “guardar (a vida no silêncio gris da eternidade)”. Mais uma vez advirto a concordantia oppositorum, sem solução de continuidade.
Coroa-se essa percepção (ou acaso a própria concordantia) na rede metaforizante dos versos finais: “silencio [ou morte] gris [sem cores, sem alegria, mergulhamento na tristura] da eternidade [gaveta ou caixão a quardar o tempo, já morto]: / cantiga [a quebrar aquele silêncio da morte] sempre bébeda [rapinada de excessos, contrários, portanto, à mesura no viver esmorescente ou apenas à mesura do morrer...] no vento [nem sei se o poeta pretende aqui ecoar aquela manifestação excelente da divindade?: ‘Deus só se manifesta nas epifanias suaves de vida e movimento’]”.
Em definitivo, é a saudade a que acaba por se impor. Assim o vejo no último poema desta parte, «Aqueles fondos vales van comigo».
De novo o paradoxo: ‘Tu’ é pessoa ou apenas ‘vida’, transpessoal (mais do que abstrata)? Se aquilo, aparece-me como que o poeta situa a pessoa na Natureza toda sem lhe assinalar um tempo ou lugar determinados, apenas “dondísimo horizonte de cores de agarimo”, “mol melodía”. Mas se, à partida, ‘tu’ fica identificado com ‘vida’, então esta acaba reduzida ou expandida no referido “dondísimo horizonte”, que, por sua vez, acaso aninhe quer no “agarimo pola miña ... pel”, quer apenas nesta, decerto “inviolable”. Prefiro, pela letra e pelo sentido, esta segunda hipótese.
Desse ponto de vista entendo que o poeta neste poema (e em toda a parte segunda) procure ensumir o leitor numa esperança agridoce e acaso por isso sem perfis últimos.
A metaforização (ou simbolização?) “vida”/”gaivota peregrina” é grandemente expressiva tanto pela anfibologia do adjetivo “peregrina”, quanto pelas origens que lhe são atribuídas: “mares máis lonxanos”, “fontes [próximas?]”, “estrelas da fermosa noite” [espaços tão longíncuos quanto ilimitados], que fica corroborado pelo “non o sei” com que o autor quebra liricamente a sequência transpessoal do poema. Aliás, “gaivota” orna-se da “frescura dos abeneiros e do orballo na herba”: o vegetal (“abeneiro” e “herba”) e o meteoro atmosférico (“orballo”) caraterizam a nota distintiva de ‘gaivota-vida’ que afinal se torna em “mol melodía”: evolução, que ninguém pretenderá explicar cientificamente, salvo na alquímia, mercê da qual a concreção inicial da “vida”, “gaivota”, sucessivamente se subtiliza em “frescura”, em “horizonte”, em “melodía”.
Está o poeta a tentar sublimar-nos, como Mestre Mateu da palavra, até nos introduzir nas esferas harmoniosas dos vinte e quatro anciãos, das suas melodias que acabam tecendo-se sensuais na melodia única de um Pantocrator-amendoeira em primavera sem tempo florescida?
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Foi tudo. Em definitivo, a lírica vale por transcendência mas sensível, frutivamente sensual. Honra ao poeta e Professor Abeal!
Mais ...
CULTURA E DEMOCRACIA NA «COMUNIDAD AUTÓNOMA DE GALICIA»
Prof. Dr. António Gil Hernández, da A.A.G-P.
Comunicação[1] apresentada aos Primeros Encuentros de la Sociología en Galicia
Santiago de Compostela, 6-7 de Dezembro de 1990.
0. ESTADO DA QUESTÃO
Nestas linhas apenas pretendo expor umas breves reflexões sobre a condição marginalizada que de antigo a Comunidade Cultural galega vem suportando: tome-se «suportar» nas acepções ativa e passiva já que assisadamente não cabe atribuir a situação atual só à «potência colonizadora», que é o Reino da Espanha, mas também, com não escassa responsabilidade, aos estamentos dirigentes naturais da Galiza.
Dado que o tema merece ser tratado por uma pessoa mais especializada ca mim e de jeito muito mais generoso do que numa comunicação perbreve, permito-me só apontar algumas dimensões da marginalização nacional galega, hoje procurada institucionalmente sob pretexto de verificar um processo dito normalizador de usos linguísticos.
Advirto que desenvolvo as minhas reflexões como singelo observador de comportamentos glotopolíticos tanto de instituições, quanto de particulares qualificados, que numa situação menos conflituosa se denominariam paladinamente notáveis.
Advirto também que a marginalização nacional galega vem sendo, desde o princípio, conditio sine qua non da centralização nacional espanhola. Por outras palavras: parece que o processo nacionalizador da Espanha implica a desvalorização e mesmo degradação, institucionalmente procuradas, de possíveis projetos nacionais não espanhóis, dado que aquele fica definido e estatuído como uninacional, cuja soberania não compartilham diferentes 'pueblos españoles' (art. 1.E § 2 da CE), mas uno, de «indisoluble unidad», «común e indivisible» (art. 2.E da CE).
1. ELABORAÇÃO DA GALEGUIDADE.
Tenho-me referido noutro lugar à consideração de que «as ideologias são sistemas simbólicos 'racionais' enquanto têm uma 'estrutura profunda'[...] que requer 'a unidade de teoria e prática'» (A. Gouldner 1976.1978: 85; veja-se G. Lightheim 1972: 93-99). Nessa hipótese vale também consideramos que é ideologia aquela concepção da Nação a que os cidadãos notáveis aderem, cujos traços racionais delimitam com eficácia e cuja implementação estendem ativamente entre o Povo.
O facto de assim acontecer verifica o estado eminentemente cultural e artificioso, já não natural, mas racionalizado quanto ao político sobretudo, a que a Humanidade tem atingido (Cl.Rosset 1973.1974: 209-224).
Convém lembrarmos, ao abrigo das reflexões hobbesianas, de que «ao direito natural ilimitado, o Leviathan sobrepõe o Contrato, o direito político limitado, limitativo. A natureza humana é paixão; o Império é Razão, a Razão é essa limitação política da paixão» (Sousa Dias 1981: 99-100). Esse mesmo facto também evidencia que na presente altura não lhe é possível a qualquer humano, sobretudo ao pretensamente notável de Comunidades Culturais subordinadas, usufruir com dignidade aquele estado cultural e artificioso porque «o imperium [de que os notaveis da Comunidade dominadora, legitimando-a, participam] já não limita a potentia: exprime-a, maximiza a potentia dos dominadores, minimiza a potentia dos dominados» (Sousa Dias 1981: 100).
Desde essa perspectiva política é que estimamos la questione della lingua e, em geral, os processos de normalização cultural segundo se desenvolvem nesta parte do território espanhol.
Aquela, velha já, definição martinetiana que situa a linguagem entre as instituições humanas (Martinet 1960.1970: 13-15) recolhe decerto uma teorização antigamente tradicional, muito mais explicadora do que outras «estritamente» linguisticas. Na realidade, se «esta maneira de ver oferece vantagens indubitáveis porque as instituições humanas surgem da vida em sociedade» (14), deve-se ao facto de a linguagem se conceber «essencialmente como instrumento de comunicação» (ib.) e justamente é a organização comunicacional a que diferencia entre si as comunidades, também e sobretudo do ponto de vista político.
1.1.
Caraterizam portanto as ideologias quer a racionalidade do discurso, embora limitada pelo «objetivismo» (Gouldner 1976.1978: 74), quer a procura de uma transformação efetiva da sociedade.
Ouso identificar, em linhas gerais, a racionalidade objetivista, a que se refere Gouldner, com as valorizações não subjetivas, não subjetivizadas, tão frequentemente emitidas nos diversos meios de informação, nos massivos, nos institucionais, nos académicos, mercê das quais os sujeitos humanos, notáveis nos âmbitos a que os meios alcançam, tendem a exprimir-se sobre o mundo com voz omnisciente, «como se o próprio mundo se exprimisse e não os homens» (ibidem). Aliás, enquanto a procura de transformação social acompanha sempre aquela racionalidade, também a legitima, sobretudo pondo-a em evidência. Com efeito:
1.E Por um lado, a ideologia, em virtude do elemento racional, pode ligar-se com a ciência, particularmente com as denominadas ciências da sociedade, em cujo âmbito estamos a desenvolver estas reflexões: «tanto as ideologias quanto as ciências sociais são intrinsecamente não dogmáticas, a teor das gramáticas ou regras a que afirma se submeter» (Gouldner 1976.1978:87).
De facto, a ciência, enquanto conhecimento racional reflexo ou intencionalmente não limitado, pode contribuir a racionalizar, nem sempre subsidiariamente, a ideologia na medida em que fundamenta a racionalidade própria destas. Não obstante, ambas diferem entre si tanto pela diversa índole da comunidade dos sujeitos que as elaboram, quanto pelo método, pelos objetivos e decerto pelo fundo formal, pelo fundo específico e pelo fundo de conhecimento acumulado (M. Bunge 1985: 28.125-133.136-144).
2.E Por outro lado, a ideologia pode ligar-se à tecnologia, enquanto esta, como à sua maneira toda a ideologia, «se ocupa em desenhar artefactos e planear a sua verificação» (M. Bunge 1985: 35; o itálico é meu) na sociedade a teor de critérios e objetivos eminentemente valorizadores.
Cumpre salientar essa dimensão prática, e pragmática, da ideologia que a aproxima da tecnologia; contudo, não hão de urgir-se as semelhanças. Com efeito, a atividade ideológica procura socialmente muito mais e especificamente bastante menos do que qualquer procedimento tecnológico, já que, por um lado, as ideologias tentam instaurar os humanos como pessoas «enquanto seres socialmente definidos» (A. W. Gouldner 1976.1978:99) e, por outro, esse próprio facto implica a necessária tarefa de os «preparar» adequadamente a integrar-se na sociedade e, mesmo, a contribuírem à transformação congruente do mundo «natural».
Acho preciso apontar uma consequência imediata que mereceria melhor tratamento. O denominado nacionalismo galego ainda nem alcançou a condição de ideologia política porquanto, não redefinindo nem as fontes, nem a proporção de poder atuante no seu território, também não parece tentar a «preparação» do homem galego à nova sociedade. Menos ainda parece procurar a transformação do mundo nacional; quer dizer, ainda não parece ter concebido que para lograr politicamente a Galiza cumpre mudar desde hoje «Galicia».
Continuemos. Um determinado tipo de previsão tecnológica decerto subsidia qualquer atividade ideológica, de maneira que, como fica dito, tanto no campo tecnológico quanto no ideológico o conhecimento se estima meio para conseguir os fins práticos que os caraterizam (M. Bunge 1976: 702). Ainda mais, «o seu uso adequado orienta-se quer a controlar as cousas ou os homens mediante a mudança do curso dos acontecimentos, talvez até o deter totalmente, quer a forçar o curso predito dos factos, embora interfiram nele acontecimentos impredizíveis» (M. Bunge 1976: 704).
Em todo o caso, tanto dos técnicos que manuseiam os objetos das ciências da sociedade, quanto dos ideólogos, pode dizer-se que sempre julgam sobre a base dalgum conhecimento especial, embora este não seja sempre nem explícito nem articulado.
Por consequência, pode sem erro afirmar-se que «é conhecimento que não aprende dos fracassos e que se torna dificilmente contrastável» (M. Bunge 1976: 707).
1.2.
O nacionalismo é toto facto et toto iure ideologia. Será defensiva ou ofensiva e, cada uma dessas vitualidades, por sua vez, estará conformada como primariamente biológica (ou étnica), económica, cultural e política, segundo classificação recolhida em M. Bunge (1985: 150-151)[2].
Cumpre assim reconhecê-lo e mesmo cumpre reconhecer que nesta altura da História é a ideologia nacional a que se torna em fundamento de ulteriores saberes, sobretudo para aqueles cidadãos qualificados que, por isto mesmo, dirigem factual e necessariamente a comunidade nacional e, constituidos em dirigentes, interpretam com autoridade os acontecimentos atinentes à Nação; ainda mais, é mercê dessa autoridade que mesmo os acontecimentos existem enquanto nacionais. E tudo isso, apesar das frequentes retóricas em contrário.
1.E Entre outros, dependem da ideologia nacional os saberes relativos à língua; a própria da Nação/Estado será definitivamente nacional e portanto primeira e fundamental, enquanto outras, quando incluidas no território da Nação, se estimarão «regionais» (ou simplesmente «dialetos») e como tais funcionarão, mas, quando exteriores a esse território, serão apenas estrangeiras e portanto administrativamente excluídas. De facto nos Centros escolares (dependentes ou não das instituições, por exemplo, da Nação espanhola) as línguas são assim estudadas.
Acrescento que essa organização funcional deriva da situação factual ou singelamente política que o Lebrixano, na sequência de uma já longa tradição, definia no «Prólogo» à sua Gramática (1492):
Quando bien comigo pienso [...], i pongo delante los ojos el antiguedad de todas las cosas: que para recordacion i memoria quedaron escriptas: una cosa hállo i saco por conclusion mui cierta: que siempre la lengua fue compañera del imperio: i de tal manera lo siguió: que junta mente començaron, crecieron, i florecieron, i despues junta fue la caida de entrambos (A. Quilis 1980: 97).
Segundo é manifesto, estou a refletir sobre o nacionalismo cultural atuante por estas partes da Europa. À partida pode ser definido fraca ou fortemente:
") A definição fraca da nacionalidade «outra», a galega, promana do pensamento forte da espanholidade (com que se identifica o pensamento fraco da galeguidade) enquanto «compreende» o facto diferencial galego até ao ponto de que lhe «reconoce y garantiza el derecho a la autonomía [...] y la solidaridad entre todas [as nacionalidades e regiões] (CE art. 2.E).
Eis o antigo pensamento de um galeguista histórico plenamente integrado:
O desenvolvemento da cultura galega tamén vai esa mesma trascendencia comunicativa do noso ser espiritoal. Pódense percibir amplas e sutilísimas zonas da nosa intimidade reflexadas na obra dos poetas, dos escritores, dos artistas, pois gran parte desta obra está feita con sustancia «entrañable» de todos nós. Por algo o pobo se apropia, fai súa a obra dos grandes creadores como algo que lle pertence de maneira natural. Entre os que chegaron a plasmar unha imaxen total de Galicia, agora imos escoller somentes tres: Rosalía, Valle-Inclán e Otero Pedrayo (R. Piñeiro 1954.1974: 68).
