Vítor Meirinho Guede (1)

(sobre a teoria e a praxe de Antão Vilar Ponte)

 

 

Dr. Vítor Meirinho Guede, da A.A.G.-P

 

Fevereiro de 2003

 

 

 

I. Introdução

 

As referências ideológicas e filosóficas de qualquer movimento político são sempre cruzadas, diversas, e divergentes e contraditórias até, porque diversas são as pessoas elaboradoras do discurso que o compõem e compuseram. Sucede não apenas nos momentos iniciais, mas também nos momentos de consolidação, inclusive se um segmento ideológico hegemónico personifica socialmente toda a ideologia geral. Dessarte, todo movimento que tiver uma certa história pode reinterpretar simbolicamente uma variedade relativamente ampla do material discursivo e ideológico do passado vinculado a ele, primando num certo momento os materiais mais legitimadores da sua linha ideológica ou estratégica actual e deixando de parte outros. Um dos restos que deixou o sistema ideológico do Antigo Regime, nunca plenamente morto, foi o aspecto da legitimação: Carlos Marx intuiu-o quando notou que os líderes dos regimes novos sentem a necessidade de se vestirem com as roupagens dos usos velhos para se mostrarem com elas à vista dos seus súbditos. A dificuldade de fundamentar hoje uma comunidade política que se justifique a si própria de maneira auto-referencial sincronicamente continua segue a ser tão grande nesta época histórica, que por vezes se faz chamar pós-moderna, quanto o foi na própria Modernidade.

 

O mesmo que sucede nas comunidades políticas assentes num território fixado (chamem-se estados ou outros entes), sucede na maioria dos movimentos cívicos, quer culturais, quer explicitamente políticos, os quais precisam de um sistema ideológico legitimador. Estes movimentos, como micro-comunidades políticas, fazem a sua ré-interpretação simbólica desde o presente, fragmentando e fazendo ainda menos contínuo do que é o pensamento humano do qual querem e conseguem apropriar-se.

 

As numerosas rupturas ideológicas a respeito do galeguismo anterior à guerra de 1936 que apresentam os grupos nacionalistas fundados após o conflito bélico, hoje virados em nacionalismo hegemónico segundo expressão corrente[1], implicam uma dificuldade de apropriação simbólica das pessoas e dos discursos de determinados vultos do primeiro nacionalismo galego, como João Vicente Biqueira ou Antão Vilar Ponte. Essa ausência de apropriação, lógica aliás noutros segmentos ideológicos do nacionalismo espanhol, resulta contudo surpreendente dentro do nacionalismo galego, quer no declaradamente independentista, quer no federalista. A elevação de Castelão à posição, praticamente, de vulto sacro do galeguismo mostra claramente essa contradição, porquanto as propostas económicas, de estruturação territorial e de definição do âmbito linguístico e cultural da Galiza que faz Castelão[2] devem-se manifestamente às ideias sustentadas pelo sector progressista das primeiras Irmandades da Fala, em que Vilar Ponte e Biqueira são representantes eminentes, e dos quais Castelão frequentemente não faz mais do que uma simples transcrição.

 

Este trabalho tem duas intenções. Em primeiro lugar, mostrar a linha ideológica de Vilar Ponte, coerentemente ligada nos seus aspectos particulares, e fazer ver como a sua coerência interna leva o político do Partido Galeguista a imaginar a questão nacional galega numa perspectiva de abrangência com Portugal. Em segundo lugar, a exposição dessa linha ideológica poderá sugerir os motivos pelos quais o nacionalismo galego não integra o discurso de Vilar Ponte dentro do seu imaginário, cousa que numa primeira olhada deveria semelhar contraditório, sendo como são o fundador das Irmandades da Fala e o seu grupo da Corunha a origem do segundo Castelão, cujo pensamento eleva o nacionalismo contemporâneo à categoria de dogma político.

 

 

 

II. A postura filosófica (ideológica) universal

 

Os anos anteriores à Grande Guerra europeia e os que vieram depois deles foram um período de extraordinário desenvolvimento intelectual e estético na Europa. Este desenvolvimento nem deixou de ter influência destacada na Espanha, impregnando a sua produção cultural de um espírito inédito até essa época. No primeiro terço do século localizam-se desenvolvimentos filosóficos e artísticos que fizeram desses anos a segunda “idade de ouro” na cultura espanhola, segundo interpretação generalizada.

Estes anos são, aliás, de um ecléctico entrecruzamento de diversas ideologias e tendências, para além de serem anos de efervescência política, em que se sucederam regimes e projectos políticos variados. No tema nacional, vive-se o progressivo questionamento da forma do estado-nação espanhol, num crescimento contínuo da força dos movimentos separatistas ou descentralizadores e numa diversificação das suas linhas ideológicas e estratégicas[3].

