AA.VV.Associação de Amizade Galiza-Portugal (1)

 

 Ângelo Cristóvão Angueira

 

Miguel Cupeiro Frade

 

António Gil Hernández

 

Mário João Herrero Valeiro

 

José António Lozano Garcia

 

Roberto Ouro Vilharaviz

 

Jesus Sánchez Sobrado

 

Álvaro Jaime Vidal Boução

 

da Associação de Amizade «Galiza-portugal».  

 

Galiza, 27 de Abril de 1992

Comunicação apresentada ao Seminário sobre «O uso das Línguas na perspectiva da Europa Comunitária», AGAL, Ourense, 1992, e publicado no volume do mesmo título, Mª Carmo Henríquez, Ed., 1993, Crunha, pp.49-60.

 

0.- INTRODUÇÃO

 

0.1.- Em linhas admiráveis Jorge Luis Borges escreve:

 

«La palabra problema puede ser una insidiosa petición de principio. Hablar del problema judío es postular que los judíos son un problema; es vaticinar (y recomendar) las persecuciones, la expoliación, los balazos,el degüello, el estupro y la lectura de la prosa del doctor Rosenberg. Otro demérito de los falsos problemas es el de promover soluciones que son falsas también.»[1]

 

Pode ser. Acaso semelhante suspeita levantada possa também sobrevoar as nossas cabeças quan­do, reunidos sob um obsceno e tácito acordo de posição comum numa luta, somos quem de aceitar aquele presumível objeto de estudo que nos vem denominado como «caso galego», ou «problema galego».

 

Acaso, dizemos. Porque também nós fazemos agora rigoroso exercício de história-questionário.

 

Para isto, então, faz-se-nos imprescindível abordar todos os supostos explicitados no título mesmo deste seminário. São eles os que nos hão permitir uma viagem que é uma prática-teórica. A mesma que toda a precisão materialista dos Spinoza, Maquiavel, Marx ou Althusser nos brinda agora para defrontar-nos àquele que é ponto constituinte do nosso percorrido.

 

Saber, sem esperança, é óbvio, com todo o rigor também, da configuração muito concreta do Direito: é ele produção do Poder, na sua forma-legislação este se exprime e se diz irrebasável, fabrica com a sua codificação legislativa a sua cobertura legitimadora. Não há, pois, movimentos de reforma legal; há, sim, lutas em autodeterminação cujo resultado produz ou não mudanças legislativas, e/ou não só, rastejáveis nas linhas de atos de jurisprudência mais do que nos corpus de leis.

 

 Assim, devém perfeitamente enquadrável por que a legislação espanhola sobre matéria linguística produzida (ou não) na Galiza é, para além de «imperfeita», tecnicamente «defeitosa», até ao ponto de nem sequer fixar objetivos. E devém no movimento mesmo em que tais «imperfeição» e «defeição» constituem o seu polido, estrito e procurado acabado: quando e onde a Lei é nominação do Desejo, e o desejo não é outro que a aniquilação.

 

Espera-se, então, que haja uma «correção» legislativa estadual com relação à legislação europeia?

 

Será solução o reconhecimento de existência do galego?

 

Violentam esses atos nalguma maneira a configuração que o capital desenvolve na Europa?

 

E verifica-o o facto de saber que há uma língua oficial da CEE perseguida até no território de um dos seus estados membros?

 

A Associação de Amizade Galiza-portugal enviou em 12 de Março do presente ano à «Comissão de petições» do Parlamento europeu um «Relatório» sobre a situação da Comunidade Lusófona galega» no senso de os galego-utentes padecerem ignorância e desinformação coativas acerca da sua língua nacional até ao ponto de, sob pretextos de a dignificarem «por elaboração», os órgãos do Reino da Espanha impedirem, na realidade, o seu uso «normal». Chega-se assim a suprimi-la como língua oficial da C.E., embora digam pretender a declaração da sua existência como «língua europeia».