$) A definição forte da espanholidade alicerça decerto nas instituições da Nação/Estado e cumpre esperar que estas a publicitem. Em particular, a definição de «cultura española» dá-se por solidamente estabelecida, apesar de racionalmente ser ainda lábil e escorregadiça. Assim se exprimia um dos teóricos do nacionalismo (cultural) espanhol:
El dolor de la España única y eterna, entrañado en todos los espíritus que se elevan a una consideración histórica por cima de tantas convulsiones pasadas, traerá la necesaria reintegración, a pesar de la tremenda borrasca de antagonismos inconciliables que azota al mundo. La normalización de la vida exigirá, mañana mismo, ideas de convivencia por las que cada español, movido de fecunda simpatía hacia su hermano, deje agitarse dentro de sí las dos tendencias, tradición y renovación, las dos fuerzas que siempre han de contender y compenetrarse, impulsando los más beneficiosos aciertos, las dos almas contradictorias que siente dentro de sí todo el que pugna en los altos problemas y aspiraciones de la vida (zwei eelen vohnen, ach! in meiner Brust), las dos almas que decía Unamuno llevar en su pecho, de un tradicionalista y de un liberal en inacabable y siempre fructífera discusión, los dos impulsos que hacían a Menéndez Pelayo exaltar la intolerancia de espada y hoguera, y rectificar después, teniendo por verdaderamente cristiano el 'no matar a nadie'» (R. Menéndez 1951.1971: 230-231).
2.E Aquela condição factual que distingue a atividade dos Notáveis nacionais (ideólogos, cientistas ou tecnólogos) explica que, para o serem com adequação, precisem exprimir (embora as não publicitem) as premissas de valor relativas à definição da nacionalidade e motivadoras das respetivas tarefas, ações e empresas (compare-se com G. Myrdal 1967.1976: 63-70). Se essas premissas de valor não se puderem tornar explícitas, a racionalidade, essencial a toda a elaboração ideológica, não apenas ficará reduzida, mas mesmo será caótica e ineficaz a prática subsequente, na qual, em definitivo, se resolve aquela. Aconteceu grandemente com o nacionalismo espanhol que surgiu eivado de irracionalidade, compadecida de indolência crônica. É também o que, sobre o modelo de aquele, está a acontecer com os denominados «nacionalismos galegos», supostamente diversos. Com efeito, todos eles reincidem em evitar a racionalização dos discursos que sustentam sobre a Galiza relativamente
[1.E] à delimitação do território e da história nacionais e
[2.E] à normalização cultural e linguística; portanto,
[3.E] nem projetam
[4.E] nem logicamente executam «estratégias» e «táticas» pertinentes.
O início do processo nacionalizador da Galiza haveria de consistir em esclarecer, com suficiência, sem ambiguidades, esses pontos fulcrais.
3.E Na realidade, uma ideologia nacional, enquanto é visão do mundo não adscrita a uma determinada classe social, 'coincide com os limites que o conhecimento e o pensamento formados e desenvolvidos no interior da Nação, enquanto conjunto de âmbitos comunicacionais, não podem exceder, sem entrarem em contradição com os interesses nacionais [dos Notáveis da Nação] que lhes serve de quadro e de suporte' (vide A. Sedas Nunes 1971.1987: 66-67; também 69-88).
O máximo de consciência possível que o conjunto dos Notáveis da Nação se pode permitir não apenas consente e promove a mitificação dos factos históricos a legitimar exemplarmente as premissas de valor a respeito da existência da Nação, mas sobretudo impede a todos os nacionais as submeterem a análise e crítica profunda e só transige com a expressão de valorizações negativas muito genéricas que, por sua vez, nunca se transladarão às camadas populares. Decerto,
os limites da consciência possível [...] não se projetam somente sobre o conhecimento espontâneo, vulgar, não teórico, ou pré-teórico. Também se manifestam, embora doutro modo, ao nível das teorias científicas e das correntes teóricas, pelo menos nos domínios das Ciências do Homem. (Sedas Nunes 1971. 1987: 67-68; itálico do autor).
Os notáveis espanhois estão a efetivar na Galiza, a respeito da «língua galega», um processo que de facto parodia grotescamente o seriamente verificado com a sua língua nacional:
a) têm quebrado a racionalidade no que atinge ao idioma galego, até hoje pacificamente recebida nas Ciências da Linguagem;
b) têm aberto uma controlada prática «social» contraditória com a prevalecente entre os cultores das línguas de cultura;
c) estão a argalhar assim perigosas e arbitrárias fragmentações «teóricas», que, aplicadas a outras situações que a galega, destruiriam a ordem estabelecida e por eles sustentadas.
Apesar de tudo, esses «ideólogos» (com os seus adictos) permitem-se estender esse «estado de opinião» [doxa] que, no início e de facto entre a gente galega, ulteriormente de iure também perante os seus nacionais, «legitima» soluções de continuidade que hão-de afetar tanto à ideologia [sem aspas], quanto à prática social [também sem aspas] (Veja-se H. Kliemt 1978.1983, passim).
Quando esses limites forem excessivos, também ficarão reduzidas as possibilidades de confrontar os textos, entre eles, e os respetivos contextos, como com certeza também estarão distorcidas in extenso as condutas dos inter-comunicantes.
Nalguma medida, mesmo em situações de normalidade, todos os cidadãos, enquanto agentes de âmbitos comunicacionais diversificados, acham-se incursos naquela situação que Bateson (1969) descreveu modelicamente na sua teoria da dupla ligação (vide A. Wilden 1972.1979: 111-129).
Contudo, como faz o sociólogo valenciano-catalão Lluis Aracil (1983: 108), vale referir essa teoria da dupla ligação às situações em que «convivem» cidadãos pertencentes a duas Comunidades Linguísticas, uma conflituosamente minorizada e outra «pacificamente maiorizada».
Hão-de cumprir em tais situações três condição:
«a) una relació estable, intensa i important, típicament familiar;
b) dues normes contradictòries que obliguen um membre de la relació;
c) una tercera norma que fixa els límits del joc i prohibeix d'eixir-ne de cap manera».
É de facto essa terceira norma, aplicada muito estritamente, mesmo repressoramente, a que põe
«l'individu[3] en una situació desesperada tot condemnant-lo a viure-la intensamente sense veure-la mai clarament. És un veto categòric que posa fora de la qüestió aquells recursos que poden transcendir la situació i alliberar l'individu» (ibidem).
Assim, a situação descrita torna-se esquizofrenizante não apenas dos cidadãos pertencentes às duas Comunidades (bilingues portanto), mas inclusivamente de aqueles «maiorizados» (procuradamente unilingues) que, não fazendo parte da Comunidade minorizada, por razão de função pública ou política, têm de tratar com os primeiros. Em qualquer dos supostos:
a) os «maiorizados» excluem a ironia e a crítica, secundados pelos minorizados, numa procura doente de alcançar unanimidades cada vez mais inânimes e anónimas. Quer dizer, é proibido negar quaisquer dos pontos da propaganda oficial sobre a «língua própria», assim como submeter a qualquer tipo de análise racional os achados do saber oficialmente estabelecido sobre essa língua e temas afins; é simultaneamente vetado questionar a «certeza» dos princípios e atuações, sociais e políticos, que levam adiante os partidaristas e outros notáveis minorizados.
b) «maiorizados» e minorizados minimizam qualquer processo de aprendizado socializador até nulificarem, obedientes à rotina, a normalização cultural da Comunidade minorizada, adiada sempre ad kalendas graecas, já que a classe dirigente, que por definição pertence à Comunidade «maiorizada», só «permite» sucessivas e definhadas experiências nunca acabadas e frustrantes.
Repasse-se a política de subsídios à cultura autóctone levada adiante por qualquer das «Xuntas» governantes na Comunidade Autonómica galega, desde o início da democracia, e comprove-se quantas delas contribuiriam na realidade à normalização; por outro lado, repasse-se, por exemplo, o número das publicações periódicas aparecidas na Galiza nestes dez últimos anos e comprove-se quantas delas chegou ao número 3.
c) «Al limit, cal optar [por ambas as bandas] entre la violència cega i desesperada, i l'acceptació fatalista de la confusió i la impotència» (Ll. V. Aracil 1983: 109). Não se precisa comentar mais; basta com olhar para os «nacionalismos periféricos» no Estado espanhol, nomeadamente os atuantes na Galiza.
2. MARGINALIZAÇÃO APÓS MARGINALIDADE
A elaboração de uma orthographia, enquanto «língua graficamente formalizada», constitui de facto o objeto de um preciso e peculiar processo (quase) tecnológico.
Talvez convenha nesta altura lembrar que, segundo tem teorizado o Prof. Coseriu, «os modos linguísticos que se comprovam no falar concreto patenteiam [...] o 'saber linguístico' dos falantes [em geral, dos utentes]» (1973:57) que o adquirem continuamente de outros utentes, situados nomeadamente nos meios institucionais e para-institucionais.
Continuava o Professor, «o saber linguístico é um saber fazer, isto é, um saber técnico» (1973: 58; vide passim).
Ora, o processo (quase) tecnológico por que, em última instância, se torna distinto/adequado (ibidem) aquele saber técnico, acha-se em qualquer caso submetido aos limites que as premissas de valor definidoras da ideologia nacional impõem, como igualmente se acha submetida a essas premissas a atividade científica correspondente[4]. Ainda mais, o «produto gráfico» não esgota os objetivos desse processo (quase) tecnológico; imbrica-se nele, embora se não procure sempre de modo explícito, um determinado modelo de usos[5] que com certeza se tentará efetivar.
2.1.
Convém insistir no facto de a orthographia, enquanto instrumento eficiente, verificar a comunicação entre os seus usuários para além de os identificar simbolicamente do ponto de vista individual e social. Nas presentes circunstâncias civilizacionais, a orthographia é instrumento sempre eficiente, com independência da pessoal competência dos agentes para o utilizarem, de maneira que é o facto de o utilizarem em processos comunicativos, juridicamente regrados, o que identifica os cidadãos como tais nas sociedades.
Basta com acudir à experiência do que acontece na Galiza espanhola para evidenciar esta observação sem necessidade de recorrer a outro tipo de argumentação. Ainda mais, contra o que se vem proclamando, o Povo não legitima os seus presumíveis Notáveis enquanto utentes de uma determinada formalização da língua nacional (?) da Galiza.
Acontece, pelo contrário, que são tais membros qualificados da sociedade, já organizada em Estado/não-Nação-galega, os que estão já a autorizar os textos (e os seus emissores) enquanto que efetivam e explicam o âmbito comunicacional que, uns e outros (os uns pelos outros), denominam Nação espanhola.
Com efeito, as decisões administrativas, atinentes ao uso da língua não nacional da Espanha, chame-se esta galega ou portuguesa da Galiza, cumprem na estrita literalidade essa doutrina, segundo patenteiam, verbi gratia, os pronunciamentos dos magistrados da «Sala de lo Contencioso-Administrativo del Tribunal Superior de Justicia de Galicia» quando implicadamente baseiam o «Fundamento jurídico primero» da sentença 826/1989 numa condição que identifique como nacional a língua graficamente formalizada:
Apreciando que los escritos de interposición del recurso y demanda ni ortográfica ni morfológicamente adoptan alguna de las modalidades en uso de la lengua gallega [etc.]» (Agália núm. 20 (Inverno de 1989), p. 511; veja-se Agália núms. 19, pp. 387-393, e 20, pp. 505-511).
Cumpre advertir ao caso que os «escritos» a que a «Sala» se refere estão redigidos, como a presente comunicação, em «alguna de las modalidades en uso de la lengua gallega»:
a) a que, como ortografia nacional, é 'modalidade' de uso habitual e oficial tanto em Portugal quanto no Brasil;
b) porém, nestes assuntos uso há de ser entendido na Galiza na acepção de «acción y efecto de usar» ou «hacer servir una cosa para algo» (veja-se no Diccionario de la Real Academia Española as vozes «uso» e «usar») dado que nenhuma das «modalidades [...] de la lengua gallega» foi declarada de uso oficial, como evidencia a literalidade da sentença, nem cabe estimar «ejercicio o práctica general» a utilização do idioma galego na Administração e mesmo na sociedade.
Acrescento o facto de a Orthographia ser instrumento em cuja configuação, mais que na de qualquer outro tipo de instrumentos, se incluem as circunstâncias e caraterísticas dos processos, comunicacionais, em que se emprega. Quer dizer, na formalização gráfica, considerada em globo, acha-se ínsita a modelização das condições que conformam os processos comunicacionais a que aquela se diz destinada. Parece coerente presumir que os modelizadores da língua graficamente formalizada, enquanto instrumento linguístico eficaz, mormente nos âmbitos institucionais (e para-institucionai), a concebam atendendo:
a) ao tipo de agentes comunicadores que hão-de o utilizar;
b) à condição dos textos que esses agentes hão de elaborar;
c) à configuração dos âmbitos em os agentes hão de comunicar-se;
d) sobretudo à eficiência que pelo uso desse instrumento esses agentes têm de verificar nuns determinados âmbitos.
É por isso e nesse senso que dizíamos se achar ínsita na formalização do instrumento gráfico a própria modelização dos factores ou elementos intervenientes na comunicação previsível e segundo as coordenadas previsíveis.
2.2.
Se a teorização não isolacionista da Comunidade galega tiver de emarcar-se nalgum dos tipos de ideologia nacional dentre os acima apontados é nomeadamente no cultural, antes que no biológico (ou etnico) e mesmo antes que no no político. Entendemos por cultura o espaço ou matriz simbolico-comunicacional em cujo seio as relações humanas podem ser gratificantes ou, em todo o caso, não conflituosas, desenvolvam-se quer nos âmbitos restritamente institucionais, quer nos outros, nos não institucionais. Estes, em que predomina o relacionamento próprio da oralidade, foram num início os uns, mas nesta altura [des-]estimam-se e [in-]validam-se desde os institucionais, em que a comunicação se desenvolve basicamente mediante a escrita. Dito de maneira equivalente:
saber ler e escrever já não é uma especialização, mas condição prévia a todas as especializações numa sociedade em que todo o mundo é especialista. Nesta sociedade a lealdade destina-se, antes de mais nada, ao meio da alfabetização e ao protetor político. (E. Gellner 1983.1988: 181)
Lembremos que compõem o [sub-]sistema cultural «os criadores e difusores de bens culturais, relacionados entre si por fluência de informação» (M. Bunge 1985: 200).