 

Neste ambiente, o nacionalismo galego acha-se sob doutrinas plurais, e enfrentadas até. A fundamentação da nação ampara-se quer sob o irracionalismo objectivista quer sob a ideia da sua contingência e desenvolvimento dialéctico. Costuma-se distinguir, dentro das Irmandades da Fala e do Partido Galeguista, entre um nacionalismo filosoficamente historicista e politicamente de direita[4], arredor do grupo de Ourense (Risco, Otero Pedrayo, Cuevilhas…), e um nacionalismo subjectivista e de esquerda, que para além de estar mais virado para a acção política (em vez de estar para o labor cultural) teria os seus militantes mais destacados na zona da Corunha. Nele se achariam Manuel Lugris, Eugénio Carré, Lois Penha Novo, Vítor Casas…

Se fizermos caso desta divisão, teremos de colocar João Vicente Biqueira e Antão Vilar Ponte como os pais intelectuais do segundo grupo. A configuração intelectual que ambos dão a este nacionalismo progressista entende-se dentro do substrato filosófico com que chegam ao galeguismo. Tem-se assinalado a confluência de Biqueira com os princípios da Institución Libre de Enseñanza sediada em Madrid[5], onde foi aluno e professor.

 

As influências filosóficas assinaladas em Biqueira são patentes em Vilar Ponte. Os dous se devem ao princípio de construir os sistemas políticos desde a racionalidade e desde o seu serviço à natureza dos seres humanos, individualmente considerados e não como fazedores de um ente abstrato induzido ou imaginado como essência. Destarte, as formações políticas históricas serão julgadas pela sua correspondência com a sociedade de homens a que elas devem servir. A subordinação do indivíduo a uma suposta transcendência da nação não tem lugar na matriz do pensamento de Vilar Ponte. Isto serve-lhe para criticar directamente a inoculação da ideia do patriotismo espanhol:

 

¿Incondicionaes d'Hespaña? A incondicionalidade é escravitú. A incondicionalidade inda non se da no senso natural para que poida dárese no senso político. Condicional é o mais respetabre da vida: a relación entre pais e fillos, dentro da familia. ¿Cómo poden existir parvos que falen da santa incondicionalidade a un Estado, sempre cousa artificiosa e mudatre.[6]

 

Não consideramos que esta opinião sobre o artifício do estado seja apenas uma afirmação estratégica para criticar a invenção da pátria espanhola contida no projecto nacional do Reino de Espanha, mas achamos que a noção da contingência histórica dos estados e da relação não natural destes com o sentimento da “pátria” está fortemente assente no pensamento de Vilar Ponte. Assim é que se explica a recorrência da desdivinização do sentimento patriótico, presente também de passagem em textos não políticos. Em artigo publicado no jornal “El Pueblo Gallego”, a fazer crítica de um livro sobre o suicídio, Antão Vilar Ponte comenta:

 

El capítulo en que se habla del deber de morir y del derecho a disponer de la vida considerámoslo el más audaz del libro de referencia y estamos seguros que no encontrará el “placet” de aquellos moralistas ochocentistas que han aprendido en De Maitre a distinguir, amén de otras cosas, lo que hay de diferencial entre el acto del soldado que mata a un semejante en nombre de la patria, y el verdugo que ejecuta a un reo por orden de la justicia.[7]

 

O pensamento político de Vilar Ponte parte destarte de uma filosofia humanista que reconhece como relativos os sistemas sociais construídos historicamente pela Humanidade, e portanto também os conceitos de nação e de estado, sem considerá-los nem realidades eternas nem factos que determinem uma imposição moral a priori para as pessoas. Desta maneira, o discurso de Vilar Ponte adquire uma forte e distinta personalidade face ao tipo de discurso historicista predominante nos nacionalismos do século XIX e começos do XX.[8]

 

 

A concepção do nacionalismo galego não se poderia ter formado, para Vilar Ponte, como uma afirmação exclusiva do particular. Antes, a persistência (e faríamos bem em dizer aliás o desenvolvimento) da nação galega é defendida desde a diversidade universal. Duas são as ideias presentes detrás da defesa da galeguidade: a primeira, que o mundo será mais rico quanto mais diversas forem as suas partes; a segunda, que nenhuma dessas partes poderá aceder à universalidade se para isso se impuser como condição a sua despersonalização cultural. Estas ideias aparecem na resposta que Vilar Ponte dirige a Miguel de Unamuno, depois de ter defendido o escritor basco-espanhol a supressão das línguas “regionais” da Espanha para adoptarem os seus falantes a língua castelhana, que os colocaria para ele em melhor disposição de se inserirem no que ele chama de cosmopolitismo:

 

Así es como nosotros hacemos universalismo. Uniformar es esclavizar, matar. Diferenciar es culturalizar, libertar. Como dice el catedrático Vicente Risco, “sólo preservando nuestras energías autóctonas, nuestra capacidad de creación, podremos contribuir a la civilización universal, incorporando a ella nuestras creaciones inéditas”. Esto nos impone el deber de ser cada vez más gallegos; el enxebrismo tiene este amplio sentido de humanidad que analizó muy bien otro catedrático galleguista: Viqueira. Si ahondáramos un poco en las palabras del señor Unamuno, acaso pudiéramos demostrarle que por escribir a vuela pluma confundió cosmopolitismo con universalismo.[9]

 

Para além disto, espera-se que esta pluralidade, sendo assumida pela cultura global, contribua para uma sorte de harmonia universal das culturas. As referências a Guyau são abundantes.[10] O “comunismo das culturas”, que em Vilar Ponte adopta o nome de “universalismo”, é diferente do que ele chama de “cosmopolitismo”, designando por esse nome uma renúncia da própria cultura em favor não da constituição de cidadãos do mundo, mas do retorno a um novo provincianismo, limitado aos respectivos centros das capitais estatais. Quer dizer, uma sorte de provincianismo da grande cidade.[11]

Ao cosmopolitismo, gerador para Vilar Ponte de centros vários, mas fagócitos e opostos entre si, opõe-se o universalismo. Este seria caracterizado pelos ideais de harmonia, concorrência e vacuidade nas fronteiras culturais.