 

«En nombre del Secretario General» o «Jefe de División» acusou o recibo da carta, de um particular (nessa figura se tornou um «Relatório» de uma Associação legalmente constituida), «inscrita en el registro general de peticiones con el núm. 195/92». Segundo se nos disse, «remitida a la Comisión de Peticiones, [...] examinará, en primer lugar, si la petición entra en el ámbito de actividades de las Comunidades Europeas». Em todo o caso, «La Comisión de Peticiones le informará directamente de sus decisiones [da Comissão]».

 

Aguardamos expetantes a resolução de tal europeu organismo[2]. Bom tema de reflexão (ao menos) e de questionamento têm os juristas e outros estudiosos interessados na glotopolítica: «por cumprir uma norma de rango inferior conculcam-se normas de rango supremo, as que reconhecem os direitos fundamentais da pessoa» não é essa caraterística de regimes autoritários, mais ou menos fascistoides? .

 

0.2.- Falamos em «língua» e «cultura». Uma repetição tal destes termos em atos como o que hoje nos convoca tem a vantagem oficial do consenso, do lugar das homologias, da conculcação daquele diálogo, que era luta na teoria, fundador do pensamento todo em que nós nos inscrevemos e ao que referimos como clássico e cujo momento fundante ubicamos, numa geografia tão superfi­cial como estrita, na Grécia. Conculcação que é ato de poder. E fingido, no nosso caso.

 

É um poder que não nos temos construído. Não há espaços de poder ocupáveis. São sustantivos. Há, apenas, opções sobre a constituição de poder antagónico.

 

As reiterações e explicitações de obviedades são tediosas tanto quanto necessárias.

 

Aqueloutras sobre cuja estaticidade se constrói a aniquilação fazem-se «terrotistas», na rigorosa codificação de monopólio da violência (material e/ou simbólica) por uma forma-stato.

 

Não estará esta, acaso, inscrevendo-se num movimento que evite as linhas de definição de «língua» e «cultura»?

 

É princípio militante do anti-lusismo formular a indiferencialidade plena da língua quanto ao seu aspeto gráfico.

 

É princípio fundante da língua, enquanto forma, a sua convencionalidade plena.

 

A utilização do segundo conceito com a codificação do primeiro é exemplo perfeito de deslocamento ideológico. Não há convenções «indiferentes».

 

Explicá-lo parece até obsceno.

 

Se a língua pode devir instrumento na culturização, se podemos intuir a sua anterioridade lógica e até cronológica a qualquer construto cultural, com que definição adulcorada e melosa de «cultura» se quer trabalhar?; que cultura e qual o sentido desta vai potenciar a CEE?

 

1.- QUE «LÍNGUAS» E QUE «USOS»?

 

Qualquer metodologia supõe a aplicação dum instrumento conceitual suficientemente adequado.

 

Nós, aqui, vamos seguir as conceptualizações apresentadas por Ralph Fasold[3] como «tipolo­gias» e «fórmulas» sobre que trabalharam, no tema do nosso interesse, Stewart (1962), Ferguson (1966), que as reelaborou seguindo um trabalho seu de 1962, e Stewart (1968), que as modificou de novo[4], a respeito da caraterização de línguas nomeadamente no seio das «nations» cujas populações empregam várias[5].

 

1.1.- QUE «LÍNGUAS»?

 

1.1.1.-  FERGUSON (1966)

 

Esta formulação inicial estabelece-se para as comunidades linguísticas que apresentarem «importantes factos sociolinguísticos».

 

1.1.1.1.- CATEGORIAS DE APLICAÇÃO

 

Vale indicarmos as três «categorias» que cabe aplicar a cada língua, segundo as «qualificações» seguintes:

 

a.  língua maior.

 

Para uma língua devir dessa condição, terá de cumprir pelo menos uma destas três caraterísticas:

 

(1)ser falada como nativa por mais do 25% da população ou por mais de um milhão de pessoas;

 

(2)ser a oficial do país;

 

(3)ser a língua veicular na educação de por volta do 50% da escolarização secundária na nação.