Cumpre considerarmos inclusos neste apartado não apenas os grandes cultores das letras, das artes ou das ciências, mas também, e antes de mais nada, os laboradores quotidianos da língua, falantes e escreventes, em especial os adscritos ao ensino e aos meios massivos de comunicação. Portanto, é desde essa dimensão cultural e no seu interior que devemos entender e analisar as propostas não isolacionistas.
As «isolacionistas», porém, entendem-se sobretudo desde a dimensão política, enquanto destinadas a verificar, também no campo da estrita Cultura, o [sub-]sistema político-nacional espanhol, aquele em que se acham integrados os cidadãos fruintes dos direitos políticos reconhecidos na vigente Constitución española (1978) e participantes na «cousa pública» que é o “Reino de España”.
Se avaliamos com rigor o tratamento «científico» a que entidades académicas espanholas, nomeadamente as autonómicas, estão a submeter o galego, não apenas enquanto idioma, mas sobretudo enquanto Comunidade Cultural, e se examinamos com justeza os preceitos legais, jurisprudência e decisões administrativas correspondentes, promanadas das instituições públicas, teremos de concluir que nesta altura os responsáveis de verificar o projeto nacional espanhol sabem já tratar o «feito diferencial», cujos «representantes», de «boa fé», o entregam a câmbio de promessas mais do que realidades.
Particular atenção mereceriam as «boas fés» de entusiastas «normalizadores» isolacionistas do idioma galego, num senso restrito: sem lhes desprezar esforços, sacrifícios até, nego-me a imaginar que nunca tenham matinado sobre o processo pertinazmente marginalizador a que se está a submeter a Comunidade Cultural assentada na Galiza espanhola.
Permita-se-me insistir em que o isolacionismo (não apenas linguístico), que assumem as Instituições espanholas, toma a circunscrição político-administrativa como critério primário para definir o facto de as falas não-castelhanas, realizadas nesse território, constituirem uma denominada língua galega que o art. 5.E § 1 do Estatuto de Autonomía para Galicia declara, ambiguamente, «própria da Comunidade Autónoma» e que, por isso mesmo, continuam a supor, há de estimar-se língua diferente da portuguesa.
Por outro lado, conflituosamente admite-se, com as precisões «científicas» pertinentes, que também o idioma galego se fala nos territórios limítrofes, pertencentes às Comunidades Autónomas do «Principado de Asturias» e de «Castilla-León», em todo o caso, integradas no «Reino de España».
Digo «conflituosamente» e «com as precisões 'científicas' pertinentes» porque de facto, quase simultaneamente à declaração estatutária, se reconheceu a existência de um galego astur [e berziano] e a necessidade de o «subnormalizar», lhe[s] outorgando explicitamente a formalização gráfica correlativa da sua condição de «sub-norma» da «lingua galega», que por sua vez está «sub-normalizada» a respeito da Norma do espanhol comum.
3.- PARA CONCLUIR.
Que cada um tire as conclusões que julgar mais adequadas ou corretas. Dixi.
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[1] Permito-me propor aos participantes a estes Primeros Encuentros de la Sociología en Galicia as reflexões que seguem, embora já no espírito e parcialmente na letra foram propostas noutras ocasiões, como no III Congreso Nacional de Sociología (1989) e no III Congresso Internacional da Língua Galego-Portuguesa na Galiza (1990). Assim procedendo, poderei corrigir, pelas observações e objeções que se fizerem, aquilo em que sem dúvida estou errado e, sobretudo, emendar, pelas dilucidações que se me oferecerem, a ignorância que com certeza padeço.
[2] Tenha-se, porém, presentes as «classificações» que dão A. Smith (1971.1976: 295-317) e E. Gellner (1983. 1988: 117-141); considere-se também as reflexões de R. Lôpez Suevos sobre o tema (1983: 45-50.85-91).
[3] Cerca não apenas o indivíduo; são os grupos, todos, de que o indivíduo pode fazer parte os que padecem com plena imediatez as "exigências" da situação minorizada. Na realidade essa terceira norma restritiva sempre e em exclusivo se aplica aos usos da língua "outra", à não nacional e "regionalizada", embora o indivíduo e os grupos se identifiquem naturalmente com ela. Assim tornam-se em cidadãos minorizados, como a língua, enquanto, submetidos a tratamento jurídico discriminatório, padecem legalmente de insuficiência cultural e comunicacional.
A passagem social e política à "libertação" dessa insuficiência, quando acontecer, é facilmente explicável. Contudo, é mais frequente a queda na confusão, na impotência ou na cultura do conflito pelo conflito.
[4] Noutro trabalho examino o "modelo koinológico" que elaborou o sociólogo, recentemente finado, Heinz Kloss, e que, para as línguas românicas, reveu o Prof.Zarco Muljacic (1983 e 1986). Há uns anos, Ursula Esser ( 1986) referiu-se, ingenua e elementarmente, a esse modelo sem remeter à reelaboração do Prof. Muljacic. Ultimamente algum membro do "Instituto de la Lengua Gallega" (H. Monteagudo 1990), desconsiderando que esse "modelo koinológico" tem basicamente caráter tipológico-descritivo, tentou aplicá-lo à "normatización do galego" porque nele (fantaseia) as "propostas isolacionistas" acham a consistência científica de que sempre careceram.
[5] É falso, por insuficiente, aquele princípio (e fundamento) da mal denominada "ortografia fonemática", quer se formule simplesmente "há de escrever-se como se fala", quer se reformule, com menos precisão ainda, "a lingua normativa [= escrita] [...] ha de ser continuadora da lingua falada pola comunidade e ha de achegarse canto sexa posible a ela".
Antes, a escrita de iure et de facto normatiza as falas, quando os usos linguísticos se acham normalizados e muito mais a própria norma (oral), quando é procurado implementar com seriedade um processo normalizador.
Contudo, se, como propõem os "isolacionistas", o modelo comunicativo a normalizar é o correspondente à oralidade, decerto nunca se conseguirá uma normalização equivalente à vigorada nas sociedades modernas constituidas em Estado-Nação porque nem a Orthographia será instrumento eficiente, nem os elementos da comunicação atingiCrão o estatuto e importância que têm nas situações normais.
Carta ) HOMENAGEM ( a Manuel Maria
Prof. Dr. António Gil Hernández, da A.A.G-P.
Outubro de 2005
CARO MANUEL MARIA, QUE ESTÁS NOS CÉUS:
Permites-me que comece assim esta carta HOMENAGEM, que dato quase no cabodano do teu passamento? Espero que sim, que mo aceites, não apenas porque agora bem conheces a sinceridade da minha admiração por ti, mas sobretudo porque sabes que essa admiração era e é amostra de amizade, de carinho. Sim, carinho, mas carinho quase transcendente... Lembro-me dos momentos das despedidas em que tu, retranqueiro até a singeleza, dizias algo assim como: «Contemplamo-nos. Até já». Eu correspondia: «Até à próxima em que nos contemplemos.»
Decerto conversar contigo era como uma contemplação, muito longe (felizmente) da visio divina, porque era, sem metáforas, contemplação humana plenamente satisfatória: Nunca chegava o tempo de terminar, nunca a conversa parecia acabada. Sempre ficava qualquer cousa a dizer e comentar e lembrar e sobretudo narrar.
(Se havia um copinho de bom vinho, melhor... Com a permissão de Saleta, que tu por vezes furtavas, meu! Picarão!)
Manuel, fazias-te querer sem querer: falavas, narravas, contavas e nunca cansavas... Era como se toda a história, grande por minúscula que parecesse, fosse resvalando da tua palavra, constante e intrigante na sua singeleza.
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NÓTULA SOBRE UNS COMENTÁRIOS
AO REINTEGRACIONISMO DE MANUEL MARIA
N.0.- INGRESSO
Em 2001, a editora Laiovento publicou Manuel María: os traballos e os días, de Camilo Gómez Torres (em adiante CGT 2001). Como o autor explica na «Nota introdutoria»,
Este libro é un dos capítulos da tese de doutoramento Manuel María: poesía, traballo lingüístico e traballo cultural, presentada na Universidade da Coruña o día 19 de maio do ano 2000. [...]
Para a súa publicación, introducimos algunhas modificacións sobre a redacción inicial, contextualizada no marco conxunto da análise poética e sociolingüística. Tres foron as razóns dos cambios: en primeiro lugar, actualizar os datos biográficos, pechados no corpo da tese en 1995 e ampliados agora co trienio 1996-98; en segundo lugar, incorporar algunhas suxerencias feitas polo tribunal e precisar algúns datos que desde o tempo de culminación do traballo descubrimos; e, por último, descargar e aliviar de cadros e relatorios culturais, certamente descarnados, as etapas finais da traxectoria vital e socioliteraria do noso poeta. (CGT 2001: 7).
Nesta NÓTULA tento glosar os comentários do autor sobre a concepção que Manuel Maria patenteia pelo só facto de publicar os três poemários —Versos do lume e o vaga-lume (1983), A luz ressuscitada (1984) e Oráculos para cavalinhos-do- demo (1986)—em “galego reintegrado”; também examino como é que Gómez Torres interpreta essa opção. A “incursão” do poeta no reintegracionismo “interior” (sic) é tratada mormente ao longo do GGT 2001 ¶ 7. 1981-1985 e no início do ¶ 8.2. 1986-88. Porém, a relação com o português e a cultura portuguesa (“reintegracionismo” exterior: sic) vinha de longe, dos anos 60 e 70; assim a apresenta Camilo:
Do 8 ao 16 de xaneiro [de 1972] viaxa por Portugal para presentar a escolma 99 poemas de Manuel María [Razão Actual, Col. Poesia, núm. 3, Porto, 1972] [...]. O día 8 dá un recital no Teatro Universitário do Porto, intervindo tamén no acto o cantante galego Xoán Rubia e o baladista portugués Manuel Freire. O 10, os actos son dous: presenta a escolma 99 poemas na Livraria Leitura, do Porto, e dá un recital na Cooperativa Estudiantil “Unitas”, de Coimbra. Achégase ata Lisboa o día 11, para presentar a escolma, dar un recital e asinar libros de versos na Livraria Ulmeiro; e en Lisboa dá unha conferencia sobre “Os 30 derradeiros anos da poesía galega”, na Sociedade de Língua Portuguesa. O 13, volve a Porto e presenta a escolma na Livraria Ler. E para rematar esta maratón cultural, o 14 dá un novo recital na Associação Cultural “Convívio”, de Guimarães. (CGT 2001: 152)
Assinala pouco mais adiante:
Lembra ás veces Manuel María que lhe causou unha fonda impresión o comportamento dos estudiantes de Coimbra, cando, nos momentos da presentación do recital na Cooperativa Estudiantil “Unitas”, entrou na sala o profesor Rodrigues Lapa; todos se puxeron en pé, aplaudíndoo garimosamente. Aquela tarde-noite Manuel María coñeceu o mítico profesor portugués, co que sempre mantería unha sincera relación de amizade e admiración. (CGT 2001: 153)
E imediatamente continua:
A aparición en xuño das Odas nun tempo de paz e de ledicia (1972) na editorial Razão Actual, do Porto, ten tamén ampla repercusión na prensa portuguesa, aínda que nesta ocasión Manuel María non viaxa a Portugal. (Ibídem)
N.1.- OS POEMÁRIOS
Passemos a considerar a prática reintegracionista do poeta, a teor dos comentários de Camilo Torres. Diz este autor:
Rematado O camiño é unha nostalxa [em 1981] comeza a escribir en xuño un novo libro: Os versos do lume e o vaga-lume, tal como conta nunha entrevista de 1983 [da qual toma, em nota a rodapé, o seguinte:]
N.1.1.- Versos do lume e o vaga-lume
«O libro escribino no mes de maio, e foi saíndo como unha unidade. Eu escribin uns versos de andar e ver que son unha serie de vaixes que fixen ou que soñei. Eu, moitas veces que vou a un lugar, para recorda-lo escrebo un poema. Rematado iste libro, continuei a serie coa primeira parte dos Versos do lume e o vaga-lume. Esto complétase coa segunda parte que trata, ademais das terras, das cousas máis íntimas, coma pode ser a miña casa natal, a brétema, a cunca... e a carón diste andar e ver xurdiron os outros poemas —“Espelhos”, “Regressos”— do libro» (“Manuel María, hoxe en A Coruña”, por Eva Valcárcel, El Ideal Gallego, A Coruña, 13-I-1983)» (citado em CGT 2001: 217-218)
Desta obra cita-se o poema que se inicia pelo verso «Chamei, de jeito pesado e insistente,...» (CGT 2001: 220), como amostra da paixão, do «inconmesurábel amor vencedor do desalento, o cansazo e as traizóns»:
[...] a finais de novembro [de 1982], está xa nas librarías Versos do lume e o vaga-lume, publicado Galiza Editora, de Ourense. Os corenta e oito poemas aparecen distribuídos en catro partes de doce poemas que nos falan dos lugares e cidades que visitou [Santa Isabel de Outeiro de Rei, Sam Andrés de Teixido, Penas de Rodas, Castro de Viladonga, O Xistral, Santiago de Compostela, O Minho, Dólmen de Dombate, Ribeiro de Ávia, Nossa Senhora da Saleta de Astureses e Fisterra]; é dicir, estamos diante dunha continuación de O camiño é unha nostalxa, aínda inédito neste ano; nas outras tres [«Espelhos», em que os poemas carcem de título; «Fogueiras» e «Regressos»] agrupa, ora cantos melancólicos e intimistas, ora cantos ás cousas próximas, amadas e esenciais [A casa, A gaita, A brêtema, O lume, A cunca, A rosa, O metropolitano ou metrô, Os velhos cafés, A chuva, O mar, O loureiro e Os defuntinhos], ora laios, reflexións e novas nas que pasado e presente se funden [mormente na quarta seção, em que de novo os poemas não são intitulados]; a carón do textemuño das viaxes reais, físicas, as viaxes íntimas, os regresos, a análise ou reencontro interior na procura das sinais de identidade persoal e colectivas que o tempo pasado foi debuxando na súa total rota vital, na súa loita por vencer o non ser, a morte e o silencio de si mesmo e do colectivo nacional ao que pertence.