 

A nação significa para Vilar Ponte um facto objectivo mas contingente, construído dialecticamente na história e não seguindo qualquer teleologia. O carácter nacional que se desenvolve com independência das fronteiras marcadas pelos estados, quando ele é feito em harmonia com o entorno das outras nações, constitui-se num dever político derivado da bondade intrínseca da diversidade, factor enriquecedor para o ser humano universal. A contingência da nação significa que ela é construída por vários actores, obrando no contexto de forças históricas. Quer-se dizer que para a realização da ideia de nação num determinado território e população trabalham necessariamente grupos humanos, mais pequenos do que a nação mesma, de modo a construírem a teorização sobre a qual descanse a nação; e aliás, de modo a dotarem essa teorização de suportes práticos.

Ou seja, a nação, quer a Espanha quer a Galiza, devém nação por meio de uma tarefa de construção, encarada por elites conscientes desse processo e defensoras motivadas do mesmo. A ideia de nação de Vilar Ponte não é de nenhum modo historicista à maneira em que entenderiam a maioria dos nacionalistas galegos (pretéritos e actuais), pois não se trata de uma nação existente na latência, que terá de ser “descoberta”. A nação não reside no “povo secular” que se construiu a si próprio sem ter consciência disso. A nação existe primeiro na mente dos que a projectam, e depois, se têm sucesso, na mente da população que é dominada ideologicamente por esta elite. Vilar Ponte tem clara consciência deste facto:

 

¿Qué importa que muchos campesinos y muchas gentes neutras estén al margen de este, problema, como de tantos otros? Los incultos y los indiferentes son almas líquidas que se adaptan a la forma de todas las vasijas. Nada sabían de régimen parlamentario los aldeanos ingleses y el Parlamento se impuso. Nada sabían de la Enciclopedia, de las doctrinas de Rousseau, ni de los derechos del hombre los habitantes del rus galo, y, sin embargo, la Revolución Francesa triunfó. Aún no se dieron cuenta de lo que es el comunismo, no ya los campesinos eslavos, sino muchos de los pobladores de las urbes moscovitas, y ello, no obstante, el régimen de los soviets impera. Pues lo mismo podríamos decir de España con respecto al sentimiento republicano o socialista que hoy vibra entre nosotros. Las minorías conscientes cuando operan con tenacidad sobre cosas vivas, consubstanciales con el progreso, casi siempre alcanzan victoria.[12]

 

Só o home dino e libre pode ter unha patria. Pode tela; a non ten sempre, pois hai tempos en que só existe na imaginación de poucos: un, dez, quizais algun cento d'elegidos. (...) Antr'eses poucos está entón a nazonalidade e latexa o nazonalismo; mantéñense alleos ao seus afán os millós d'habitantes que jantan e lucran no país.[13]

 

Depois desta primeira fase, na qual uma minoria activa se organiza, virá o mergulho de toda a população na ideologia nacional desta minoria, ideologia que se terá tornado no pensamento “normal”. Esta ideologização irá progressivamente impregnando a totalidade, como requer a natureza do conceito de nacionalidade no período histórico moderno. Só aí é que a nação imaginada se terá tornado realmente pátria:

 

Cando non hai patria, non pode esistir nacionalismo. Este sentimento colectivo só é posible na medida que sinala o latexar unísono dos corazóns. Namentras un país non é patria, os seus habitantes non constituien unha nación.[14]

 

A consciência de como o processo de construção nacional se verifica leva Vilar Ponte a insistir em várias advertências para os seus companheiros políticos galeguistas, aos quais se dirige por meio de artigos mais imediatamente prosélitos, que se publicam sobretudo no diário “A Nosa Terra”. Antão Vilar Ponte acha que a génese da nação galega (entendida no seu sentido mais próprio e moderno) está mais no futuro que estão a começar as Irmandades da Fala e o Partido Galeguista, e menos no passado. Daí que o emprego simbólico dos materiais do passado não tenha um valor intrínseco, mas um valor colocado em relação com o projecto futuro:

 

E o remedio contra d'esas crisis da cultura non está no fetichismo do pasado (siñores académicos), senón na sementeira do porvire,[15]

 

As advertências de Vilar Ponte para os seus companheiros políticos procuram sobretudo duas vias simultâneas, a serem praticadas pelos grupos nacionalizadores galegos, para efectivarem o seu projecto. O primeiro implica a desvinculação do quadro de pensamento e acção que o galeguismo procura combater (o estado-nação castelhano-espanhol), na medida em que se entende ser esse quadro uma ideologia global em todos os aspectos vitais da população espanhola (e com ela a população galega). O facto de que esta ideologia se manifeste de maneira global, não apenas pontual, faz com que o labor de reversão ideológica que devem acometer os galeguistas seja enormemente dificultoso. Por tudo isto, seguindo o particular estilo retórico da época, Vilar Ponte também aplica adjectivos grandiosos à missão de difundir o ideário dos nacionalistas (como “redenção”). Os galeguistas terão de ser um primeiro núcleo onde se verifique o facto nacional; são dessarte um ensaio da sociedade inteira:

 

Cantos aspiren a redentores, hánse redimir eles primeiro. E ¿sabedes de galegos, agás os nacionalistas, e nin siquer todos, desgraciadamente, que teñan feito na súa conciencia a súa redención individual do castelanismo? Pois esta redención individual é a que traguerá a redención colectiva. Primeiro, redimirse cada ún a sí mesmo; logo, redimí-la intimidade do fogar propio, e o demáis virá por engádega.[16]

 

Sendo uma sorte de ensaio, ou de “nação incubada”, os nacionalistas deverão ter muito cuidado com a sua própria qualidade interna como pessoas capazes e de cultura. Entende-se que o primeiro carácter que tomar o grupo nacionalista determinará em grande medida o carácter da nação. Eis o motivo pelo qual os nacionalistas terão de dar importância ao seu cultivo pessoal. A cultura (lembre-se a herança krausista da geração corunhesa dentro da qual está Vilar Ponte, e o ideal do homem ilustrado como sustentador da comunidade moderna, que no pensamento da época é sempre comunidade nacional) figura-se como o instrumento que melhor dará a consciência do facto nacional:

 

O da nazonalidade é un concepto moderno. A cultura é o millor e mais forte cimento da nazonalidade. Sin a cultura os homes non chegan, endebén, a poseeren o verdadeiro sentimento de patria.[17]

 

 

 

III. O correlato particular galego: o espelho simbólico

 

Uma das ideias centrais para Vilar Ponte, segundo o que acaba de ser exposto, será averiguar a maneira em que o nacionalismo galego (que é tanto cultural quanto político, pela imbricação dos dous aspectos na definição nacional) poderá dar uma feição à Galiza de maneira a ser, simultaneamente, uma sociedade nacionalmente moderna e auto-identificada.

 

Para todos os nacionalismos hispânicos, o idioma é fundamental. A nação joga-se a possibilidade de ser real dispondo de uma língua nacional utilizada, factualmente e com exclusão de qualquer outra, em todos os âmbitos da sociedade moderna. A construção nacional, destarte, é companheira de uma outra construção, a do modelo de língua, destinada a oferecer possibilidades para uma mudança sócio-linguística.

 

Confrontado por exigências profissionais com a língua portuguesa utilizada em Portugal, Vilar Ponte, em 1912, tem ocasião de comprovar a vinculação das falas galegas a Norte do rio Minho com as existentes na república. Se as primeiras se acham em condição dialectal e cobertas nos seus usos formais pelo padrão castelhano, quer dizer, em situação de diglossia deslocada[18], as segundas estão inseridas num sistema sócio-linguístico desenvolvido plenamente. A língua do povo português está presente nos jornais, no parlamento; em toda a vida do estado.

Mostrando-se ser a língua dos galegos e dos portugueses a mesma, a conclusão para Vilar Ponte é que a se a língua na Galiza tivesse superado o seu estado actual e se achasse restaurada, os usos linguísticos na Galiza seriam idênticos aos que se verificam no quotidiano em Portugal. A ideia da proximidade da Galiza a Portugal surge então natural, e reafirma o nacionalismo galego, porquanto faz sentir que os galegos têm mais que ver com uma nação teoricamente estrangeira do que com os seus próprios “compatriotas” (castelhanos, andaluzes, catalães...), e aliás surge a impressão de serem as manifestações culturais e institucionais havidas na terra galega umas manifestações impróprias do país, pois as portuguesas seriam menos estrangeiras para os galegos do que as espanholas. Em 1916, Antão Vilar Ponte lembrava deste jeito o que significou para ele o contacto com Portugal:

 

Pero fue en Lisboa y Oporto, poblaciones que visitamos por exigencias periodísticas, donde nuestro pensamiento acerca del particular se robusteció con vigores indestructibles, sintiéndonos allí, por lo que a la expresión idiomática respecta y aun por lo que hace relación a ciertos usos y costumbres, casi igual que en nuestra tierra, y desde luego más connacionales, a causa de afinidades de raza, de los portugueses que de los madrileños y andaluces. Observando entonces cómo el gallego, transformado al influjo de evoluciones pertinentes de un antiguo nacionalismo, afluía lo mismo a los labios de la aristrocracia que de la mesocracia y del pueblo; viendo cómo sus periódicos -modelo si se les compara con la mayoría de los españoles- parecían más nuestros que los nuestros propios; escuchando la expresión de sus políticos y artistas en palabras hermanas de las nuestras.[19]

 

A ligação entre duas das ideias legitimadoras do nacionalismo, isto é, as características culturais (e sobretudo as linguísticas) e a configuração histórica da nação (que remete para a sua sobrevivência desde o passado como motivo para procurar a sua sobrevivência no futuro) derivam logicamente na formulação da ideia de serem a Galiza e Portugal dous fragmentos de uma mesma colectividade separados pela acção do ente político e jurídico que despersonalizou a Galiza. Tanto os factores práticos (na linha da filosofia liberal de esquerdas de Vilar Ponte) quanto os históricos dão razão à vontade do político de Viveiro para defender a união galego-portuguesa, mas são os segundos aqueles que fundamentalmente legitimam essa tomada de postura.