 

b.  língua menor.

 

Diz-se da língua que não cumpra nenhum dos requisitos da língua maior e, porém, um dos seguintes, pelo menos:

 

(1)ser falada por mais do 5% da população ou por mais de 100.000 pessoas;

 

(2)ser usada como meio de instrução nos primeiros anos do ensino primário contando com livros de texto redigidos nela.

 

c. língua de estátus especial.

 

Aquela que, não se encontrando nas duas qualificações acima expostas deve ser usada como língua da religião, para as manifestações literárias, como matéria curricular no ensino secundário ou como língua franca.

 

1.1.1.2.- APLICAÇÃO AO IDIOMA GALEGO

 

Em consequência, o galego é de facto uma língua maior. Falada por mais do 25% da população.

 

Porém, sendo língua não oficial, mas apenas «tambiém oficial», é escassamente veicular nos âmbitos do ensino, até ao ponto de não alcançar o grau de uso reservado às línguas menores. Será a condição que hão de cumpror as colónia situadas no próprio centro do Ocidente (culto) europeu.

 

Sendo assim, poderá o idioma galego estimar-se nalguma altura, da história e da legalidade, com o mesmo rango que o português (nominalmente) ocupa junto com as outras poucas línguas europeias declaradas oficiais na CEE?

 

Ou, pelo contrário, trata-se de constatar que os seus «usos» estão bem como estão para assim o caraterizar e legitimar, em definitivo, o triunfo da linha exterminadora, genocida?

 

Ou, antes, uma constatação de tal índole haverá de servir para retomarmos a linha do «galeguismo histórico» que permita reconduzir esses «usos» numa e para uma caraterização distinta, outra, do galego?

 

1.1.2.- FERGUSON (1968)

 

Nas categorias gerais de língua, acima vistas, que respondem à fórmula inicial de Stewart e, à posterior de Ferguson, determinam-se «tipos» e «funções».

 

1.1.2.1.-  TIPOS  DE LÍNGUAS

 

Dessarte se reconhecem cinco tipos de línguas, que confrontaremos com a situação em que se acha o galego para o tipificarmos adequadamente.

 

a.  Língua vernácula

 

Entendemos por tal a língua nativa não «estandardizada» de uma comunidade de fala.

 

b. Língua padrão

 

Endendemos que é a língua vernácula «estandardizada».

 

c. Língua clássica

 

Apreciamos que é tal o padrão «morto» como língua nativa, oral.

 

d. Pidgin

 

Define-se como uma língua híbrida enquanto que adoita incluir a fonte léxica de uma língua e a estrutura gramatical de outra (ou outras).

 

e. Crioulo

 

Dizemos do pidgin que se tornou em língua nativa de uma comunidade de fala.

 

1.1.2.2.-  APLICAÇÃO AO IDIOMA GALEGO

 

a. O Galego foi historicamente língua vernácula de modo que em certa altura chegou a contar com uma língua comum relativamente estável, mas sofreu posteriormente um processo de rápida despadronização num segmento da sua comunidade.

 

Hoje na Galiza (espanhola) não é língua vernácula.

 

b. Também o idioma galego carece hoje de língua padrão, porquanto estão confrontadas duas linhas gerais de padronização a incluirem, por sua vez, «máximos» e «mínimos».

 

Os «mínimos» de ambas as linhas confluem numa obscena homologia: a mesma proposta vem sendo «reintegracionismo de mínimos» e «isolacionismo de mínimos».

 

Um horizonte de tal espécie incide negativamente na aceitação do[s] padrão[/ões], que em rigor Stewart (1968) considera atributo indispenável para caraterizar a língua (inicialmente) estandard.

 

c. O textos dos Cancioneiros são de facto, ao menos, língua clássica, «morta», para a padronização isolacionista do galego.

 

Aliás, constituem, incontestavelmente, não apenas o «modelo», nalguma medida morto, mas sobretudo a meta do processo «normalizador» para a linha «reintegracionista» de padronização que em princípio exclui a «confusão com o português».