Este poemario aparece grafado en galego reintegrado, como aparecerán tamén nos anos vindeiros A luz ressuscitada (1984) e Oráculos para cavalinhos-do-demo (1986). (CGT 2001: 221-222)
Contudo, cumpre salientar o facto de o texto inicial do poemário e da primeira parte, “Peregrinages”, “Ainda tenho a esperança...”, constituir uma curiosa mistura de esperança no povo da Galiza e de fé na própria voz de poeta, «que apenas poderá roçar / a intimidade choída dos galegos, / estranha tribo incompreensível / feita de treva, vento e cantaria», que culmina no último poema numa confissão de amor a Saleta e, de novo, à Galiza (Versos do lume..., p. 62; grafo à portuguesa a escrita de Manuel Maria em Norma AGAL):
Quando já não haja fugida para nenhures
e chegue a hora do derradeiro acougo
e feche os olhos à beleza do mundo
quisera levar comigo,
para ter algo de companhia no meio
de tanto siléncio e tanta noite,
a tenra luz da olhada de Saleta
e o rumor da brisa
que passa agarimando a minha tribo
pois com estes lumes tam amados
seguiria aquecendo o coraçom.
N.1.2.- A luz ressuscitada
Deste poemário Camilo Gómez Torres diz:
Sae em novembro [de 1984] o seu máis recente libro de versos, co título de A luz ressuscitada, tamén en galego reintegrado e publicado pola AGAL, entidade organizadora do acto de presentación en Santiago o día 14, coa intervención de Ramón López Suevos e António Gil Hernández [acima coloquei o texto da minha apresentação, levemente atualizado], ademais do propio Manuel María. Nel reúne cen poemas en verso libre nos que, segundo recollemos dunha entrevista aparecida na revista Os habitantes do lago (A Coruña, nadal 1984), «intentei reviver un pouco a miña adolescéncia, descovrir as miñas saudades de home maduro e cantar as cousas pequenas e máis familiares que temos sempre ao noso arredor». O corpus poético aparece distribuído en catro partes, cuantitativamente homoxéneas, pero heteroxéneas tematicamente; só a segunda, dedicada a cantar os animais, paxaros e non paxaros é homoxénea. (CGT 2001: 236).
De facto está, por sua vez, dividida em duas partes:
A) Peixes, Cervo, Doninha, O boi, Cam, Gato, Galo, Raposo, Toupa, Vaga-lume, Lobo, e
B) Que nome terá...?, Páxaro, Bolboreta, Pombas, Lavandeira, Andorinha, Corvo, Rola, Rouxinol, Gaivota, Laverca.
A enumeração (quase) caótica de bichos ou, mais bem, a cumulação de poemas de animais, acaso pretenda representar, no imaginário de Manuel Maria, a Natureza da Galiza, multiforme e em aparência desordenada.
Continua Camilo:
As tres restantes desenvolven grande parte dos campos —que non temas— que a súa poesía está a tratar nestes anos: viaxes, denuncia e compromiso social, mundo inmaterial, cousas e máquinas, tempo, física e astros, meteoros, mundo vexetal e agrícola, paso do tempo, a mor a Saleta, vida e morte, urbanismo... O amplo abano de campos e temas tratados fan de A luz ressuscitada un dos poemaios máis representativos dos anos oitenta e noventa, aínda que xa os campos tratados están presentes na súa poesía das décadas anteriores. (CGT 2001: 236-237)
Deveras o poemário, iluminado pelo primeiro poema (acima transcrito) “A Saleta”, percorre em zigue-zague, nada arbitrário, os mundos do poeta. Vejamos:
a) Na primeira seção expõe as origens e as lembranças quer da meninice, quer da adolescência (cronológicas ou afetivas, mas fundas). Dentre os vinte e dous (22) poemas que a integram, talvez o primeiro seja o mais representativo. Tem por título “Fé de vida”; sem paradoxo, inicia-se pela referência, dupla, ao seu corpo («Este corpo meu») e acaba pela última definição do poeta como homem galego: «laio, chio case / imperceptível que quiçá, quiçã, / reconheceria alguém na minha tribo / como senha essencial de identidade.» Outros poemas salientáveis são “O vinho”, “De amicitia” e “Rosas”, que encerra esta seção.
b) Na segunda, subdividida noutras duas seções (assinaladas acima), o poeta oferece a (sua) fauna cordial.
c) Na terceira, a madureza e preocupações sociais, que, por isso mesmo, também são políticas, quer dizer, nacionais galegas; para, na quarta, voltar à intimidade do fim e destino humanos.
N.1.3. Oráculos para cavalinhos-do-demo
Camilo Gómez situa a redação do poemário em 1985:
1985 é, como moitos outros anos e momentos da vida de Manuel María, o espello dun ideal de vida, sacrificado, xeneroso, dorido, paciente, honesto e, tamén, gozoso. De todo hai nun ano creativamente sobranceiro, culturalmente intenso, politicamente doloroso e humanamente cheo de luces e tamén sombras. Son moitos os camiños peo un só e claro camiñar, definido nuns versos que neste ano escribe:
Entre a ruina dos nossos féveis,
senlheiros coraçons permaneceu
o rescaldo da fogueira que
através dos anos nos quentou.
E alguns de nós ainda agardamos
luz e salvaçom para a nossa tribo.
Os versos pertencem ao poema que abre o tercero copro poético, «Os mitos e as derrotas», dun novo e recente libro de versos: Oráculos para cavalinhos-do-demo. A publicación dos dez poemas do corpo segundo «Os cavalinhos-do-demo» no n.º 1, agosto, da revista Follas secas, de Ourense, sitúa em xuño a fronteira da súa redacción. (CGT 2001: 237-238)
Na seção «8.2. 1986-88: Galiza, tarefa inacabada» afirma Camilo:
Os dous libros de versos escritos en 1985 saen en Ourense en 1986: Oráculos para cavalinhos-do-demo, editado por Caixa Ourense [sendo presidente José Posada], e Ritual pra unha tribu capital de concello, publicado por Follas Secas, editorial que xa anticipara na revista homónima, en 1985, poemas de cada un dos dous libros.
Oráculos para cavalinhos-do-demo é o terceiro título que aparece en galego reintegrado. Nel recolle setenta poemas en verso libre, distribuídos en cinco partes de vinte, dez, dez, dez e vinte composicións. A primeira, a cuarta e a quinta son tematicamente heteroxéneas (a carón de poemas dedicados ao seu andar Grecia e Italia, atopamos outros campos: mundo inmaterial, mitos e deuses, cousas, tempo, amor a Saleta, palabra poética...), mentres que as dúas restantes son homoxéneas (animais na segunda, e compromiso, denuncia e historia e homenaxes na terceira); na segunda parte recolle dez cantos tan breves como fermosos, delicadas composicións nas que a metáfora (ora visual [«pinga de luz» (1), «laio surdido à luz» (3), «pinga de luz na luz, / mínimo latejo incendiando / de nédio amor ao universo» (5), «Intenso relampo» (7)], ora cinética [«pétalo que vás / sobre as ondas: / navegante solitário» (3), «Mágica, irisada transparência / assombrando e agarimando / ao ar que te tem e te sustém» (5)], ora sentimental [«Sabes que a recta nom é rota / que nos poda levar / à tribo da fantasia sem retorno» (4), «Cavalinho-do-demo: / decoras, ilustras e iluminas / os meus olhos cansos e feridos» (7), «Sinto a tua lonjana soidade como / o rescendo dumha palavra amada / ou a nota mágica dum romãntico / delirante violino que escoa / pálidos mistérios saloucantes» (10)], ora auditiva [«rumor de silêncio» (1), «calada semente» (1), «Claro regueiro, alto de músicas, / de apaixonados assobios mágicos» (2)]) inunda o verso ata converterse na súa canle e no seu caudal discursivo; dedica estes dez cantos aos cabaliños do demo, símbolos da pureza, a delicadez e os soños máis fermosos. (CGT 2001: 251)
Contudo, o poemário é muito mais consistente do que numa primeira vista de olhos pareceria:
A) Em «Espelhos e contra-sonhos» o poeta progride (mais uma vez) desde as suas “Raízes” («... alguém / que luita para vencer tempo e espaço») até “Aos deuses do futuro” («Que conciéncia / terám os deuses de si mesmos!»), através de “Agressom”, “Imagem”, “As cousas”, “As palavras”, “Os sonhos”, “As horas”... até ao miolo da existência, dado em “Destino”, “Mito”, “Anseio”, “Ítaca”, “Arcádia”, “Epidaurus” ou “Delfos”, em percorrido fero face ao mundo clássico: “Oráculo” e “Revelaçom”.
Contudo, dous poemas parecem quebrar essa sequência: “Biografia dumha folha” (colocado entre “Anseio” e “Ítaca”) e “Mensage” (entre “Delfos” e “Oráculo”).
O primeiro apresenta-se-nos como símbolo, mais do que metáfora, do percurso vital e literário do poeta. Comprove-se:
Agromou a folha. Nasceu
para olhar com assombro
o universo e para
clarificar à Primavera.
Escutou a música
enfebrecida e delicada
dos pássaros. Tremeu
de desejo e de paixão
c’os agarimos mainos
e subtis da brisa
rescendente e invisível.
Contemplou enviso
a mágica floração
de tudo quanto existe.
Deu-se ao Estio.
Ao chegar o Outono
desprendeu-se da árvore
que a atava e, sem mais,
botou-se mundo adiante.
Conhecida é a ideia bifronte e mesmo paradoxal que Manuel Maria alimentava sobre a morte, facilmente rastejável nestes três poemários.
“Mensage” oferece a definição, a juízo do poeta, da fala ou voz ou, em definitivo, mensagem dos deuses... gregos?, celtas?, judeu-cristãos? Não se perca de vista o cotexto em que o poema se acha entre “Delfos” («onde intui que a nossa fiel / e verdadeira imagem só pode ser / reflectida na pureza da água») e “Oráculo” («Comprovado está que ninguém pode / resistir a chamada dos deuses»). É essa mensagem, manifesta «em alguns sol-pores delicados, / no misterioso murmurar das folhas / dos carvalhos, azevinhos e loureiros / e mesmo na música nua e inefável / de fontes, rios e regatos», a que nos obriga a «seguirmos fielmente / o seu desígnio, em ocasiões, claro e evidente». Manuel Maria, cônscio da sua condição de vate ou profeta do Povo galego, ecoa, secular (e quase pagão), a missão do profeta Elias ( I Rs 19, 11-13), quando experimenta que a revelação divina se faz não desde o vento impetuoso, não desde o tremor da terra, não desde o fogo, mas desde o murmúrio da brisa.
B) Ficou acima comentada a seção «Os cavalinhos-do-demo».
C) «Os mitos e as derrotas» inicia-se por um poema sem título: “Aqui ergueu-se um fogar...”. Dele saliento os dous últimos versos: «E alguns de nós ainda aguardamos / luz e salvação para a nossa tribo.» É desde essa perspetiva que vale ler os seguintes oito poemas, intitulados “Breogán”, “O Medúlio”, “Prisciliano”, “Sam Martinho Dumiense”, “O rei Garcia”, “Roi Xordo”, “Pedro Pardo de Cela”, “Miguel Solis”. O derradeiro da seção, também sem título, “Todo o que nom é futuro...” esclarece o sentido dos poemas precedentes e, a meu ver, de todo o poemário e mesmo da produção poética de Manuel Maria, mais fundamente crítica do que se lhe costuma atribuir:
Tudo o que não é futuro tem de ser
lembrança. Recordos melancólicos
que, em ocasiõs, rematam
em essencial tristura irremediável
que nos leva a escuros
caminhos sem volta nem saída.
Esta é a hora estéril do valeiro,
do nojo e do arrepio, na que um
se pergunta inseguro e angustiado:
terá algo que ver a voz gali-za
com gali-nha? A palavra gal-ego
será ou não será sinónimo
de gal-o ou gál-ico que soa
a poderosa doença e a estrangeiro?
Um leva tanta treva nos seus olhos
que já está incapacitado para chorar.
Como enuncia o título da seção, mitos e derrotas acham-se ligados na história da Galiza por os homens galegos serem cobardes ou por simplesmente procurarem uma estrangeirice doentia. Mereceria a pena analisar o discernimento e mesmo a clarividência dos mitos de que Manuel Maria dá mostra. Deixo-o para outro momento.
D) «Os ódios e as feridas» é seção que inicia —e preside—o poema intitulado “Gris” («Sempre, sempre o mesmo cris / co seu case nom olhar desesperante.») e acaba o intitulado “Pompeia” («Triste Pompeia, muda e morta...») através de “Impureza” e “Ideais”, “Verdade” e”Mentira” e “Carta”, “Florença”, “Assis” e “Roma”. A mensagem do poemário, em regresso esmorecente, esgota-se no gris progressivamente dominante, que o poeta resume em “Ideais”, após o recurso ao tópico «medievalizante» (!) do Ubi sunt?:
Onde os ideais e os muito altos
e ceives sonhos generosos
que eram falcões voando sobre
o nosso viver sobressaltado?
Caíram as folhas do Outono
e vassoiradas foram
c’os refugalhos e os lixos.
Não nos imutamos nem sofremos.
Nós seguimos tam tranquilos,
tristes, medíocres e infelizes.
Sem dúvida cabe a leitura referida ao próprio Manuel Maria, então preocupado com a experiência da velhice que ele sentia próxima (e ameaçante?), mas, se ligarmos a referência às «folhas do Outono» com o poema “Biografia dumha folha” (acima transcrito), prevalecerá —acho— a interpretação social e política, tocante à situação da gente galega e, mormente, dos notáveis da galeguidade.
E) A última seção «Os ocos e os baleiros», bem expressivamente desde o título, culmina (ou abisma) o roteiro sócio-lírico do poemário. A deserção da gente galega fica suprida pela “Entrega” da Terra (a «voz de cada ser», o «sorriso do orvalho», «a sinfonia do dia», «a palavra sacramental dos rios», ...) até o poeta «afirmar c’oa boca cheia: / paisagens, cousas e animais / falam galego. / Só em galego / se pode compreender e possuir / a total plenitude desta terra.»