 

O nacionalismo galego tem achado portanto, nessa altura, o seu referente de identidade ou reintegração em Portugal, como tinham feito já alguns pensadores do regionalismo anterior.[20] A ideia de ser Portugal uma sorte de Galiza nacionalizada terá exercido uma importância para certos segmentos nacionalistas, pois é simbolicamente eficaz num momento no qual não existem referentes exclusivamente galegos que contrapor ao referente do modelo nacional espanhol. No momento em que Vilar Ponte funda as Irmandades da Fala (1916), a capacidade simbólica que oferecem os precursores do século XIX acha-se ultrapassada pela capacidade que oferece o estado português. Vilar Ponte atribui –num artigo em que lembra retrospectivamente a constituição das Irmandades– a fundação intelectual do nacionalismo galego à verificação de ser o galego língua de uso pleno, quer dizer, nacional, num estado. Este facto teria revelado o carácter protonacional da Galiza:

 

E eu dígolles con todo respeto aos “tradicionalistas” da galeguidade actual en movimento, que cando valorizamos Galiza para facela xurdir política e culturalmente de seu, non ollamos a nada antergo –o que non quer dicir que non deba ollarse– senón á realidade “presente” con ollada virxe: vendo un país con lingua propia, viva na maoría dos seus moradores e afincada nun esteo indestrutíbel, o da lingua portuguesa, que lle dá ás nosas arelas unha forza maor que a dos máis pobos diferenciados da Penínsua e de Europa enteira; un país de unidade xeográfica, económica e moral, que só pode trocarse de territorio con habitantes, en pobo con ialma e cibdadanía, en pobo relevante e útil a sí mesmo e ó progreso humán, esculpíndose en sí mesmo para sí mesmo con cincel do próprio estilo.

O noso pulo naceu ollando o presente e o porvir. Xermolaría igoal de non termos historia nin precursores. Os que fitan agora atrás fan ben; nós non fitábamos cando ceibámolo berro primeiro do galeguismo conscente. Sin pasado histórico daríamolo o mesmo. Concebímolo pelegrinando por Portugal. Véndolle vivir a vida moderna na nosa fala.[21]

 

O negrito, marcado por mim, está a indicar que Vilar Ponte afirma ter nascido o nacionalismo galego por causa de Portugal. Provavelmente não devemos tomar isto como uma afirmação certa se entendemos que Vilar Ponte se está a referir a uma atitude comum na sua geração. O galeguismo existia antes que o referente de Portugal adquirisse uma importância tão elevada, e aliás as divisões do movimento foram contínuas a respeito deste tema (pois se não estivesse dividido a proposição lida por Vilar Ponte na primeira assembleia nacionalista de 1918 teria sido aprovada)[22]. Mas está-se a indicar, com certeza, um processo individual de chegada ao galeguismo por parte de Vilar Ponte –um dos “pais fundadores” mais destacados do nacionalismo–, que teoriza uma ideologia pela qual a Galiza tem por destino Portugal.

 

Por tudo isto, Antão Vilar Ponte desenvolve nos primeiros anos do nacionalismo galego uma tentativa para fazê-lo entrar numa questão portuguesa, com uma dupla orientação: uma orientação interna procura interessar os nacionalistas galegos (que seriam os construtores da Galiza nacional) em Portugal, pois acha que a aproximação dos galegos a Portugal firmará a personalidade galega. Numa segunda orientação, Portugal tem uma finalidade estratégica: o envolvimento de Portugal com a Galiza multiplica a força política do galeguismo. Os dous aspectos relacionam-se na sua proposição lida na assembleia de Lugo:

 

1.º Galicia ten que considerar a Portugal, pois élo é axiomático, como o baluarte da sua independenza espiritoal. Namentras Portugal exista como nazón independente, Galicia non perderá endexamais as esencias dunha persoalidá propia, que, esvaida ou non, sempre terán virtude xermoladora dun senso irredentista. Galicia, emporiso, debe ter sempre latexante no seu idearium nazonalista este principio:

“A libertade e a independenza de Portugal considerámol-a os galegos como nosa mesma libertade e independenza, e estaremos dispostos de cote a erguérmonos violentamente contra dos que quixesen esnaquizar aquela”.

2.º Galicia considera o portugués como o galego nazonalizado e modernizado, e asin pensa de fondo e transcendente interés familiarizar entre os galegos a groriosa literatura portuguesa, prova suprema e fecunda de que no noso idioma pode e debe facerse nosa cultura coase inexistente, efeito de cinco séculos de centralismo desgaleguizador que non foron capaces de matar a fala de Rosalía, inda hoxe empregada pol-as cinco sextas partes do povo, e comprendida por todos os galegos.

[…]

3.º Galicia considera que ela con Portugal forma nazón compreta, tallada pol-o fatalismo histórico. […]

H.) Como primeiro paso para todo isto, os nazoalistas galegos teñen que acordaren dirixirense a o Governo portugués con o obxeto que éle na conferencia da paz e dentro da Liga das nazóns, fágase intelprete do noso desexo d’autonomía integral e da nosa door de que namentras os povos neutraes d’Europa viven en xeito de pacifismo interior, Hespaña é o único Estados que gardaron neutralidá na guerra onde fica sen resolver un probrema de nazonalidades e inda o do exercicio da cidadanía, orixe de continua loita interior, estorbo para a civilización xeneral.