 

d. O castelhano foi, num tempo, fonte do léxico para o pidgin que de facto utilizavam muitos galegos e que, estendendo-se de jeito curioso, recebe o nome de castrapo (ou «galego macarrónico»); porém, na realidade o idioma galego, falado pelos nativos, não chegou a ser nem a funcionar nem léxica, nem gramaticalmente como um pidgin (até agora).

 

Porém, na situação presente cabe considerar pidgin a «verbalização» oral e escrita de políticos e outros vampirizadores sociais, assim como aqueloutra que, de forma incontestável, é pai único da «Linguística galega», fonte abominável de Saber bastardeado por ser produção subsidiária de um Saber «outro» que é produção primeira do Poder.

 

e. Acaso a configuração, dantes aludida, em que está a substantivar-se o galego seja como um crioulo conflituosamente estandardizado. Apesar de óbvio, faz-se preciso explicitá-lo mais uma vez.

 

Desse jeito de configuração já nem o reintegracionismo pode pensar sequer em se livrar.

 

1.2.-  QUE «USOS»?

 

Dito por outras palavras, que «funções»?

 

1.2.1.-  FERGUSON (1962): «FUNÇÕES»

 

Nesse texto fornece-nos um inventário de «funções» ou «usos», susceptíveis de serem satisfeitos correlativamente com os diferentes tipos de língua.

 

Tais funções são:

 

a. Função de grupo

 

Entende-se por tal a cumprida por aquela língua usada primariamente para processos comunicacionais desenvolvidos no interior da comunidade de fala, que identifica como um grupo com especificidade sócio-cultural.

 

b. Uso oficial

 

É a língua legalmente (na produção de corpus «legitimador») designada (e declarada) como oficial e/ou empregue para propósitos de governo no nível nacional.

 

c. Língua franca

 

Utiliza-se para a comunicação entre comunidades, não sendo a de nenhuma delas.

 

d. Uso educacional

 

Aquela língua usada nos primeiros anos do ensino primário com textos redigidos nela. É óbvia instrumentalização, nos casos em que é necessária, como veículo que permitir o aprendizado da [auto ou homo] definida como língua nacional.

 

e. Propósitos religiosos

 

f. Uso internacional

 

g. Função de disciplina escolar

 

Cumpre tal função a língua (não nacional) que, para além de se manejar como veículo de instrução, é também matéria de estudo nos currícula escolares.

 

Podemos ainda assinalar outras funções acrescentadas por Stewart (1986):

 

h. Função provincial

 

Indicando o uso oficial de uma língua nalguma subdivisão política menor do que a nação.

 

i. Função capital

 

j. Função literária

 

1.2.2.- APLICAÇÃO AO IDIOMA GALEGO

 

Cumpre fazermos as seguintes breves observações:

 

a. A nómina de qualificativos que ideologicamente caraterizam o galego como língua com (exclusiva) função de grupo é extensa enquanto se trata de uma nacionalidade oprimida.

 

Abundam, portanto, as listagens e até catálogos de «eufemismos»: «feito diferencial», «feito galego», «caso galego», «problema galego», etc. Pode-se mudar convenientemente o adjetivo; em qualquer suposto, repare-se nas conexões clínicas da terminologia.

 

Mais uma vez, achamos o deslocamento ideológico. Desde Freud e Lacan, pelo menos, sabemos que a configuração mesma do linguístico constitui uma movimento de elusão no ato mesmo da alusão: uma «comunidade autónoma» onde o factor heterónomo é sobredeterminante e mesmo excluinte; derrotante, até.

 

Cumprirá, ainda, o galego uma função tal derivada do seu uso?

 

Será acaso um factor mais de identificação grupal (digamos claramente «nacional»; não sobeja nenhuma concessão ao rigor) com a subjetividade heterónoma?

 

Linha assimilatória ou, mais especificamente, de uma brutal e eliminadora materialidade? Dizer «simbolicidade» seria aqui (quase) expressão pleonásmica.