Esta concepção patenteia-se noutros poemas, sobretudo em “Ressurreiçom” (confira-se com os temas tratados em A luz ressuscitada):
—Não. Não, Tampouco é isso.
Nunca jamais
nos sentiremos vencidos,
derrotados.
Ainda
que falhe a tribo inteira,
que renegue em massa,
que se ódie a si mesma
e se aniquile.
Nós sabemos que, apesar dos
cataclismos e do não ser,
algo transcendente
sempre permanecerá fiel
e auténtico: a TERRA
nua, pura, incorruptível
que faz podrecer
gentes e misérias
e ressucita-os a uma vida
mais funda e verdadeira.
Através dos poemas intitulados “Entrega”, “Outenecendo”, “Plenitude”, “Transverberaçom”, “Caminho”... “Confissom”, “Ressureiçom”, “Pressentimento” e “Morte” Manuel Maria manifesta estados de ânimo em mutação continuada, de esperança no futuro e de experiência trocista da sua tribo «de fume, sombra, medo, / rancor, ódio e inveja», a alimentar «a mediocridade, a deserção, / a domesticação, o entreguismo, / a tristura e o nojo de viver», de modo que «[é] difícil o poder suportar / tanta miséria e mesquinharia», salvo que se tome com humor: «Só um velho, delicado pudor / é quem nos priva / de escacharmos a rir a boca cheia.»
Qual o dominante e definitivo? Haverá quem entenda que o poema “Morte”, a encerrar essa seção e o poemário, é o resumo desesperado da mensagem político-sócio-lírica que Manuel Maria nos deixa. Mas a leitura atenta deste texto deve permitir-nos perceber (não sem paradoxo) a outra face, esperançada e mesmo confiante no destino feliz da Galiza, da Terra e da gente galega:
Suspeito que morrer é
desterrar soidades,
borrar lembranças,
prescindir da paixão,
afogar melancolias,
alonjar para sempre
fantasias, ensonhos,
medos, latejos,
fechar pesadamente
os olhos e ficar
imóvel, frio,
branco e translúcido:
perfeito como a neve.
Fiquemos nas duas palavras plenas do verso final, «perfeito» e «neve», isto é, «que não tem defeito, falha ou erro; completo; total; acabado; que tem todas as características adequadas a determinada finalidade ou função; modelar; exemplar; belo; magistral» (perfeito) e, conotativamente, «branco, puro, desapaixonado, sossegado...» (neve): Será destarte a Galiza ressuscitada?
Pressinto que este poema e, inclusivamente, os três poemários dados a lume em “galego reintegrado” ecoam o conflito entre a História e a Tradição, que de longe determina a própria existência da Galiza, segundo prognostica Castelão no Sempre em Galiza (Livro IV, I), explicação também dos alicerces líricos do poeta Manuel Maria:
[...] Diz Oliveira Martins que na História não há mais do que mortos, e que a crítica histórica não é um debate, mas uma sentença. Mas eu digo e asseguro que os mortos da História são imortais, porque resuscitam e mandam sobre os vivos, como digo e asseguro que a melhor sentença é a que se dá depois dum debate. Por isso ponho a debate a nossa História —não a nossa Tradição—, porque, se bem seja certo que se pode compor uma grande história da Galiza com só recolher as crónicas dos seus grandes homens, também é certo que nenhum deles, nem todos eles juntos, foram capazes de erguerem a intransferível autonomia moral da Galiza à categoria de facto indiscutível e garantido. Por sorte, a Galiza conta para a sua eternidade com algo mais do que uma História, como asinha que foi permitido ver...
Enquanto a Santa Companha dos imortais se perdeu na espessura duma floresta, vi surgir da terra da nossa Terra, saturada de cinzas humanas, uma infinita multidão de luzinhas e vaga-lumes, que são os seres inominados que ninguém lembra já, e que todos juntos formam os substratum insubornável da pátria galega. Essas ânimas sem nome são as que criaram o idioma, a cultura, as artes, os usos e costumes e, enfim, o facto diferencial da Galiza. Elas são as que, em longas centúrias de trabalho, humanizaram o nosso território pátrio, infundindo-lhes a todas as cousas que na paisagem se amostram o seu próprio espírito, com que pode dialogar o nosso coração antigo e panteísta. Elas são as que guardam e custodiam no seio da terra-mãe os legados múltiplos da nossa Tradição, os germes incorruptíveis da nossa futura História, as fontes enxebres e puríssimas do nosso génio racial. Essa multidão de luzinhas representa o povo, que nunca nos atraiçoou; a energia coletiva, que nunca perece; a esperança celta, que nunca se cansa. Essa infinita multidão de luzinhas e vaga-lumes representa o que nós fomos, o que nós somos e o que nós seremos sempre, sempre.
Apenas chamo a atenção para os substantivos «luzinha» [luz, lume...] e «vaga-lume», que Castelão faz representativos do povo e Manuel Maria reitera nestes poemários, mesmo no título.
N.2. SOBRE O REINTEGRACIONISMO (OU A LUSOFONIA)
É tema em que insiste Camilo Gómez Torres. Vejamos alguns dos seus comentários, que redistribuo para a seguir oferecer uma diferente explicação de partida:
[...] Con esta decisión [de publicar os três livros de poemas em “galego reintegrado”], tenta Manuel María mostrar
[0] que o conflito que se está a vivir entre dúas normativas, a imposta pola Xunta de Galiza, de tendencia españolizante, e a reintegracionista, de tendencia lusista, é artificial e, por mor da situación sociolingüística do galego, negativa para os intereses de Galiza.
[1] Sem polemizar, tenta mostrar, a través da súa propia obra, que o problema do idioma galego non está no uso dunha ou doutra normativa, senón no seu uso social como vehículo de comunicación en todos os ámbitos da vida galega;
[2] e que o debate aberto entre os defensores dunha e doutra normativa non axuda nada á súa restauración e recuperación social, nuns anos nos que o uso do galego está a ser reprimido institucionalmente no ensino e noutros sectores da vida galega. (CGT 2001: 222)
[0] Processo normalizador
Para progredir numa análise, correta e adequada, da situação idiomática na Galiza e das suas consequências nos usos de galego, mormente nos literários, cumpre não desligar os processos habitualmente denominados “normalización” e “normativización”, porquanto o processo normalizador, naturalizador do idioma entre os seus utentes, engloba a formalização e a padronização da norma gráfica da língua (reduzidas abusivamente a simples “normativización”), correlativas, por sua vez, da institucionalização e da socialização dos usos linguísticos, quer orais, quer sobretudo escritos. Veja-se infra, Temas de Política Linguística. Avanço, «Dimensões no processo normalizador ou naturalizador da Comunidade lusófona da Galiza».
Assim sendo, o conflito «entre as dúas normativas» deve entender-se e analisar-se como um aspeto essencial do conflito entre processos “normalizadores” antagónicos, um “espanholizante” e outro lusizante ou, antes, simplesmente galeguizante.
[1] Responsabilidade e dúvidas dos Notáveis galegos
Daí que não me parece que Camilo Gómez Torres acerte com esta interpretação da prática reintegracionista de Manuel Maria:
Non se posiciona a favor de uns ou doutros, porque considera que tal polémica é artificial e contraproducente, xa que deriva cara a un debate estéril un traballo e uns esforzos que son moi necesarios no campo da problemática social do idioma: a súa normalización. (CGT 2001: 223)
Esta é sem dúvida, desde tempos recuados, a doutrina dominante em bastantes âmbitos do nacionalismo (político) galego. Contudo, cumpre afirmar que «o problema do idioma galego» sim «está no uso dunha ou doutra normativa» que acarreta divergentes usos sociais. A opção pela «tendencia españolizante» contribui, logicamente, à espanholização não só da língua, mas da sociedade galega, quer dizez, facilita a substituição da «lengua propia de Galicia» pela «oficial del Estado», segundo evidenciam os resultados do Mapa Sociolingüístico de Galicia, a que me tenho referido.
Acho que Manuel Maria era consciente desse facto e processo, como pode depreender-se da entrevista, acima citada, que Eva Valcárcel lhe fez:
Agora penso tamén que cando hai outros problemas máis acuciantes no país non se debe facer unha polémica desto. Eu levo moitos anos escrebendo e teño un hábito que me determina; nembargantes, coido incluso que para preservá-lo idioma témonos que aproximar máis ao portugués que ao español. (Citado em CGT 2001: 223-224)
O poeta confessa o seu caso que era, na altura, o da maioria dos escritores em “galego”: Não foram alfabetizados em português galego durante os anos da sua escolarização, enquanto, nesse periodo, receberam competência mais do que satisfatória na língua nacional do RdE. Apesar de tudo, procuraram, como lhes era possível, cultivar a sua língua; por essa cultivação adquiriram o hábito de escreber no galego demótico, recuperado no séc. XIX, que os determina... Essa situação pessoal não impede a bastantes deles reconhecerem que o “galego” só será galego se o aproximassem do português padrão e não do castelhano.
No «Prefácio» do meu Silêncio ergueito tento dar uma explicação generalizada destas atitudes e usos. Neste lugar apenas assinalo que o conflito social, melhor ou pior descrito e analisado por uns e por outros, se corresponde com o conflito pessoal; ainda mais, é o conflito social interiorizado nos cidadãos galegos e sobretudo nos seus notáveis, mormente nos escritores, o que Manuel Maria está a evidenciar nos seus textos, tanto nos citados por Camilo Gómez Torres, quanto nos poemas cá transcritos.
[2] Aproximação ao português?
Continuo a citação, que explica a precedente:
Á altura dos oitenta, Manuel María mantén os criterios xa expresados dúas décadas atrás: é necesaria a aproximación ao mundo cultural luso-brasileiro, mesmo adaptando as grafías, mas sempre desde a óptica dunha personalidade diferenciadas das dúas línguas:
Débe-se facer unha aproximación [ao portugués], claro, mais no se debe forzar. Eu coido que hoxe aínda estamos nunha fase de recuperación do idioma e hai que conseguir que a xente asuma a lingua, normalizar o galego. Logo poderemos pensar en normativizar. Galego e portugués son dous idiomas moi próximos, con fundamentos comúns, e hai que voltar ás orixes. [Entrevista a “Manuel María” por Xoel Gómez, in La Voz de Galicia, 9 de Julho de 1981]
Manuel María antepón a restauración e normalización do uso a calquera decisión sobre a cuestión normativa. A historia dinos que os idiomas normativízanse sen traumas e sen conflitos se, previamente, están normalizados e o seu uso é universal, sen áreas restrinxidas ou sereservadas a outras linguas. Así acontece co español, co portugués e con todas as linguas que teñen uso universal e non valetado por imposicións imperialistas coas que se defenden e impoñen os privilexios dunha lingua allea.
Niste intre hai duas tendencias moi claras: a involucionista e a reintegracionista: estos dous grupos, tanto unhos como os outros, están nunhas posicións moi pechas, cada un defende o seu sistema. Eu penso que as dúas alternativas están ahí, son dúas realidades que deberían convivir aínda que creasen un pouco de confusión; e logo o tempo xa iría aclarando todo esto. [“O galego, estado da cuestión” entrevista a Manuel María por Marcial González Vigo, in La Región, 19 de Agosto de 1983] (CGT 2001: 222-223)
Comentarista e poeta estão a reproduzir a doutrina sobre a língua própria, dominante entre os nacionalistas galegos. Contudo, Manuel Maria propõe práticas, talvez ideais, mas negadas pelas atuações ulteriores da principal organização nacionalista, em que ele militava.
Seja como for, acontece que, nem a doutrina do nacionalismo («primeiro, normalizar; depois, normativizar») nem a correção proposta por Manuel Maria («dúas realidades —a involucionista e a reintegracionista— que deberían convivir») foram efetivadas, porquanto a história, a que Camilo remete, nada tem a ver com a «história clínica do galego», que dizia o Prof. Carvalho Calero. Antes, foi «por imposicións imperialistas» (para defender e impor «os privilexios [da] lingua allea»?) que a Real Academia Galega e o Instituto da Lingua Galega «normativizaram», em 1982, o “galego” não apenas antes de qualquer «restauración e normalización do uso», mas talvez para ocultar que nunca será nem restaurado nem normalizado. Diria mais: foi justamente «o debate aberto entre os defensores dunha e doutra normativa» o que ajudou e mesmo precipitou o acordo ou NOMIGa 2003, aliás, apresentado como respeitoso com a história do “galego” e procuradamente “lusizante” (enquanto foi possível...).
De facto hoje já se dá por conseguido o acordo (evidenciado nas NOMIGa 2003) ou «pax linguistica» entre o nacionalismo político, que vinha declarando-se reintegracionista, e os partidários da “normativa” «imposta pola Xunta de Galiza, de tendencia españolizante» (institucionalizada sob aparência legal desde o 20 de Abril de 1983, embora desde o início da «transición a la democracia» o fosse de facto, nos âmbitos da “Administración española”, principalmente nos do ensino).
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Acabo com estas palavras de Manuel Maria, que também cita Camilo (CGT 2001: 237), altamente esclarecedoras:
Penso que iste é o camiño [publicar os textos redigidos em português galego]. Eu estou máis identificado coa cultura portuguesa que coa española. Galego e portugués son a mesma língua, con algunha variante. Por outra parte, os escritores galegos aínda que nos traduzan ó español non seremos lidos, mentres, deste xeito, temos unha grande cantidade de leitores potenciais.
(Quer dizer: «Penso que este é o caminho [publicar os textos redigidos em português galego]. Eu estou mais identificado com a cultura portuguesa que com a espanhola. Galego e português são a mesma língua, com alguma variante. Por outra parte, os escritores galegos, ainda que nos traduzam ao espanhol, não seremos lidos, mentres, deste jeito, temos uma grande quantidade de leitores potenciais.»)
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(Comentários sobre um texto do Prof. José Enrique Gargallo Gil)
Prof. Dr. António Gil Hernández, da A.A.G-P.
22 de Março de 2002
LUSOFONIA: PRINCÍPIO E FIM
Como resposta a LusogRafia.org pensei enviar, reescritas, umas velhas reflexões minhas a que pus o cabeçalho «As minhas razões para acreditar na Lusofonia». Ecoam o livro que Rodrigues Lapa intitulou, castelanianamente, As minhas razões. Memórias de um idealista que quis endireitar o mundo... (Coimbra Editora, 1983).