Concrusión: Galicia e Portugal estreitadas ao fin supoñerían unha expansión cultural de idioma diferente do castelán tan extensiva coase como a d’este na península e camiño de rivalizar tamén na América, con o baluarte do Brasil, sinificando a redenzón do noso espírito para colaborar por nós mesmos, con todas as esencias naturaes da nosa raza, no superior comunismo da cultura universal, de que falou Guyau.[23]

 

Portanto, partindo do tipo de fundamentação das propostas de Vilar Ponte e donde elas partem, não dou a importância especial que Ramom Varela Punhal concede ao Norte de Portugal dentro do ideário lusista de Vilar Ponte, quando diz que

 

Umha parte da terra portuguesa estivo muitos anos ligada a Galiza historicamente, do que se deduz que, para Vilar Ponte, a relaçom com todo Portugal nom é a mesma, se bem nom delimita pormenorizadamente, ao contrário do que fará Castelao, qual é essa parte irmá da galega e falará quase sempre de Portugal sem mais[24]

 

porque a ideia da proximidade especial da Galiza com o Norte de Portugal, e não como todo o estado português, tem-se firmado sobre considerações culturais (com preferência, provavelmente, das etnográficas) e, se calhar no dia de hoje, económicas. Mas Antão Vilar Ponte está-se a referir a um plano mais puramente político, embora o discurso externo se possa tingir de um verniz cultural.

Na base disto está o mesmo princípio que anos mais tarde enunciou Castelão no Sempre en Galiza: a diminuição da força relativa que Castela[25] tem dentro da Espanha lograr-se-á mediante o balanço que deverão oferecer uma Catalunha e um bloco galego-português fortalecidos, como o acrescentamento da Vascónia. Este princípio programático pressupõe uma tese: que os nacionalismos galego, basco e catalão nascem de uma insegurança motivada pelo peso desproporcionado do bloco central, castelhano-andaluz. A manutenção dessa desproporção alimenta o sentimento de insegurança nas “periferias”, e fá-lo derivar progressivamente, em último termo, na vontade de se separarem de Espanha[26]. A realização de um sistema de contrapesos, no qual se incluiria um Portugal unido à Galiza faria possível manter a união das partes de Espanha e realizaria nela o ideal da harmonia cultural.

 

A aproximação da Galiza a Portugal fita, portanto, para a Confederação Ibérica, para a aproximação de Portugal à Espanha por meio da Galiza. Mas pode-se inferir não ser esta a intenção principal, por aparecer menos vezes no discurso do que outra intenção, a de firmar a diferença da Galiza a respeito do resto do estado. Para o segundo é imprescindível a concorrência de Portugal; a realização da Federação Ibérica também não poderá ser feita sem o estado luso. Quer para o primeiro, quer para o segundo, a existência do estado português será a principal força em que o galeguismo, estrategicamente, terá de avançar:

 

Sempre que se fale da Federación Ibérica, teremos que apuntar os nazonalistas galegos unha cousa moito esencial. A nova posición de esprito, o novo credo ideolóxico que pouco a pouco van conquerindo vontades da nosa Terra, así o pide. ¿E que cousa é a apuntar? Deciredes.

A de que Galiza considera como postulado do seu ser a independenza de Portugal. Esta independenza foi e será sempre, a garantía e defensa da nosa persoalidade. Se a o longo da Historia de Portugal estivese perdida sua independenza, nen a máis pequena sombra do “ser” galego eisistiría hoxe. Mentras eisista Portugal con caraiterísticas propias, haberá razón na Galiza pra loitar pola reivindicazón da ialma nazonal.

A independenza da Lusitania groriosa é, pois, o mesmo que a nosa propia independeza; quen atentare contra aquela, será o nemigo maor do galeguismo. Ten para nós forte intrés a eisistencia dun Estado luso grande, próspero, soberano absoluto dos seus destinos, capaz de pesar tanto como Castela, no prano da balanza das hexemonías ibéricas.

Na “Atlántida”, de Verdaguer, o xigante luso salva Galiza. Pois o mito primitivista do poeta catalán, ten na realidade, dende os séculos antigos ate hoxe, un eco de certo. Mentras viva Portugal, vivirá Galiza. Mentras Portugal sexa forte, haberá a posibilidade de que Galiza chegue a selo. Os galegos que non amen Portugal non amarán tampouco Galiza.[27]

 

Antão Vilar Ponte é consciente do conflito que poderia acarretar o facto de os nacionalistas organizados seguirem a via que ele assinala. Acredita que devido a que os galegos podem seguir o caminho de se apoiarem num estado soberano além das fronteiras espanholas (cousa que não podem bascos nem catalães) o nacionalismo galego é potencialmente o nacionalismo com mais sucesso, de todos os que operam dentro da Espanha, se os nacionalistas da Galiza se decidirem a fazê-lo assim.