 

b. O galego apenas é declarado «tambiém oficial» com o castelhano.

 

Para além disso, segundo acima se questionou, podera usar-se algum dia o galego como língua nacional na nação em que se dá tal (parcial e realmente subsumida) declaração de oficialidade.

 

c. O «caso do galego» não é evidentemente de língua franca.

 

d. O galego não tem uso educacional; é, essa, «vantagem» da colonização europeiamente configurada.

 

Porém, cabe esperar que num futuro indeterminado se proceda assim mesmo com todo o (assombroso) empenho do nacionalismo de nação oprimida?

 

Precisa-se explicitar em que projeto nacional (de futuro e não só) são inscritos?

 

Com certeza as disciplinas escolares que hão de ser obrigadamente impartidas em galego, são aquelas que, expondo as realidades históricas e sociais espanholas, têm uma função nacionalizadora manifesta. Valeria a pena quantificar e qualificar conteúdos, nos textos, e labor expositivo (horário e metodologia), nos cursos.

 

Ainda mais, numa situação como a referida, cumpre perguntarmos por que é que se «cede» graciosamente o espaço da «realidade ontológica nacional» lidimamente «representada» na codificação daquilo que se define como (o) galego?

 

e. Nestas partes da geografia linguística os deuses são (com o Altíssimo à cabeça e contra eles) tristes monolíngues do poder, também. Têm o seu vigário na terra designado e coroado franca e borbonicamente: Poder cuja transmissão é institucionalmente cromosómica e dialetalmente espanhola.

 

f. Para a relação com outras «nações» a (nossa) constitucional monarquia considera não apenas suficiente o castelhano, embora tenhamos de reconhecer que que não lhe faltem razões.

 

É doutrina admitida pelos ditos «elaboradores» galegos.

 

g. O idioma galego é decerto matéria escolar, mas numa patente extralimitação do quadro jurídico onde fica exprimido apenas o direito a usar-se, é declarado e exigido como matéria «obrigatória».

 

A que atribuir essa obrigatoriedade?

 

Qual pode ser o seu sentido na intenção do legislador?

 

Lembremos o que acima indicávamos: constituindo a «disciplinação» do idioma «próprio» deveras toda uma expropriação discursiva e material, por que se faz «cedência» desse âmbito de legitimidade ou de quaisquer outros?

 

Por que se trabalha pela efetivação progressiva de tal «cedência», outorgando confianças aos «poderes autonómicos» cada vez menos merecidas?

 

Por que se concebe esse espaço como principal e prioritário para a «correção» de usos e funções idiomáticas na Comunidade Linguística, para a [plena] nacionalização da Galiza (espanhola)?

 

h. O galego funciona na «província» como um buraco: não como língua nacional, mas como regional (automónica diz-se também).

 

i. Com toda a certeza o idioma galego não é a variedade linguística dominante na capital da «nación».

 

j. O galego é empregue não em toda a produção literária e, em geral, nos textos de alta codificação, mas minorizada e defeitosamente.

 

2.- QUE «PERSPETIVA»?

 

Propomos, porque nos propomos, a valorização questionada do tratado até aqui. Consideramos assim mesmo como evidente a configuração minorizadora.

 

Porém, a minorização acaso seja não tanto instrumental, quanto, primeira e primariamente, simbólica.

 

Assim sendo, que efetividade terá e qual pode ser o sentido da tentativa para que o galego se reconheça na CEE como «língua europeia»?

 

Qual pode ser a «perspetiva» desde o passado e para o futuro?

 

2.1.- QUE MINORIZAÇÃO?

 

Continuando com o seguimento e apresentação que Fasold (1984) faz das categorias de Ferguson e Stewart, passamos a considerar as funções (ou atributos) oficial, nacional, identificadora, cujo interesse se torna primordial para o ulterior questionamento a que no texto estamos a levantar sobre a realidade sócio-linguística galega.

 

a. Função oficial

 

Para que uma língua possa desempenhar essa função, requer-se uma suficiente padronização que tem de ser conhecida por um quadro de cidadãos culturizados.