No meu texto, que foi publicado em Cadernos do Povo. Revista Internacional da Lusofonia (núm. 5-14, 1988-89, pp. 17-19), começava expor a minha concepção de Lusofonia para delinear as tarefas que hão-de cumprir-se e as condições para a verificar.
Desse texto apenas cito aqui alguns trechos, os que julgo estritamente precisos, e que acomodo:
1. Entendo por Lusofonia a comunidade integrada por aqueles que podem exprimir-se na língua portuguesa e assim o fazem habitualmente. Porém, a Lusofonia pressupõe determinada concepção da unidade que anima os lusófonos e sobretudo implica o discurso legitimador dessa concepção unitária, que alguns diriam "sentimento". É com a afirmação da unidade que se constrói a unidade; é com a procura de motivações unificantes e não precisamente uniformadoras que o processo de unidade acabará tomando corpo de firmeza. Portanto, condições decisivas para verificarmos a Lusofonia são: quer a vontade, também política, de a realizar, quer a assumpção generalizada do discurso da unidade. Caberia resumir ambas as vessantes numa expressão como «queremos ser lusófonos porque já os somos, apesar das diferenças e por elas mesmas».
2. Dentre as Tarefas possíveis assinalo as de reconhecimento, as de ideação e as de organização.
Relativamente às primeiras, entendo que o património da Lusofonia reside naqueles grupos que, independentemente da sua adscrição "nacional", quer dizer, estatal, aprofundam e promovem os valores tradicionalmente transmitidos na língua portuguesa, que, aliás, denomino sentimentalidade intencionalmente eficaz, universalidade sempre particularizada e persistência esperançadamente disponível. «Lirismo», «saudade», «descobertas», «retranca»... satisfazem esses valores.
Relativamente às tarefas de ideação considero que, perante as tentações de eficácia imediata, de particularização individualista, de disponibilidade veleidosa, a cultura lusófona pode e deve incidir nos valores tradicionais e "inoculá-los", como vacina confortante por doses apropriadas, nas novas gerações, não apenas da Lusofonia, mas também nas integrantes doutras comunidades linguísticas.
Relativamente às tarefas de organização, preciso que os cidadãos da Galiza hão-de compreender que, nas circunstâncias atuais, a condição de administrados espanhóis não contradiz, no seio da União Europeia, a sua radical nacionalidade cultural lusófona. A comunicação consciente e medidamente procurara pelos cidadãos dos Sete (mais um) e com eles, o conhecimento ou reconhecimento da história e a ideação de tradições renovadas libertarão da ignorância e da inconsciência, hoje generalizadas, os cidadãos da Galiza como corresponde e estes tempos de rotura de fronteiras.
3. Reduzo a duas as condições que possibilitarão o cumprimento dessas tarefas. Uma é a atividade cívica, não precisamente institucional. Hoje as instituições e autoridades, enquanto tais, acham-se indecisas quando não confusas e até desacertadas. É a consciência cívica dos cidadãos, de todos e dos melhores, a construir e organizar plenamente a Lusofonia. Outra condição consiste na definição do instrumento identificador da Comunidade Lusófona, que tem de ser unificador, a manifestar-se numa Ortografia precisamente unificada.
Datava esse escrito em Acrunha, em Dezembro de 1988.
CAMINHO ESGRÉVIO, DIVERGENTE SÓ EM APARÊNCIA
Não vou continuar pelos campos da Lusofonia extensa e útil. Porém, examinarei os "eidos" duma paradoxal "galegofonia", cujos cultores, por palavras do Prof. Gargallo Gil que abaixo cito, «no creen viable un reintegracionismo del gallego al portugués», mas buscam praticar um curioso "reintegracionismo a la inversa", a teor do qual umas falas fronteiriças de Cáceres são variedade da língua galega só, e não da portuguesa. Caberia qualificar de "nacional español" esse "reintegracionismo galegofónico", porquanto sustém que apenas falas "galegas" inclusas no "Reino de España" podem realizar uma mesma e só língua "española". As outras falas, sem dúvida igualmente "galegas", por se acharem além fronteiras, verificam consequentemente uma língua "estrangeira". Contudo, há um facto que mesmo abala esse suposto "nacional": É o facto de esses mesmos cultores da "galegofonia española" fornecer a cada grupo de falas, que eles dizem "homogéneas" normas gráficas diferentes. Não é certo que a diversidade [ortográfica] evidencia a diversidade de línguas ou idiomas?
ACTAS CURIOSAS DUM CONGRESO SOBRE «A FALA»
Não preciso insistir em que hoje (2002) continuo a opinar como ontem (1988), e ainda mais esclarecidamente, sobre a Lusofonia e sobre as "galegofonias" artificiosas por hoje o caldo de cultura de concepções estranhas ser muito mais espesso.
Com efeito, o movimento denominado "reintegracionista", que outrora parecia procurar a convergência das falas galegas com as portuguesas mercê da adopção da escrita padrão e histórica conservada no português, hoje nos factos está a opor-se progressivamente à Lusofonia, enquanto parece confluir, pelo menos na prática, mais cada vez com os pressupostos em que alicerçam os "reintegracionismos inversos" acima assinalados.
Seja como for, acho que bastantes dessas concepções estranhas se contêm nas Actas del I Congreso sobre A Fala (21 y 21 de mayo de 1999. Eljas, San Martín de Trevejo, Valverde del Fresno), Estudios y documentos sobre A Fala, Tomo VI, Coordinadores: Antonio Salvador Plans, Juan Carrasco González, María Dolores García Oliva, Editora Regional de Extremadura, Mérida, 2000.
Enviou-mas José Enrique Gargallo Gil, professor na Univerdade Autónoma de Barcelona, estudioso de falas «fronteiriças». Agradeço-lhas e, como prova do meu agradecimiento (mas não só), vou comentar tanto algumas dessas concepções estranhas, quanto o caldo de cultura que as abriga, referindo umas e outro à situação da Lusofonia galaica atual.
PRIMEIRAS IMPRESSÕES
A impressão imediata, e global, que me produziu a leitura da «Lección inaugural», de Alonso Zamora Vicente, assim como a das sete «ponencias», pode resumir-se nos seguintes pontos:
1. Sobre qualquer outra prevalece o facto de todos os intervenientes no Congresso respeitarem (e acatarem) a ordem, constitucional, estabelecida no "Reino de España". Num Congresso como este não sería, à partida, aceitável uma declaração "institucional" crítica com essa ordem e, menos ainda, oposta a ela. Contudo, dos professores universitários participantes, tomados conjunta ou individualmente, caberia esperar alguma análise, mais ou menos pormenorizada, de todos os factores em presença (ou em ativo), dentre os quais não é menor a [ordem] política e administrativa, principalmente a atual, mas também os sucessivos desde a "origem" em que uns e outros "põem" essas falas "galegas" ou "galaico-portuguesas", que são os que marcaram as fronteiras e, factualmente (pelo menos), suscitaram o nascimento (ou a amortização) destas "falas fronteiriças".
2. Sobretudo, as «ponencias» quarta, quinta e sexta evidenciam respeito quase reverencial dessa ordem, justamente porque para (quase) nada referem a situação da "fala" à estabelecida no "Reino de España": Idêntico proceder no estudo (e valorização) das "falas galegas" na «Galicia española».
3. É curioso que, sem quase matizações, a atual ordem administrativa se transponha à distribuição idiomática atual e inclusivamente à precedentes. Sós a sua «ponencia», do amigo e Prof. Gargallo Gil, dum ponto de vista amplamente filológico (de agradecer), e a da Prof.0 García Oliva, do ponto de vista histórico, procuram situar nos parámetros esperáveis o "problema", que na realidade se espalha em problemas de abundantes incógnitas ao longo do tempo, mas que no presente se está reduzindo a quase curiosidade folclórica.
4. Diverte o facto de os partidários da galeguidade da "fala" não colocarem com alguma precisão documental nem no tempo da longa duração, nem menos ainda nalguma mais curta, as falas e/ou línguas em presença ou em litígio ("galego", português, "leonês", castelhano?; medievais, ulteriores, presentes?), simplesmente parecem fiar-se de apreciações não excessivamente fundadas e sobretudo exprimidas sem precisão, dado que "galego" é utilizado não como termo, mas como referência, mais ou menos vaga, a realizações arcaizantes da língua portuguesa que não é raro materializar nas "falas" galegas atuais, também por parte de estudiosos do galeguismo.
Também não dilucidam a denominação atribuível a cada uma das línguas citadas (por ex., "español", meridional septentrional), sempre a respeito da "fala".
SÓ QUESTÃO DE NOME?
Apesar de tudo ou pelo mesmo, surpreende a importância concedida ao nome pelos autores das «ponencias» quarta, quinta e sexta e, simultaneamente, a sua fugida certa a nenhures para acabarem denominando confusamente o que, aliás, se deu por esclarecido. Eis um exemplo, tirado da nota 11 (p. 151), que compendia o Prof. Carrasco González:
Así lo expreso [gallego medieval aquí trasplantado] recogiendo una doble sugerencia que me hace el Prof. Fernández Rei en el transcurso de las sesiones del Congreso. Por un lado, refiriéndome al >gallego medieval=, o >antiguo= (y no al >galaico-portugués=) no sólo respondo a una perspectiva histórica determinada (que es lícita y propia de los gallegos), sino que nos permite señalar con claridad el origen específico de los repobladores de Jálama y, por lo tanto, nos da la explicación de las características de estas hablas. Por otro lado, la imagen de que las hablas de Jálama, más que una >tercera rama= del bloque galaico-portugués, fueron una pequeña rama que se cortó del gallego antiguo y se trasplantó a tierras extremeñas, donde pudo sobrevivir autónomamente, nos permite una visión más próxima a la realidad de los hechos históricos que la más tradicional del árbol genealógico de Schleicher.
Seria admissível o uso da denominação «galego», se previamente forem fixadas a conformação do idioma, os limites do território, as condições das gentes, das culturas ou dos costumes, a que corretamente se deva atribuir esse nome e de facto se atribui. Mas «galego» não é denominação exclusiva da Galiza interior atual; também pode referir-se tanto ao território e à gentes da antiga «Galaecia» quanto aos de «Lusitania», por exemplo.
Seja como for, quem preferir aplicar tal denominação a essas falas, hoje da "Extremadura española", há-de se submeter à obriga de precisar o significado e os referentes, a "intensão" e a "extensão" do vocábulo «galego».
FACTOS PROVADOS OU QUAE PRO QUIBUS?
Talvez o princípio e fundamento de todo o «descubrimento» (que lhe diz Fernández Rei; em adiante FR.) e de todo o enleio ulterior seja o "achado", longamente perseguido, da "prova" definitiva, por experimental, que justificaria a tese isolacionista. Basta com ler as «ponencias» de Costas (em adiante C.) e do citado FR. para perceber o gozo "científico" que ressumbram.
Lembro que à partida sustinham a "tese" indiscutível (>desagregação-diassistémica, em línguas "históricas" diversas das falas "galegas" a respeito das restantes falas da Lusofonia) baseando-se apenas na realização oral: A fala "diferente" implica e explica a língua "diferente".
Porém, cedo advertiram (acho) a fraqueza do argumento, porquanto, se o critério (consideremo-lo tal) fosse "cientificamente" válido, por simples congruência haveria de admitir-se, pelo menos, que a maioria (ou todas) as línguas hoje assim estimadas são na realidade conglomerados não de dialetos, mas de línguas, que, por sua vez, poderiam (e deveriam?) ser "normadas" como línguas independentes. (Como acima indiquei, dessarte procedem os cultores do isolacionismo com os diversos conjuntos de falas "galegas". Declarados previamente homogéneos).
Se a dificuldade teórica é grave, mais grave é a prática. Se "galego" e português são línguas "diferentes" porque se falam "diferente", o mismo deve dizer-se do castelhano e do "andalú" e do "canario" e do "extremeño"..., com o qual a ciência linguística entraria em confrontação aberta com a história política e sobretudo com a ordem constitucional do «Reino de España».
Por esse motivo (e com esse fundamento), os cultores do isolacionismo inverteram a andaina e alicerçaram na história política e na ordem jurídica do «Reino de España» a divergencia oral de "galego" e português. Disseram-nos (e acaso se disseram eles antes): «Como os respetivos falantes pertencem a Estados diferentes e percorreram histórias políticas diferentes, é "vero" ou, pelo menos, "ben trovato" que os identifiquemos como falantes de línguas diferentes».
A incongruência desta inversão no processo argumentativo patenteia-se, sobretudo se temos em conta que a «Escola Filolóxica de Compostela» é filha legítima da «Escuela Española de Filología», da qual foi fundador e patrão D. Ramón Menéndez Pidal. Este Pai da Filologia Românica em diversos escritos de diferente época e público destinatário nega que as fronteiras quebrem de facto ou tenham de quebrar de iure a unidade da língua. Decerto, quando enuncia tal princípio, está a referir-se à «lengua española»; mas, se essa doutrina, também filológica, é válida para o "español", deve sê-lo para qualquer outra língua, incluído o português na Galiza.
Enquanto o caminho da oralidade terminava sempre num beco sem saída, os cultores do isolacionismo excogitaram aquilo do «galego, lingua por elaboración». Tentavam basear-se, parcelarmente, nas reflexões sociológico-classificatórias de Heinz Kloss e nas subseguintes do romanista (e sociolinguísta) Zarco Muljacic. Mas não advertiram (ou sim) que, procedendo por esse caminho, prescindiam do caráter pragmático das classificações de ambos os professores. Estes exprimiam o que era; apenas sob hipótese referiam-se ao que devia ser e menos ainda forneciam algum critério para mudar a classificação vigente das línguas da Europa e das românicas sobretudo. De facto o Prof. Muljacic coloca o "galego" em dous quadrinhos que se correspondem com as duas correntes em lida: o "galego" como forma de português e o "galego" como língua isenta.
Se umas falas se fazem corresponder com uma determinada «ortografía» que, à partida, foi "elaborada" divergente da ortografia que se utiliza para a língua à qual aquelas falas se vinham adscrevendo, e, além disso, se essa ortografia divergente se toma como evidência da diversidade entre as línguas matriz e a "elaborada", decerto "cumpre" concluir que tais falas se tornam "cientificamente" em língua "diversa".