 

 

 

IV. Conclusão: resumo e revisão actualizada (para o ano 2003)

 

A filiação de Antão Vilar Ponte ao galeguismo deriva de quando a sua filosofia política prévia, formada na esquerda liberal espanhola de começos de século, entra em contacto com a realidade social e cultural portuguesa. Após esse facto, Vilar Ponte imagina a Galiza dentro de um pensamento de esquerda no qual a nação devém objecto a partir da relação entre umas bases objectivas e a acção organizadora da minoria reitora da sociedade (núcleos galeguistas). Destarte, desloca o essere da nação para a vontade de uma parte da população, afastando o nacionalismo galego do ideário mais historicista que encarna o grupo de Ourense (principalmente). Portugal desempenha um duplo papel no ideário de Vilar Ponte: de uma parte, é referente de identidade, meta de chegada do processo nacionalizador galego. Da outra, é instrumento estratégico, multiplicador da força dos galeguistas.

O jeito em que Vilar Ponte defende as suas posições, à maneira de invocação, evidencia que não eram compartilhadas pela totalidade dos seus companheiros, ou, no mínimo, que Vilar Ponte percebia fraquezas na sua assunção. O fundador das Irmandades da Fala tencionou suprimir a divisão do galeguismo a respeito da conveniência da aproximação a Portugal (e também à América Latina) porque calculava dotá-lo assim de uma acção eficaz. A divisão, porém, perdurou, influída possivelmente pelo peso que o espírito etnográfico (mais tendente a atender as diferenças do que a abranger visões de conjunto) exerceu, para próprios e alheios, na olhada deitada sobre a Galiza.

 

A encruzilhada em que o galeguismo se achava na altura é fundamentalmente semelhante àquela em que se acha hoje o processo nacionalizador (pretenso ou real) da Galiza. E provavelmente o é porque o galeguismo não resolveu os seus dilemas orientando-se para uma finalidade estratégica prática, e aceitou (consciente ou inconscientemente) desenvolver-se, até hoje, seguindo a acção do mito de Sísifo.

As causas endógenas disto residem provavelmente em várias cousas. Destaco, entre elas, a que mais propriamente tem que ver com factores ideológicos: a falsa compreensão, muito frequente, de certas concepções sobre a identidade da Galiza como se fossem verdades de tipo natural e não como se fossem aquilo que realmente são, isto é, concepções relativas derivadas de um substrato ideológico particular (nomeadamente, aquele que vem da construção teórica do nacionalismo espanhol datada no século XIX e praticada desde aquela época até hoje). Precisa-se na Galiza, ainda hoje, uma maior compreensão da relação existente entre as concepções que fazemos de nós próprios e as consequências práticas disto. Dessa maneira, compreender-se-ia melhor qual devera ser o caminho mais viável, não para construirmos uma identidade que nos ofereça uma auto-satisfacção individual –ou individualista–, mas para alcançar uma meta implementada colectiva e realmente (e diga-se de passagem que também se poderia chegar ao estabelecimento mais fiável de verdades a respeito de nós mesmos). Tudo isto exige capacidade intelectual para ultrapassar o idealismo filosófico como método de compreensão da realidade.[28] Superá-lo é melhorar o discurso, e portanto ganhar oportunidades para fazê-lo mais visível (pois normalmente as pessoas que mais evitam explicar publicamente os seus valores ideológicos são aquelas que menos confiam neles). Destarte, hoje a revisão crítica das concepções em que se têm fundamentado os defensores da causa galega é uma necessidade para firmar um movimento cujos avanços derivem não da maior aceitação social produzida pela diluição do conteúdo ideológico do movimento, mas pela penetração que esse conteúdo –se ele for correcto e bom– consegue na sociedade.

 

 

 

Bibliografia

 

Justo Beramendi e Xosé Manuel Núñez Seixas: O nacionalismo galego; Vigo, A Nosa Terra, segunda edição, 1996

João Vicente Biqueira: Obra selecta (Poesia e ensaio); Ponte-Vedra/Braga, Cadernos do Povo – Revista Internacional da Lusofonia, nº 43-46, 1998

Eugénio Carré Aldão (dir.): A Nosa Terra (compilação em dous volumes); Corunha, Boreal, 1992

Victor Casas, Aquilino Iglesias Alvariño, Alfredo Suárez Picallo e Antón Vilar Ponte (dirs.): A Nosa Terra (compilação em 7 volumes); Vigo, Nova Galicia, 1989

Afonso Daniel Rodríguez Castelao: Sempre em Galiza; Madrid, Akal, quarta edição, 1994

Diário de Lisboa: “A Galiza precisa do apoio de Portugal” (entrevista com Antão Vilar Ponte), in Diário de Lisboa, Lisboa, 10 de Julho de 1933

Ramón Máiz: A idea de nación; Vigo, Xerais, 1997

Ramom Varela Punhal: “Relaçons Galiza-Portugal em Antom Vilar Ponte”, in Agália nº 38; Corunha, Associaçom Galega da Língua, Verão 1994

Antón Vilar Ponte: Pensamento e sementeira; Buenos Aires, Ediciones Galicia, 1971

Antón Vilar Ponte: (seleção sem título); Corunha, O Facho, 1977

Antonio Villar Ponte: Escolma; Compostela, Universidade de Santiago, 1977

 



[1] Estou a me referir à matriz do nacionalismo actual gerada nos anos sessenta arredor dos movimentos nacionalistas primariamente marxistas, que tomaram mais tarde as referências “culturalistas” consolidadas durante a época da ditadura.

[2] Vid. o Sempre en Galiza.