 

Essas condições são (ainda) impensáveis em galego.

 

b. Função nacionalista

 

Desenvolverá tal função se a língua cumpre as seguintes condições:

 

(1) ser símbolo de identidade nacional para uma proporção significativa da população.

 

Dizíamo-lo acima: supondo que se cumprisse cá essa condição, qual seria a identidade nacional simbolizada e por qual símbolo?

 

(2) ser língua amplamente usada para própositos de uso diário. O idioma galego usa-se diariamente, mas para que usos e com que propósitos?

 

(3) ser língua fluída e amplamente falada dentro do país.

 

Satisfaz o galego tal requisito? Talvez: assim extensamente se admite.

 

Contudo, não existem estatísticas fiáveis, com a exceção dos inquéritos e ulterior elaboração verificados por Ângelo Cristóvão e apresentados em várias publicações e congressos.

 

A retórica oficial expõe uma fluídez cujos postulados são impossíveis, na prática, mesmo para os fautores dessa retórica.

 

(4) defrontar-se com a inexistência de outras línguas nacionalistas no seu território natural.

 

Não é o «caso galego» que justamente se confronta com a existência esmagadora de uma língua maior muito nacionalista dentro do país.

 

(5) ser indiscutivelmente símbolo de autenticidade.

 

Mas discute-se (e não é negativo que assim se proceda na Galiza) a sua aceitabilidade como símbolo de autenticidade autóctone.

 

(6) ser manifesta a relação com um glorioso passado.

 

O idioma galego, porém, segundo é maioritariamente conhecido mal se relaciona com algum passado. Quando se deixa ver, todos somos capazes de conceber a ontológica condição submetente que se insere na narração mesma na qual o idioma se materializa. Vivemos uma configuração nacional apocatástica (como de «eterno retorno»). Nem o consolo apocalíptico nos é dado já.

 

c. Função grupal

 

A sua caraterização, em clara regressão no galego, resume-se em ser usada por todos os mem­bros da comunidade na conversação ordinária e dessarte unificar e separar valores sociais.

 

2.2.- QUE EUROPEIDADE?

 

Em síntese, estimamos que são três os estatutos jurídicos das línguas existentes na Comunidade Económica Europeia:

 

(1) língua oficial,

 

(2) língua de trabalho,

 

(3) língua reconhecida.

 

Ora, podendo ser o galego língua já oficial da CEE (com nome e forma de português), por que é que as instituições espanholas e as organizações nacionalistas galegas aspiram apenas ao simples reconhecimento?

 

Acaso a consideração sobre a conflituação idiomática, desenvolvida no primeiro ponto, não foi suficientemente esclarecedora do conflito de ideologias e de grupos humanos vigente na Galiza?

 

Acaso a efetiva oficialidade atual do idioma galego não é uma posição de presente pensável, quando não socialmente aceite num futuro imediato?

 

Por que os que assim nos posicionamos não acabamos de ser coerentes e utilizamos «massivamente» o português nos nossos escritos perante a Sociedade galega e o Estado espanhol?

 

Podem os expertos em direito europeu apontar alguma observação, complementar ou crítica das aqui expostas?

 

3.- ESCÓLIO

 

Vêm-nos à memória, agora, as lúcidas palavras de Jorge Luis Borges, que não tão longe ficava de tudo isto. E vêm-nos, dizemos, para elaborar a tese da inexistência do dito «caso galego».

 

Dificilmente, acaso, de um «conflito galego».

 

Sim de um tácito (somos reiterativos) obsceno reconhecimento dum mínimo minimizado de sobrevivência cujo futuro prometido é, discursivamente, o informante pleno do decretamento aceite da sua fulminação, com a cobertura legitimadora (diz-se-lhe direito) apropriada.

 

Não esqueça ninguém que trás o pomposo cabeçalho de «normalização linguística» ocultamos tanto como apresentamos um território com linhas diferentes, diversas nos seus sentidos também.