Por outras palavras, diretas: Se, à partida, os cultores do isolacionismo decidem que as falas "galegas" constituam uma língua distinta da matriz portuguesa e colocam esta condição na divergência gráfica, vale-lhes "elaborarem" uma grafia "divergente" para que as falas "galegas" mecanicamente se "tornem" em língua diversa, segundo dizem, «de seu».
Ora, quem assim procede, pratica o erro lógico denominado tradicionalmnte petitio principii ou círculo vicioso, nada científico com toda a certeza.
Como sem dúvida tais cultores terão advertido (acho) que se achavam incursos nesse erro lógico, anticientífico, procuraram ultrapassar a fraqueza do argumento, que intitulavam (como disse) "galego, lingua por elaboración", mercê de um "círculo virtuoso" que construíram sobre o achado de falas "galegas" na «Extremadura española», a seu ver, experimental e portanto definitivamente probatório. Interpretam que, pelo acusado (ou atribuído) arcaísmo e mesmo por serem "dislocadas" do seu território de origem, devem tomar-se como evidência lídima de o "galego" fruir a condição, imemorial e fontanária, de língua isenta relativamente ao português.
A "fala", prova definitiva da "isenção galaica"?
Examino, como se fosse observador inocente, esse achado. Antes de mais, invadem-me várias dúvidas, razoáveis, além da apontada acima sobre o conceito e extensão do apelativo "galego". Concedo que a "fala" da «Extremadura española» é "galega", mas a seguir questiono os factos aduzidos por não suficientemente provados:
1. A "fala" foi transferida em tempos remotos (séculos XII e XIII), durante os reinados de Fernando II (1137-1186) e Afonso IX (1171-1230) de Leão. Mas cabe determinar com alguma aproximação a data da translação ou translações?
2. Se fosse possível assinalar uma data, poderia fixar-se a procedência ou as procedências dos portadores da "fala"? Ambos os dados são preciosos para conhecer os traços da "fala" original de modo a compará-la com os atuais tanto da "fala" de «Extremadura» quanto das correspondentes da Galiza.
3. Além disso, indubitavelmente, apesar do isolamento (ou mercê dele), a "fala" evoluiria não necessariamente no mesmo sentido que as originárias. Como é que poderíamos estabelecer os procedimientos adequados para comprovar e comparar as respetivas evoluções ou «derivas naturais», que dizem os isolacionistas?
4. Tanto a "fala" de «Extremadura» quanto as "falas" da Galiza terão «derivado» submetidas à influência do castelhano oficial que os "falantes" receberiam, muito desigualmente, durante os sete ou oito séculos... Mas por que procedimento poderia medir-se essa influência singularmente em cada momento da história?
5. Pelo seu lado, a "fala" de «Extremadura», dada a situação, terá recebido influência desigual do português e do castelhano (e do leonês), sobretudo da realização oral desses idiomas nos lugares vizinhos. Cabe supor que um e outro (e outro) têm incidência equivalente na «deriva natural» a qual, desse modo, ficaria interrompida ou deturpada? Como valorizaremos essa interrução ou deturpação?
6. Além disso, supõe-se que a "fala" também receberia a influência, mais ou menos indireta, do português padrão. Até que ponto essa influência pôde "torcer" a «deriva natural» da "fala"? Como poderia medir-se quantitativa e qualitativamente a sua intensidade?
7. Desde que foi implantado o serviço militar obrigatório, que influiria na "fala" dos varões, e desde que a escolarização foi obrigada, como pode caraterizar-se a inflexão do castelhano oficial, escrito, sobre a oralidade dos "falantes"? Ainda mais, qual pôde ser a incidência dos meios massivos de comunicação na «deriva natural? da "fala"?
Em soma, muitos foram os factores que puderam reconduzir a «deriva» da "fala", que sem dúvida a reconduziram. Mas como e quanto, ao longo do tempo?
TRAÇOS FACTUAIS
A meu ver, o mais razoável não é deambular por hipóteses mais ou menos prováveis, mas se estear nos factos, nas realizações atuais da "fala", nas orais, que haverá de comparar com as realizações orais, tanto galegas estritas (?) quanto portuguesas, próximas aos "lugaris" e mais longínquas.
Com efeito, segundo apontei acima, não há constância indubitável nem da origem das gentes que repovoassem esses "lugaris", nem, menos ainda, se conhecem com certeza as realizações orais das falas de aquelas gentes. Por outro lado, segundo faz FR., haverão de comparar-se com o português padrão, não só, mas também e sobretudo com o castelhano (ou «español»), oral e escrito ou normativo, porquanto o contato (?) ou, mais bem, a imersão dos "falantes" na língua nacional do «Reino de España» tem sido regra desde que se tornaram obrigados o serviço militar e a escolarização.
Essa comparação conduzirá as explicações adequadas e ajudará a extrair as consequências pertnentes para falsar a [hipó-] tese isolacionista.
À partida, considero válidos os factos de fala que expõe FR. no apartado 3., "Trazos galegos das falas de Xálima", da sua «ponencia». Permito-me comentá-los pontualmente.
3.1. "Trazos comúns á xeneralidade das falas galegas", entre os quais, por sua vez, distingue:
[3.1.1.] "comúns á xeneralidade dos actuais falares galegos e portugueses", quer dizer, cuja «deriva natural», de todos eles, não foi divergente. Entendo que são «trazos» não diferenciais ou distintivos, de modo que nada provam -são, digamos, a maior abundamento para evidenciar que a "fala" não tem origem singular, mas comum, galaico-portuguesa.
FR. cita, parece que como ejemplos, sem procurar a exaustividade:
a) "a ausencia de ditongo" /ué/, /ié/, que não identifica com a abertura da vogal não ditongada /o/, /e/;
b) "a presencia de ditongos decrecentes" em que cumula o de evolução comum ou > oi: outro > oitro, pouco > poico e o de evolução particular da "fala" eu> ei: eu> ei, meu >mei.
Se me for permitido abusar da via probatória que FR. transita, esse traço provaria mais bem a portuguesidade da "fala" e não a sua galeguidade.
c) "o mantemento de F- latino".
d) "a perda de -L- e de -N-", que exemplifica com vozes que, na maioria das "falas" galegas (tenha-se isto bem presente), foram substituídas pelas castelhanas (coellu / conexo; ceal / cenar).
Quer dizer, é traço que se explicaria tanto por arcaísmo quanto por base portuguesa.
e) "a reducción das xeminadas -LL- e -NN-".
f) "resultado [�] dos grupos -LJ-, -KL- e -G=L-".
Se a realização fosse a que diz FR, este traço provaria mais uma vez a portuguesidade da "fala" mais do que a "galeguidade", porquanto o "galego" atual (pode generalizar-se) é "yeista", sem dúvida por pressão, direta o indirecta, do castelhano "normativo".
[3.1.2.] "Outros fenómenos [...] son caracterizadores das falas galegas" e das portuguesas septentrionais. Por essa parte, continuamos na dúvida da procedência dos supostos repovoadores.
a) "inexistencia da oposición fonolóxica entre a bilabial /b/ e a labiodental /v/".
b) "mantemento da africada prepalatal [t]".
c) "terminación -eu, -ea" en adjetivos y substantivos.
d) "terminación -o [u] na P3 dos perfectos fortes".
e) "radical fag- de formas verbais".
f) "a forma impersoal hai de haber".
g) "radical viñ- no tema de perfecto de vir".
[3.1.3.] "[...] fenómenos da rexión de Xálima que son propios do galego fronte ó portugués, incluídos os falares septentrionais". Entendo que é afirmação excessivamente atrevida. Os traços que FR. cita como exclusivos do "galego" são comuns nas "falas" septentrionais até ao Porto (e ainda mais).
a) "ausencia de fonemas vocálicos nasais".
Ao caso digo mais: Os supostos fonemas nasais não se podem atribuir, como distintivos, ao português padrão. Segundo Jorge Morais Barbosa e Antonio Quilis devem fonologicamente analisar-se como "vogal + elemento nasal"; mas essa é análise que corresponde às vogais nasaladas tanto nas falas "galegas" quanto inclusiva ou principalmente nas falas do castelhano do sul (ou «español»), quer andaluzas, quer muitas americanas.
b) "existencia do fonema nasal velar" (nh).
c) "alomorfo lo(s), la(s) en sintagmas como agarralo cabalo, propio da maioría dos falares galegos".
d) "contraccións ó, ós resultantes do encontro da preposición a e o artigo, xerais en galego".
3.2. "Xálima, >maqueta= do galego dialectal":
Por fim FR. coloca-nos perante os fenómenos reduzidamente "galegos" e "dialectais" da "fala". Vejamos a força probátoria. Lembro que a hipótese de partida é que a "fala" realiza o diassistema linguístico galego, o qual, à partida, se tem apresentado como diverso idiomaticamente do diassistema português.
[3.2.1.] "Fonética"
a) "en Valverde hai un sistema semellante ó dos falares galegos non seseantes que é o maioritario no galego oral".
Quer dizer, o sistema consonântico medieval reduziu-se tanto na Galiza quanto nestes "lugaris". Esse é facto indiscutível, mas deve referir-se a outro facto, também indiscutível: O sistema de sibilantes historicamente é o mesmo do castelhano, até ao ponto de que tanto em galego quanto na "fala" surge um som (ou fonema?) estranho, o castelhano atual e "normativo" /x/. Em consequência, será possível negar que foram a escola e a milícia, espanholas, os factores decisivos na reorganização estrutural desse subsistema consonântico "galego"?
Topamo-nos com o fenómeno da "gheada", mais ou menos avançado, que os isolacionistas fundamentam ideologicamente na evolução interna, improvável, da língua e não na observação e interpretação do estado social e político em que, no «Reino de España», se acham os falantes de "galego" desde o século XVI sobretudo. Valverde, diz-se-nos, é o lugar menos isolado ou mais submetido à influência do castelhano oral e escrito.
b) "Nas Ellas e en San Martín hai un sistema arcaico de sibilantes que lembra, en certo modo, o de falares galegos da Limia Baixa ourensá e o de Hermisende nas Portelas de Zamora": /¥/, //, "oposición característica do portugués moderno fronte ó galego".
c) "A interdental" desaparece sempre en posición implosiva final nos tres lugares. [...] "O fenómeno xa fora salientado por Maia (2001) ó referirse conxuntamente á perda de -s (ou -z) final de palabra", sem dúvida "por influência dos vizinhos falares espanhóis da Extremadura". Fernández Rei assinala que deveriam distinguir-se ambos fenómenos, já que "[n]o galego zamorano de Porto e en puntos espallados de Ourense rexístranse formas sen -z (vo, no, cru, capá, rapá)".
d) "Hai solucións de Xálima que son características do galego oriental, particularmente de puntos do Bierzo e das Portelas de Zamora, así como de zonas de Ourense próximas".
FR. exemplifica: cutelo, escutar, truta e luta, que reconhece "semellante[s] á[s] portuguesa[s]". Melhor seria que reconhecesse que são as do português patrão ou comum.
[3.2.2.] "Morfoloxía nominal e pronominal"
a) "No plural das palabras oxítonas rematadas en -n [...] rexístrase a solución -ns do galego occidental [...] en Valverde (ladróns, razóns, folgazóns) e a solución -s do galego central nas Ellas e en San Martín (lairós, radós, folgazós)".
Bom: até aí nada de particular. Contudo, acontece que infere de mais, com desconhecimento ou precisão dos factos dialetais do português, não só continental ou europeu, mas também do americano e do africano. O próprio FR. é cônscio de tal excessiva inferência quando, depois de afirmar "esta formación de plural á galega (e non á portuguesa)", corrige: "que non son descoñecidas dalgúns falares trasmontanos", sem dúvida portugueses.
b) "Nas palabras polisílabas en -l a solución xeral é -is en Xálima (animais, papeis, cuadís, españois, azuis/ aduis), como en portugués e galego estándar".
Não me resisto a apontar que FR. joga com duplo baralho ou com as cartas marcadas, ao seu arbítrio. Entendo que à partida ele (e otros isolacionistas) se propunham demonstrar o facto de "fala" de «Extremadura» ser "galega" e não portuguesa, quer dizer, que os fenómenos distintivos da "fala" os são também de "falas" de territórios interiores ou exteriores à «Comunidad Autónoma de Galicia», mas, em todo o caso, integrantes do «Reino de España». Para provar essa [hipó-] tese, dizem comparar, uns e outros, com os traços distintivos das "falas" portuguesas.
Portanto, não é teoricamente nem correto nem consequente (ou lógico) referir factos de fala (mais do que "fenómenos") com preceitos pontuais da norma padrão, tanto portuguesa quanto "galega". Pertinente, neste aspeto, é a observação imediata de FR:
"No galego dialectal [= nas "falas" galegas] esta solución [en -ais] só é propia de falas orientais"
(e nem isso, já que nestas é frequente -ás en connivencia con -ales.)
Se os isolacionistas fossem cientificamente lógicos, tomariam esse facto de fala como o que deveras é, como prova do processo, comum à "fala" e às falas galegas, de castelhanização progressiva, que, imediatamente, contrastariam com a não-castelhanização das falas portuguesas. Corrobora-o a informação com que acaba o parágrafo: "Así e todo, rexístrase cuais nun texto valverdiano de comezos de século (Costas 1992 b: 91)."
c) O apontado sobre as terminações -anu, -ana nem prova nem "desprova" a hipótese de partida. Pôde poupar o parágrafo.
d) "Nos pronomes átonos non hai distinción te e che propia da maioría das falas galegas".
Curioso: O facto provaria que a "fala" evoluiu como as falas do Portugal contíguo. Mas é que o facto não é distintivo das falas galegas, como reconhece FR, mas do «galego estándar», que só em segundo termo caberia considerar.
Mais curioso ainda: "O teísmo de Xálima [...] ten un correlato nas formas sen palatalizar le, les." Não vale explicar o "fenómeno" desde o referido processo de castelhanização manifesto na "fala"?
[3.2.3.] "Morfoloxía verbal" etc.
Sobeja continuar. Os fenómenos apresentados como distintivos provam, um a um e em conjunto, tão pouco a exclusiva galeguidade da "fala" que tornam ocioso o exame mais democrado.