[3] Na Catalunha, o nacionalismo de Cambó diferencia-se da Esquerra Republicana. Na Vascónia espanhola, cinde-se o Partido Nacionalismo Vasco em duas linhas possivelmente mais iguais do que se costuma pensar. No nacionalismo da Galiza participam sectores diversos, que por vezes se recolhem sob organizações separadas.

[4] A classificação que figura, por exemplo, em Justo Beramendi e Xosé Manuel Núñez Seixas: O nacionalismo galego; Vigo, A Nosa Terra, segunda edição, 1996

[5] Vid. notas e prólogo de António Gil Hernández em João Vicente Biqueira: Obra selecta (Poesia e ensaio); Ponte-Vedra/Braga, Cadernos do Povo - Revista Internacional da Lusofonia, nº 43-46, 1998

[6] Discursos a nazón galega, in “A Nosa Terra”, nº 75, 15 de Dezembro de 1918, p. 4

[7] El instinto de la muerte, compilado em Pensamento e sementeira, p. 164

[8] e infelizmente ainda subjacente em boa parte do nacionalismo galego do século XXI…

[9] O sentimento liberal na Galiza; artigo publicado no jornal “El Noroeste” e recolhido em Pensamento e sementeira, p. 308

[10] Jean-Marie Guyau (Laval, 1854-Menton, 1888), filósofo francês positivista autor de Esquisse d’une morale sans obligation ni sanction (1884), L’irréligion d l’avenir (1887) e L’art au point de vue sociologique (1889, publicada postumamente).

[11] O uso da palavra “cosmopolitismo” por Vilar Ponte não se corresponde, evidentemente, com o seu significado real. Possivelmente tenha usado este termo para combater com sarcasmo a invocação que do “cosmopolitismo” faziam muito frequentemente os defensores da uniformidade linguística e cultural da Espanha, nisto tão semelhantes aos actuais pseudo-progressistas da “España constitucional” e “incluyente” pela via digestiva.

[12] Sobre la autonomía regional, publicado no jornal “El Pueblo Gallego”; in Pensamento e sementeira, p. 107-108

[13] Discursos a nazón galega, in “A Nosa Terra”, nº 76, 25 de Dezembro de 1918, p. 1

[14] Seleção do Facho, p. 17

[15] Discursos a nazón galega, in “A Nosa Terra”, nº 76, 25 de Dezembro de 1918, p. 1

[16] Seleção do Facho, p. 16

[17] Discursos a nazón galega, in “A Nosa Terra”, nº 76, 25 de Dezembro de 1918, p. 1

[18] O conceito foi desenvolvido, na Galiza, por António Gil Hernández e Henrique Rabunhal Corgo. A situação normal de diglossia, presente em todas as línguas nacionais normalizadas, consiste em que as falas da língua nacional, que se apresentam fragmentariamente entre si e num registo informal, estão cobertas no seu uso formal por uma variante culta da língua nacional. Esta variante exerce influência sobre as falas informais, aproximando-as para si. A situação de diglossia deslocada dá-se quando os usos formais não estão representados pela própria língua em que se desenvolvem os usos informais, mas por outra diferente à que emprega o comum na população em situações que requerem de um menor cuidado linguístico. Diz-se então que as falas de base deslocaram o seu padrão, adoptando o padrão de uma língua estranha. É desta maneira que este padrão exerce influência sobre as realizações concretas da língua nos falares populares, afastando a língua minorizada das suas feições próprias.

[19] Nacionalismo gallego. Nuestra afirmación regional, in “La Voz de Galicia”, 1916, p. 38

[20] Vid. os esquemas contidos nas páginas 334-336 de Ramón Máiz: A idea de nación; Vigo, Xerais, 1997

[21] O que vai de 1916 a 1936, in Pensamento e sementeira, p. 300

[22] O próprio subtítulo de “Discursos a nazón galega”, que Vilar Ponte vai publicando por entregas n’A Nosa Terra, sugere que o autor era consciente de estar subvertendo partes substanciais do ideário corrente dos galeguistas quando explica as suas ideias a respeito de Portugal. O subtítulo era “Revisando valores”.

[23] Proposição lida na Assembleia Nacionalista de Lugo; publicada com o título de Pangaleguismo. O camiño direito, em “A Nosa Terra”, nº 77, ps. 5-6

[24] Ramom VARELA PUNHAL: Relaçons Galiza-Portugal em Antom Vilar Ponte, p. 164

[25] Quando Castelão se refere a Castela fá-lo, de uma maneira algo imprópria, a todos os territórios de fala castelhana, incluindo a Andaluzia, como é sabido.

[26] Castelão será claro em atribuir o separatismo à política de assimilação do projeto espanhol, prognosticando que será Espanha quem obrigue os galegos (e Castelão próprio) a serem separatistas, algo que em princípio não concorda com o seu ideal de confederação ibérica.

[27] Visión internazonalista, in Pensamento e sementeira, ps. 218-219

[28] Exigência que devia ser aliás mais urgente, sequer pelo facto de ser o nacionalismo galego um movimento cuja maioria de militantes pertence à esquerda política…

 

 

    Vítor Meirinho nasceu em 1978 em Ourense. Licenciado em Ciências Políticas e da Administração, é membro ativo de diversas associações culturais. Além da Associação de Amizade Galiza-Portugal, pertence à Assembleia da Língua, Associação Galega da Língua e o Movimento Defesa da Língua.