 

Os dados indicam-no; também a razão, única arma de que dispomos: é sintoma de psicopatia profunda abolir o passado em nome do presente, não menos do que o movimento inverso. É justo reconhecer uma derrota e reorganizar (syntaxis, no rigor da língua grega) as forças.

 

Nada tem isso a ver com arrependimento algum, figura da religiosidade transferida nojentamente à imanência em que nos situamos.

 

Há uma linha de normalização em curso e altamente avançada.

 

Sob forma de invasão, certamente, nesta altura.

 

A sua configuração linguística conhece-se como espanhol, também o projeto nacional em que se inscreve. Europa é o seu nome e estigma de modernidade e progresso.

 

Trata-se de uma linha mensurável, estudável, analisável e é, em nós também, silêncio discursivo insalvado: convém conhecer o outro, pelo menos saber da sua alteridade e exterioridade, das suas relações e das formas destas.

 

Pode que não haja outro jeito de saber de nós.

 

Suspeitaremos, prudentes, um tratado de não agressão entre a «qualificada representação» da vítima, que também todos nós somos, e o carrasco, que também todos nós somos?

 

Não é delírio, apenas obscenidade sustantivada, portanto.

 

Cada um escolherá os seus. E a sua trincheira.

 

Se existir a ocorrência, haverá de lembrar que com os fascistas, se os houver, não se discute, nem se razoa? Combate-se, a morte.

 

Casos, por exemplo, como os de Alonso Nozeda, Sánchez Sobrado e Zebral, entre outros, são boa demonstração de todo o denunciado neste (quase) manifesto, com a silente cumplicidade mais absoluta do oficialismo espanhol e do nacionalismo galego.



 

[1]  J.L Borges (1952), «Las alarmas del doctor Américo Castro» in Otras inquisiciones.

 

[2]  Desde então produziram-se atuações da Administração espanhola na Autonomia, que abreviadamente se numeram: a «Sala de lo Contencioso-Administrativo», do «Tribunal Superior de Galicia», emitiu a Sentença 230/1992, de 15 de Abril, e a Sentença 382/1992, de 15 de Junho; a «Consellería de Educación e Ordenación Universitaria» promanou diversos ofícios reclamando de diversos cidadãos que utilizem o «galego [normativo]» ou o «caslelán ['normativo']» em vez do galego-português, indiferentemente escrito como português padrão ou segundo a Normativa proposta pela A.Ga.L.

   Desses procederes deu-se conta à «Comissão de Petições» (Estrasburgo), assim como ao Parlamento galego (Compostela), ao Senado e ao Congresso (Madrid), ao «Valedor do Povo» (Compostela) e ao «Defensor del Pueblo» (Madrid), por se as instituiçoes tivessem atuado contra os direitos fundamentais desses e doutros cidadãos espanhóis.

 [3] No seu livro The Sociolinguistics of Society, Basil Blackwell, Oxford, nomeadamente o capítulo intitulado «Qualitative Formulas», pp. 61-84.

 

[4] William Stewart (1962), «An outline of linguistic tipology for describing multilingualism» in Frank Rice (1962), Study of the Role of Second Languages in Asia, Africa and Latin America, Center for Applied Linguistics, Washington D.C., pp. 15-25.

 

                Charles Ferguson (1966), «National sociolinguistics profile formulas», in William Bright (1966), Sociolin­guistics, Mouton, The Hague, pp. 309-324.

 

                William Stewart (1968), «A sociolinguistic tipology for describing national multilingualism», in Joshua Fishman (ed.) (1968), Readings in the Sociology of Language, Mouton, The Hague, pp. 531-545.

 

                Pode ver-se uma crítica desses textos em «Les graphiques d'évaluation des situations plurilingues (avec application ao Sénégal)», de Louis Jean Calvet.

 [5]  Acaso seja significativo indicar o facto de Fasold referir estes instrumentos como possibilitadores de uma comparação entre a caracterização dos países, embora introduzindo a matização «sociolinguística».