ALGUMA CONCLUSÃO?
Na parte conclusiva da sua «ponencia», FR. cita um texto de C. (1999 a: 88):
«Tanto Frías coma nosoutros estamos convencidos da "galeguidade" innegable destas falas, galeguidade por orixe e galeguidade de as compararmos cos resultados actuais das variedades galegas do sueste do noso dominio lingüístico. Gargallo Gil, gran estudioso das falas arraianas da península, acabou por admitir que efectivamente, dentro da singularidade das mesmas, a vinculación coas falas galegas é moito máis evidente que coas portuguesas, por máis que formen parte todas do mesmo diasistema lingüístico. Para Carrasco González, profesor de portugués na Universidade de E[x]tremadura, estas falas son unha póla á parte dentro do galego-portugués, a terceira póla da familia.»
A meu ver, C. e FR. não repararam na importância da expressão "forman parte todas del mismo diasistema lingüístico", que, crítica ou acriticamente considerada, desvirtua a [hipó-] tese de "galego" e português, desde os tempos medievais, serem línguas diversas. Dessarte se permitem pôr o Prof. Gargallo Gil como testemunha em prol dessa [hipó-]tese.
É por isso que, nas linhas que seguem, me permito percorrer o contributo do Professor ao Congreso sobre A Fala para comprovar que, filologicamente, a presunção de C. (e FR.) joga com médias certezas, inaceitáveis (ou impresentáveis?) onde quer que se procure algum grau de cientificidade. Na «ponência» que comento o Prof. Gargallo Gil escreve:
«Y vuelvo a la cuestión )Se habla gallego en Extremadura? Ese título he dado a otro trabajo mío (Gargallo 2000), donde sopeso las razones de quienes pretenden que sí. Razones históricas (repoblación medieval con colonos mayoritariamente gallegos) y razones basadas en la afinidad con el gallego propiamente dicho. Y no deja de sorprenderme que quienes no creen viable un reintegracionismo del gallego al portugués, practiquen en cambio este curioso "reintegracionismo a la inversa", según el cual no es el gallego la misma lengua que el portugués, pero sí es una variedad de la lengua gallega (y no de la portuguesa) este "gallego" de Cáceres.»
TRÊS PROBLEMAS OU VESSANTES
Nesse contributo ao Congreso sobre A Fala o Professor aborda sucessivamente três problemas ou vessantes relativos à questão em lida: «)Pode considerar-se "galego" a "fala" da «Extremadura española»? Metodicamente parece-me correto esse proceder, que vou seguir:
«
1. QUE "GALEGO"?
Acertadamente começa perguntando:
«)"Gallego" o "variantes/variedades [também prefiro "variedades"] del antiguo gallego-portugués"? No me parece que lo uno y lo otro sean lo mismo. Porque son variedades resultantes del antiguo gallego-portugués tanto el portugués como el gallego actuales y ambos romances constituyen sin duda para Costas (y otros filólogos gallegos) idiomas por separado» (pp. 56-57)
Parece-me acertado, digo, mas também convém tomar como ponto de partida o factor, a meu ver decisivo, que venho assinalando: É a ação envolvente e institucional do «castellano» não tanto sobre as falas galegas e «extremeña» (que também), mas sobre os sujeitos transmissores e sobre as condições sociais, culturais, económicas e políticas em que as transmitem. Rodrigues Lapa, num determinado momento, chegou a dizer que o galego evoluido livremente é o português atual. Eu não chego a tanto. Singelamente assinalo o facto de as falas galegas e «extremeña» terem sido por séculos para os seus utentes apenas falas, sem língua de cultura própria, excepto a castelhana, idiomaticamente alheia, enquanto as falas portuguesas sempre dispuseram de língua de cultura própria, mais ou menos intensamente presente, mas sem solução de continuidade, nem no período filipino sequer.
Esse facto duradoiro autoriza o investigador a inferir que o resultado, num caso e noutro, devam ser línguas diversas? Acho que não. Seja como for, o que o filólogo ou linguísta (não digo o sociólogo da língua ou o sociolinguísta ou o "glotopoliticista"), se procura alguma consistência teórica, teria de fazer antes de emitir essa conclusão é analisar comparativamente umas e outras falas, insisto, as realizações orais.
Quem assim as analisar talvez conclua (só inicialmente?) que as falas galegas não constituem uma «lingua de seu», mas que, ao longo dos séculos, percorreram o trajeto que vai de ser expressão de autonomia idiomática à crioulização factual entre a língua de origem, galaico-portuguesa, e a envolvente, castelhana ou, antes, «española». Ainda mais, essa crioulização, por sua vez, dada a situação, perceptível em bastantes falas e falantes, é trânsito, também factual, à dialetalização ou simples variedade sinstrática da língua nacional do «Reino de España».
Cumpre acrescentar, à margem, que a "normalización" tanto de corpus, elaborada pelos isolacionistas, quanto de status, abrigada sob as instituições «españolas» («Junta de Galicia», «Diputaciones», «Ayuntamientos», ...), não evita esse processo, mas, tudo o contrário, está a promovê-lo em progressão geométrica.
2. SENTIMENTO DOS "FALANTES"
O Prof. Gargallo continua (p. 57), como se respondendo as perguntas «Que opinam os "falantes", sujeitos diretamente implicados?» Quer dizer: «Qual é o sentimento dos utentes sobre a sua "fala"?, consideram que falam "galego"?».
"[...] no estoy tan convencido de que una buena parte de la población de los tres lugares respondiera afirmativamente (y sin matizaciones) [...]. Tampoco puedo asegurar que compartieran con gran entusiasmo el aserto de Costas (1999: 84) de que el valle en que reposan los tres lugares «[...] é coñecido como Aa Galicia estremeña@».
O "argumento" do sentimento dos falantes teria, para o caso da "fala", a mesma pertinência que os isolacionistas, citados, lhe atribuem para alicerçar a sua [hipó-] tese da diversidade idiomática de "galego" e português.
Com efeito, os isolacionistas toman, como fundamento cientificamente válido para inferir a diversidade idiomática de "galego" e português, o sentimento (ou «conciencia») dos falantes de falas galegas que sentem o facto, aliás evidente, de não falarem português, em particular, português padrão.
Em consequência, se estimam válido esse "argumento" para justificarem a "não-dependência" do "galego" a respeito do português, teriam de validar com igual força probatória o sentimento dos falantes da "fala" da «Extremadura» para não a tornar dependente do "galego". Mas, ao não procederem com essa lógica, evidenciam, também por este lado, a inconsistência teórica do isolacionismo que sustentam com unhas e dentes talvez, mas com escassa ciência.
3. FALAS DO BLOCO ROMÂNICO GALEGO-PORTUGUÊS
Coincido com o Professor Gargallo Gil em afirmar que vale tomar este como argumento filológica ou cientificamente válido, a ponderar com adecuação e prudência. Como a sua exposição me parece determinante (embora comedida: demais?), sigo-a, levemente comentada pela minha parte. Começo pela citação de uma passagem extensa:
Es indudable [...] que dichas hablas forman parte del bloque románico gallego-portugués. En eso creo que (casi) todos los filólogos que nos hemos ocupado de ellas [...] estamos de acuerdo. De la profesora portuguesa Clarinda de Azevedo Maia, y concretamente de su modélico estudio sobre Os falares fronteiriços do concelho do Sabugal e da vizinha região de Xalma e Alamedilla [1977], extraigo una cita, referencia clave para el desentrañamiento de la entidad lingüística de nuestro enclave [...]. Ahí va la cita, tantas veces socorrida. (p. 58)
[...] a linguagem essencialmente galega dos foros de Castelo Rodrigo e dos falares da região de Xalma teriam a sua origem e explicação nos repovoadores galegos da região nos séculos XII e XIII [...]
Aunque entreverada de leonesismos, la antigua lengua de los Foros, como la actual de Xalma, respondería a una hechura esencialmente gallega. Las hablas de San Martín, Eljas y Valverde serían, pues, una prolongación de aquel tipo de lengua rayana, traída a la región por un contingente de repobladores en su mayoría gallegos.
Tal es, en esencia, el argumento histórico que esgrimen ahora quienes, con Costas, sostienen la galleguidad de mañego, lagarteiro y valverdeiro. Ahora bien, este histórico argumento entiendo yo que se habrá de contextualizar en la conjunta (y secular) historia del bloque románico gallego-portugués, que invita, según mi parecer, a otros argumentos.
Argumentos que no tienen por qué excluir aquél, pero que lo matizan y enriquecen. Para empezar, creo que una cosa será la procedencia de un tipo de gallego antiguo, y otra (bastante otra), que lo que hoy se habla en el valle sea (tout court) gallego. [...]
No sólo habría que considerar las razones históricas [...]. Al argumento histórico vale la pena sumarle el de la afinidad actual entre el romance gallego (del noroeste peninsular) y estas otras hablas romances (del noroeste extremeño). Leamos lo que escribe Costas [...] al respecto (p. 59):
Tanto Frías coma nosoutros estamos convencidos da "galeguidade" innegable destas falas, galeguidade por orixe e galeguidade de as compararmos cos resultados actuais das variedades galegas do sueste do noso dominio lingüístico [...]
Su convicción de tan innegable galleguidad lingüística, por origen y por actual afinidad, la comparto sólo a medias, con los matices que (a mi modo de ver) impone la contemplación de todo el complejo lingüístico gallego y portugués, en su dimensión histórica y actual. [...]
Y esto último es lo que sigo creyendo. Que unas y otras hablas (gallegas, mañega, lagarteira y valverdeira) forman parte del mismo mundo lingüístico gallego-portugués ("diasistema", lo llama aquí Costas). Y persisto asimismo en creer que nuestro enclave extremeño muestra en conjunto más afinidades con el gallego que con el portugués inmediato. Y admito de buena fe lo que Costas (buen conocedor de lo gallego) advierte sobre la especial afinidad con el sudeste de su dominio lingüístico gallego. (p. 60)
A meu ver, o Professor assinala vessantes não apenas adscrevíveis à Linguística estrita, desde os quais se deve encarar a questão, enunciada no título da «ponencia»: «)Se habla gallego en Extremadura? y otras cuestiones, no menos delicadas, sobre romances, gentes y tierras peninsulares de frontera (con sus nombres)».
Com efeito, é antes de mais «cuestión delicada», pelo particular nominalismo em que militam os cultores do isolacionismo, de que se gabam e com que contagiam extensamente até aos mesmos "lusistas". Mas também lhes serve de ecran ou de máscara e disfarce para ocultarem as vessantes pertinentes, que, porém, devem ser tratadas com seriedade, porque se acha em jogo não a prolongação de uma «lingua de seu», mas a identidade cultural e pessoal de numerosos cidadãos, hoje europeus, menos submetidos (idealmente) à "moderna" ditadura dos limites administrativos e mais livres para estabelecerem as relações humanas que preferirem.
Comento já a citação:
a. Diz: «Es indudable [...] que dichas hablas forman parte del bloque románico gallego-portugués.» Este me parece que tem de ser o ponto de partida: O filólogo sério teria de começar por remeter as diversas realizações orais em lida à língua histórica que hoje conhecemos pelo nome de português, à margem de os utentes serem cidadãos da República portuguesa ou do «Reino de España» e, neste, da «Comunidad Autónoma de Galicia», do «Principado de Asturias», de «Castilla y León» ou de «Extremadura».
Se o filólogo alcançar a certeza enunciada pelo Professor, o lógico será que aplique a essas falas o critério de correção idiomática universal nestas partes da Europa, nomeadamente à falas que indiscutivelmente se adscrevem ao castelhano-«español» ou ao português.
b. Continua: «Aunque entreverada de leonesismos, la antigua lengua de los Foros, como la actual de Xalma, respondería a una hechura esencialmente gallega. Las hablas de San Martín, Eljas y Valverde serían, pues, una prolongación de aquel tipo de lengua rayana, traída a la región por un contingente de repobladores en su mayoría gallegos.» Já me referi acima à repovoação indubitável, imprecisa. Por isso a observação que a seguir faz o Prof. Gargallo Gil é pertinente: «este histórico argumento entiendo yo que se habrá de contextualizar en la conjunta (y secular) historia del bloque románico gallego-portugués».
Opino, como acima apontava, que, segundo o Professor insiste (p. 61), a «cuestión crucial» não apenas «para el gallego moderno», mas para a "fala" é «la de su status con respecto al portugués.» O isolacionismo sustenta que «desde unha perspectiva sociolingüística e socioliteraria [...] na actualidade galego e portugués son dous idiomas afíns, pero diferenciados».
Cabe concordar com que as razões fornecidas, que acima esbocei, são filológica e linguísticamente válidas? Se a «perspectiva sociolingüística e socioliteraria» se impõe à «realidade dun continuum lingüístico de Ortegal ó Algarve» (que na mesma p. 61 se cita de FR), cumpre esclarecer a real natureza dessa perspetiva, que o Professor explica (talvez com alguma retranca) umas linhas abaixo, quando se refere à localização administrativa de Hermisende (Zamora):
"si esta localidad hubiera permanecido en Portugal (como hasta 1640), si siguiera aún hoy del lado portugués de la raya, )habrían llegado a considerar gallega el habla de Hermisende quienes actualmente la tienen por tal?"
E continua imediatamente:
Es evidente que la pertenencia a uno u otro lado de la raya (Portugal / Galicia o Zamora [desculpe-se-me, a oposição correta e adequada é: «Portugal / España+, como o Professor reconhece na nota 18]) se erige en argumento de gran peso [yo diría "definitivo"] a la hora de encuadrar, del lado gallego o del portugués, hablas bien afines, inmersas en un continuum romance (del Ortegal al Algarve) mucho más homogéneo sin duda que el comprendido entre Fisterra y el Véneto italiano. (pp. 61-62)
A conclusão que o Prof. Gargallo alcança e que faço minha é inabalável:
Para quien contempla el conjunto de lo gallego y lo portugués con talante integrador (o reintegracionista), es bizantina cuestión, por innecesaria, la de si Valverde, Eljas y San Martín hablan gallego o portugués. Portugués o gallego, aun si la afinidad es mayor con éste que con aquél, todo forma parte de la misma lengua (gallego-) portuguesa (p. 62).
Preencho essa conclusão com outro trecho seu, da p. 63, em que comenta, questiona ou se surpreende: